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Medicina do trabalho - sub-ciência médica?

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Por:   •  1/12/2014  •  Artigo  •  5.453 Palavras (22 Páginas)  •  252 Visualizações

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Medicina do Trabalho – subciência médica?

Antes, quando a medicina não comportava especialidades, havia uma natural abordagem holística do ser humano em que a medicina buscava o "bem" finalístico da cura, independentemente dos fatores determinantes dos desequilíbrios do "andar natural das coisas da vida". À medida que se complexificaram as variáveis de abordagem, e o conhecimento científico foi se acumulando, a medicina-ciência foi se subdividindo para dar conta dos níveis de exigência requeridos nos campos específicos do conhecimento necessário para atingir o "bem" finalístico.

Assim, podemos dizer que o grau e a intensidade de especialização da medicina deram-se no marco do avanço tecnológico, a partir da acumulação de experimentos científicos e sua validação no ambiente legitimado da ciência oficial: a academia, as instituições de pesquisa e a imprensa científica oficial. Entre algumas vertentes da pesquisa científica que deram suporte e legitimação para a conformação de uma medicina-ciência e sua gradual, e ainda inacabada, subdivisão em especialidades, podemos citar: a bacteriologia, a fisiologia, a farmacologia, a imagenologia, a computação científica, a energia nuclear, etc.

Criado o especialista, nesse processo de evolução científica dos instrumentos e meios para aprimorar o "bem" finalístico da cura, o cardiologista passou a ser um médico, que executa um ato médico, cujo objeto é alcançar o "bem" do coração do paciente. Também assim foi com o pneumologista, o dermatologista, o ginecologista, o psiquiatra e todos os demais especialistas dentro da plêiade de subciências médicas, hoje sobejamente conhecidas e definitivamente estabelecidas.

Nesse espectro, é bem evidente a tríade começo-meio-fim da práxis médica. Se no início da abordagem em busca da cura, o médico observa que a cura depende do "bem" do coração do paciente, e que para isso é necessário um olhar específico e mais aprofundado de seus meandros, o cardiologista assume o caso em ato médico continuado e coerente com o aspecto finalístico da medicina-ciência.

Sem entrar no mérito e na crítica desse modelo de fragmentação interminável da medicina, pois não é esse o foco da nossa discussão, existe uma coerência científica das subciências médicas para se chegar ao objetivo maior da medicina-ciência.

Pois que à Medicina do Trabalho (MT) não se passa esta índole. A rigor, a MT deveria ser a especialização médica que visa a aprofundar o olhar médico para aquelas enfermidades que, originadas na relação trabalho-saúde, pudessem em ato médico continuado e coerente alcançar o "bem" finalístico da medicina-ciência. Não é, contudo, esta a finalidade da MT, posto que sua posição institucional não é a de tratar e, em conseqüência, buscar o "bem" do paciente, mas antes, ao avaliar a capacidade física do trabalhador de poder continuar ou não trabalhando, muitas vezes o ato médico se traduz na devolução do paciente às fontes determinantes de seu mal-estar original. Em outras palavras, o médico do trabalho não se situa no mundo do trabalho, e neste institucionalmente se insere como "verdadeiro" médico e agente facilitador da cura. O verdadeiro, aqui propositalmente aspeado, tem a conotação assumida neste debate da verdade científica conferida ao ato médico, embasado no conhecimento científico e levado ao extremo na comprovação de atingir seu objetivo, ou seja, sujeito à validação científica na medida do alcance do "verdadeiro" objeto finalístico, qual seja, o da cura.

Em outra situação, se um médico do trabalho observa um trabalhador com problema cardíaco, não é ele que o tratará, mas o cardiologista que deverá ser acionado, assim como o pneumologista, no caso das pneumoconioses, e o dermatologista, no caso das dermatoses ocupacionais, entre outros tantos casos exemplares. Poderia ser, então, a MT uma clínica geral voltada para os trabalhadores, no tocante aos seus males originados no trabalho? Do mesmo modo, a resposta também é não, na medida em que o médico do trabalho não tem como missão tratar do trabalhador, propiciar a cura de seus males, mas somente avaliar sua capacidade física de continuar ou não trabalhando. No máximo, em situações-limite de mal-estar dos trabalhadores, capazes de impedir ou comprometer a capacidade de trabalhar, o médico do trabalho pode agir como bloqueador desse mal-estar, pela via da medicalização paliativa de sintomas diversos ou pelo afastamento temporário, pelo menor tempo possível que as exigências do processo produtivo permitam. Caso o problema de saúde seja grave, a ponto de comprometer mais definitivamente o trabalhador como elemento da produção, o afastamento poderá ser definitivo, e o problema de saúde/doença será resolvido por outro médico e, não, pelo médico do trabalho.

Sendo assim, cabe outra pergunta: a MT trata, então, de quê? Por certo não é do trabalhador, porquanto, como vimos, foge ao seu escopo de atuação. Não há o objeto finalístico da cura no ato do médico do trabalho. Seu ato se restringe a servir como intermediador dos danos infligidos à força de trabalho, estabelecendo critérios, não para o diagnóstico do dano (ou doença) em si, mas para o diagnóstico de aptidão para que o "paciente" continue trabalhando ou não.

O ato médico na MT configura-se, portanto, em ato intermediador, filtrante, de avaliação da aptidão do trabalhador para seguir ou não sua jornada, ou de se o "paciente" deve ou não realmente ir ao "verdadeiro" médico.

Ao médico do trabalho caberá um outro tipo de ato finalístico: o de avaliar se há condições para manutenção da força de trabalho na linha de produção. Em última instância, não parece haver qualquer proximidade com o objeto da medicina-ciência. Será então uma fraude a MT como subciência médica? Sim ou não, como dirimir epistemologicamente esta questão?

O binômio prevenção-cura aflora nesta discussão. Secularmente, a medicina navegou e desfraldou suas velas no oceano da cura, e assim ainda o é. Entra em cena o não menor universo das ciências da saúde e seus postulados da prevenção, e não mais o (restrito) campo da medicina e os seus postulados curativos, em última instância. Ou, mais precisamente, um campo teleologicamente mais abrangente além do da cura: o da "cura antecipada".

Pois bem que se tem, aqui, um novo dilema. Seriam as chamadas ciências da saúde ciências mesmo? Pois que se vão, do mesmo modo, se pautar em tributários científicos inequívocos, tais como a epidemiologia, as engenharias, a genética, a estatística e as matemáticas e, entre outras,

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