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La Belle Verte E A Desconexão Dos Paradigmas

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Por:   •  14/8/2014  •  1.608 Palavras (7 Páginas)  •  429 Visualizações

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La Belle Verte e a desconexão dos paradigmas

Téo Fronzi Rodrigues

Geração após geração caímos de paraquedas em meio a longos processos de transformações sociais, que de forma direta e sutil vem nos apresentando a vida e nos ensinando a relacionar-se com ela. Nossas formas de olhar para o mundo, nossos gostos, nossos sonhos, nossos pensamentos, todos eles manifestam-se através de um conjunto de lentes paradigmáticas que nos foram herdadas sem que tivéssemos muita escolha. Coline Serreau, diretora e atriz em La Belle Verte (1996), dialoga de forma humorada com o espectador, expondo peculiaridades do mundo pós-industrial e seus paradigmas através do olhar de uma visitante de outro planeta, dito mais evoluído.

A trama começa sobrevoando em silêncio o planeta da protagonista Mila. Um ambiente verde, sem edificações, sem cidades demarcadas, em que seus habitantes se encontram anualmente para uma grande reunião do planeta. Compartilham nessas reuniões seus recursos, oferecem serviços, trocam conhecimentos e tomam decisões. Com ampla capacidade de telepatia, transcendem os discursos democráticos, organizando seus assuntos por consenso , com agilidade e simplicidade.

A crítica sobre esfera política se apresenta logo de início, expondo diferenças fundamentais no funcionamento do sistema democrático e do sistema consensual. A decisão por consenso é um método de solução de problemas e tomada de decisão em grupo baseado em valores como a cooperação, a confiança, a honestidade, a criatividade, a igualdade e o respeito; no qual todas as pessoas envolvidas discutem ativamente as questões implicadas na decisão. Desta forma, o grupo agrega o conhecimento e a experiência de todos os seus membros e qualquer decisão final deve ser apoiada por todos os componentes da equipe. As ideias e sentimentos de todos os integrantes são incorporados na decisão coletiva, permitindo assim a diversas pessoas trabalharem juntas no problema comum, ao invés de produzir um impasse do tipo “Nós x Eles”. O consenso vai além do domínio da maioria, com um modelo de poder e responsabilidade compartilhados. Uma maneira pela qual um grupo de iguais toma decisões em que o processo se apoia na crença fundamental de que cada pessoa tem um "pedaço da verdade".

No contexto do filme, uma das decisões anuais que os habitantes do planeta verde precisam tomar visa a organização de suas viagens interplanetárias. Todos os anos escolhem pessoas para visitarem planetas em diferentes estágios de desenvolvimento, interagindo e aprendendo com esses povos. Mas a Terra, quem vai querer visitar?

“- É mesmo duro lá?

-A lei do mais forte, mulheres massacradas, sem partilha, matanças, acho que levariam anos para se livrar. Partimos no início da era industrial.

-O que é isso?

-Também passamos por isso, há 3.000 anos, competição, escrita, produção em massa de objetos inúteis, guerras, destruição da natureza, doenças sem cura, ou seja, a pré-história. ”

Coline, no papel de Mila, protagoniza a corajosa candidata que enfrenta com curiosidade essa viagem rumo à Paris. Para sua jornada, seus amigos do planeta verde transmitiram-na telepaticamente um programa de línguas terrestres e um programa de “desconexão”. O desconectar-se é o ponto chave em La Belle Verte. Será que os seres humanos são capazes de olhar para a vida com outros olhos, rompendo assim os véus dos automatismos?

O embrião deste processo de automação e construção do olhar se inicia com um fenômeno linguístico. Uma característica comum a todas as formas de linguagem é o fato de que cada uma delas cria e recria permanentemente um sistema de valores, ou visão de mundo, que coincide com o que os antropólogos chamam de ideologia . Essa visão de mundo pode ser entendida como um modo particular, próprio de cada cultura, de ver e pensar a realidade. Todos os seres humanos percebem biologicamente o mundo da mesma maneira. Entretanto, a “leitura” que cada povo, e, em menor grau, cada indivíduo, faz do mundo à sua volta difere em função de seu sistema de valores específico. Não podemos conhecer o mundo tal como ele é, por conta, primeiro, das limitações de nossos próprios órgãos dos sentidos e, em segundo da nossa própria incapacidade de apreender a realidade em si mesma. O mundo real só pode ser pensado depois de ser interpretado em termos de uma cultura. Essa percepção e interpretação ideológica da realidade implicam em um duplo processo de filtragem da informação que existe no meio. O real é filtrado primeiro pelos sentidos físicos e, a seguir, pela cultura.

O programa de desconexão nada mais faz do que “limpar” a mente dos indivíduos das reproduções sociais , da forma como dirigem o próprio olhar e da ação correspondente. Quando os terrestres recebem esse “choque de lucidez” ficam estranhos, olham com curiosidade para aspectos triviais do dia-a-dia e, para quem os vê de fora, parecem loucos.

Mila, como uma espécie de antropóloga do futuro, pousa sua nave-bolha em meio a uma praça em Paris e, espantada, começa a interagir com o mundo ali vivido neste tempo de fumaça e buzinas. Sua ingênua descrição do que vê coloca em xeque os hábitos contemporâneos desde a alimentação até a arquitetura, as formas de relação humana, a estética, a saúde, a economia, a religião. Um simples açougue para muitos, a ela parece mais “Oh, uma exposição de cadáveres”. O corpo de Mila, acostumado com comidas cruas e orgânicas, tem dificuldade no contato com o alimento comum industrializado que encontra pela cidade. Sem encontrar outra solução aparente, ela comunica-se por telepatia com seus amigos do planeta verde e pede para lhe transmitirem o programa de recém-nascidos. Através desse programa, quando Mila se abraça a um bebê ocorre uma troca energética entre ambos que cura e fortifica a criança e que lhe recarrega de energia por dias.

Na busca por bebês a protagonista conhece um médico e uma enfermeira que a acompanham durante sua estada na Terra. Aproveitando a intimidade com o médico, Mila passa a morar com ele e sua família, aprendendo com a esposa e seus filhos um pouco mais sobre os hábitos terrestres. Com sua delicadeza, a protagonista continua sua viagem questionando-os sobre aspectos estranhos a ela da forma como vivem, transformando o olhar da própria família sobre a vida e seus processos.

“-E isto, o que é?

-Batom.

-Para que serve?

-Para colocar nos lábios, assim.

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