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A Verdade Sobre Bebidas Desportivas

Por:   •  19/6/2023  •  Artigo  •  8.021 Palavras (33 Páginas)  •  50 Visualizações

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ESPECIAL

A verdade sobre bebidas desportivas

Deborah Cohen

As bebidas desportivas estão cada dia mais sendo consideradas essenciais para qualquer pessoa que pratique atividades físicas, porém faltam evidências que corroborem esse ponto de vista.Deborah Cohen investiga o marketing da ciência da hidratação.

Pré-hidrate; beba antes da sede; treine seu estômago para tolerar mais líquidos; seu cérebro não sabe quando você está com sede: tanto o público quanto os atletas são bombardeados com mensagens sobre o que devem beber – e quando – durante os exercícios. Porém, esses dogmas do consumo de líquidos são relativamente recentes. Na década de 1970, maratonistas eram desestimulados a consumir líquidos pelo medo de que ficassem mais lentos, conta Tim Noakes, presidente da área de exercício e esporte da Discovery Health na Universidade da Cidade do Cabo. Na primeira maratona de Nova York, em 1970, houve pouca discussão sobre o papel da hidratação – acreditava-se que tinha pouco valor científico.

Como a importância da hidratação aumentou? Uma investigação realizada pelo BMJ observou que as empresas patrocinaram cientistas, que desenvolveram uma área científica inteiramente dedicada à hidratação. Esses mesmos cientistas aconselham influentes organizações de medicina do esporte, que desenvolveram diretrizes que atingiram o aconselhamento diário em saúde. Essas diretrizes têm influenciado a European Food Safety Authority, agência da União Europeia que oferece aconselhamento independente sobre as evidências que sustentam as declarações sanitárias relacionadas a alimentos e bebidas – e disseminaram medo sobre os riscos da desidratação.

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Grande parte do foco sobre a hidratação pode ser rastreado até o boom da corrida de rua, que começou com a maratona de Nova York. Fabricantes de calçados esportivos e indústrias de suplementos nutricionais identificaram um mercado em crescimento.

Uma bebida em particular rapidamente lucrou com o mercado em crescimento. Robert Cade, nefrologista da Universidade da Flórida, havia produzido uma bebida esportiva na década de 1960 que continha água, sódio, açúcar e fosfato monopotássico com um toque de limão.1,2 Segundo afirmavam, o Gatorade – nome para lembrar o nome do time de futebol americano Gators, para o qual foi desenvolvido – conseguia evitar e curar episódios de desidratação, intermação e cãibras musculares, além de propiciar melhorar o desempenho.2

O primeiro lote experimental da bebida desportiva custou 43 dólares para ser produzido, porém criou uma indústria com vendas em torno de 260 bilhões de libras ao ano apenas no Reino Unido – e o consumo está aumentando paulatinamente. “O burburinho em torno de bebidas desportivas e energéticas chegou para ficar; esse continua sendo o setor com crescimento mais rápido no mercado de bebidas não alcoólicas no Reino Unido”, sugere um relatório da indústria.3 Nos Estados Unidos, o mercado é ainda maior. Em 2009, a empresa de pesquisa de mercado Mintel avaliou o mercado no valor de 1,6 bilhão de dólares, projetando-se para atingir 2 bilhões até 2016.4

O rápido aumento no consumo não surpreende. A PepsiCo comprou a Gatorade em 2001, e tanto a Coca-Cola quanto a GlaxoSmithKline (GSK) produzem bebidas desportivas – o Powerade e o Lucozade, respectivamente. As empresas são parceiras e provedoras de serviços para as Olimpíadas de 2012 em Londres.

A chave por trás do aumento no consumo de bebidas desportivas está na associação entre ciência e marketing. O que começou como uma simples mistura de ingredientes de cozinha tornou-se uma “parte essencial do equipamento esportivo”.

De acordo com Noakes, a indústria das bebidas desportivas precisou inculcar a ideia de que o consumo de líquidos é tão essencial para o desempenho atlético quanto o treinamento adequado. “Tornou-se comum atletas afirmarem que o motivo para terem tido um mau desempenho em uma corrida não era porque haviam treinado demais ou de menos, mas porque haviam se desidratado. Essa era uma medida do sucesso da indústria no condicionamento de atletas para que acreditassem que o que bebiam durante o exercício era um determinante tão importante para seu desempenho quando o treino”, explica Noakes.

De fato, depois que a “invencível” equipe de críquete da Austrália perdeu a série Ashes de 2005 para a rival Inglaterra, um fellow em pesquisa no Australian Institute of Sport (AIS) começou a monitorar o nível de desidratação dos jogadores.6

No ano anterior (2004), o instituto havia iniciado uma parceria com a Gatorade. A primeira fellow da Gatorade no AIS, Kelly Drew, realizou um estudo sobre hidratação entre os jogadores de críquete, coletando amostras de urina e testando o suor dos atletas. “Sabemos que 50% deles ficaram desidratados hoje, o que não é bom sinal”, disse ela.6

[pic 2]A transformação do Lucozade
Apesar de hoje estar associado ao esporte, o Lucozade teve um início relacionado à doença. Inicialmente desenvolvido por um farmacêutico em Newcastle, o Glucozade – como era chamado – foi lançado como um suplemento de glicose para ajudar pessoas a se recuperar de doenças comuns e logo foi adquirido pela Beecham (hoje parte da divisão de Cuidados Nutricionais da GSK). Porém, a doença não vende tanto quanto força e saúde.

O hoje reconhecido Lucozade foi efetivamente criado em 1983 pela agência de marcas Ogilvy & Mather, do Reino Unido. Foi relançado com o britânico Daley Thompson, ganhador de medalha de ouro, sob a proposta de que energia e poder venderiam mais do que recuperação.


Vender ciência
Documentos da Gatorade de 2010 mostram que os vendedores são estimulados a assistir a um vídeo interno chamado “Selling the Science” e orientados a “ter certeza de que os consumidores entendem a ciência por trás do Gatorade”. A promoção também se apoia na noção de que as bebidas desportivas estão entre “os produtos alimentícios mais bem pesquisados do planeta”, escreveu em 2001 Bob Murray, ex-diretor do Gatorade Sports Science Institute.7

E eles não são os únicos. Quando a GSK reorganizou todo o seu departamento de comunicação no início deste ano, informou que uma parte essencial de sua estratégia seria promover a ciência que subjaz aos seus produtos. “A ciência de nossas marcas é uma vantagem competitiva. O Lucozade, por exemplo, é objeto de mais de 100 ensaios clínicos”, disse um porta-voz.8,9 A empresa sugeriu que o “mercado depende totalmente de credibilidade”.10

Reconhecendo isso, a GSK criou a Lucozade Sports Science Academy (LSSA) em 2003, com um site sobre nutrição esportiva, associações com universidades líderes e uma academia high-tech na sede da empresa.10 O pessoal do marketing pretendia que as garrafas da bebida tivessem o símbolo da LSSA para reafirmar a credibilidade científica quando os kits de nutrição esportiva fossem entregues para instrutores de academia a fim de instruí-los quanto ao uso dos produtos Lucozade Sport.10

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