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Ensaio do livro O Canteiro e o Desenho

Por:   •  22/8/2018  •  Ensaio  •  1.843 Palavras (8 Páginas)  •  418 Visualizações

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  A arquitetura carrega em sua essência o poder de transformar os espaços, tornando a vida do homem mais fácil, bela e feliz.

Além disso, as gerações vão se alternando, mas as obras arquitetônicas persistem como testemunhas da existência humana, revelando, inclusive, muitos aspectos, valores e regimes passados.

  A grandiosidade das pirâmides de Gizé exprime o poder concentrado nas mãos dos faraós, as obras monumentais erguidas durante todo o império romano, assim como os edifícios da Grécia Antiga, demonstram o poder da consciência humana e a preocupação em entreter, os palácios barrocos sobrepõem a extravagância e a influência exacerbada de inúmeros reis sol...

  Como se nota, o agir arquitetônico comumente esteve atrelado às classes mais abastadas, detentoras do poder político e econômico e, quase sempre, foi analisado sob a ótica destas classes, raramente levando em consideração os processos inferiores para que tais monumentos se mantivessem em pé: geralmente demonstrações de desigualdade, despotismo e dominação.

  Engana-se quem acredita numa redução desta relação da arquitetura com o poder nos dias atuais, a fragmentação dos processos de criação assim como a globalização permitiu a disseminação de uma confusão insana, no qual nada se apresenta de forma clara e concisa. Infelizmente a arquitetura se submete ao capital e aquela essência primordial que a torna fundamental ao homem vai se desfalecendo na medida em que se faz mais dependente do dinheiro.

  Um dos poucos estudiosos que passou a analisar sobre outro ângulo (a partir do canteiro de obras) o fazer da arquitetura nos dias atuais é o professor e arquiteto Sergio Ferro.

  O primórdio dos seus estudos, depois reunidos no livro O Canteiro e o Desenho, remontam da década de 1960, período no qual estava se graduando na FAU-USP e entrou em contato com arquitetos muito atrelados a questão social, como o mestre Vilanova Artigas.

  Vale frisar que a época era de uma efervescência muito significativa e o mundo, especialmente a Europa, estava em muitos questionamentos em relação aos padrões vigentes.

  No Brasil, todos se voltavam para a construção da nova capital e foi justamente no enorme canteiro de Brasília que Sergio Ferro verificou um grande antagonismo contrapondo as construções emblemáticas com as condições sub-humanas pelas quais os candangos tiveram que enfrentar.

  São problemas de elevada urgência: as péssimas condições de trabalho, a falta de uma alimentação adequada, doenças ocasionadas pela insalubridade e putrefação da comida.

  Sem contar os transtornos mentais que esta situação abrangia, há relatos de trabalhadores que se suicidaram e de inúmeras revoltas, sempre contidas da forma mais rápida possível, haja vista que o plano 50 anos em 5 não podia ser interrompido.

  Para entender todos estes problemas - e elucidar como uma atividade que deveria possibilitar o bem estar da sociedade estava permitindo atrocidades terríveis- Ferro engaja-se em muitos estudos até compreender que o desenho arquitetônico deixou de exprimir sua função essencial para possibilitar a forma mercadoria do objeto arquitetônico.

  Publicado em 1976, o livro não aborda apenas uma revisão da tecnologia da época, mas essencialmente uma critica às relações existentes no canteiro de obras, no qual se chega uma ordem de trabalho, geralmente expressa no desenho arquitetônico, que começa a ser executada pelos trabalhadores sem ao menos saberem o resultado final daquilo.

  Os operários têm em mãos a capacidade de construir, entretanto, não sabem os porquês do que faz. Esta falta de conhecimento se caracteriza como justo desinteresse na medida em que a compreensão global é coisa que não lhes cabe e suas atitudes programadas são bem mais lucrativas, em outras palavras, a condição de alheamento e incompreensão são condições necessárias para a produção de mais-valia.

  Neste contexto, o desenho arquitetônico tem o objetivo de introduzir ligadura, comunicação entre as etapas fragmentadas. Tem o papel de comandar o trabalho parcelado, tornando-se uma forma particular de despotismo (capitalista).

  Torna-se o molde determinante do trabalho idiotilizado, pois tem por finalidade recolher a grande massa de trabalho disperso na manufatura da construção de uma mercadoria: a obra.

  O desenho passa a propor a ligação do separado e impor sincretismo ao trabalho parcelado ao mesmo tempo em que reafirma a manutenção de equipes internamente hierarquizadas, concretizando-se como meio para manutenção e reafirmação de uma avançada divisão do trabalho, já que as possibilidades de mobilidade são quase nulas.

  Dentre tantas consequências, têm-se:  maio exigência na quantidade de esforços aplicados, manutenção das tradicionais divisões dos ofícios, condensação de gestos e procedimentos do trabalho no indivíduo ( uma verdadeira negação à mobilidade do conhecimento), as equipes e o próprio operário passa a exercer funções limitadas e reduzidas, tornando-se servo do seu ramo produtivo que sempre o ameaça com o desemprego e o submete a um ritmo de trabalho análogo a servidão, onde as tensões eram permanentes.

  Outro aspecto interessante de se notar no canteiro de obras é o ilhamento dos vários passos que o compõe. Isso acaba gerando deformações nos trabalhos executados por outras equipes. Um  exemplo são os colocadores de portas que deterioram o revestimento.

  No canteiro, cada etapa deve ser realizada de uma só vez e necessita de outra anterior acabada. A simultaneidade, a polivalência, o diálogo e a troca de ensinamentos entre as equipes não ocorrem, mas muito pelo contrário: faz-se intervir uma equipe antes que outra tenha esgotado seu tempo de serviço previsto, assim a segunda também passa a ser pressionada pela primeira.

  A grande vantagem neste jogo sujo surte em dose dupla: ocorre redução do tempo e criação de hostilidade entre as equipes, mostrando mais uma vez o princípio da manufatura que consiste em isolar os processos particulares a fim de que a manutenção da divisão do trabalho se concretize.

  É interessante ressaltar também a enorme exploração do trabalho que se expressa em  salários baixos e na quantidade de trabalho e número de acidentes elevados.

  Não se pode deixar de perceber que a maioria dos trabalhadores do canteiro pertence justamente a uma classe intermediaria, “a ralé”, (como se refere Jessé Souza na sua obra “A ralé brasileira - quem é e como vive”) que está associada a outros problemas como a segurança pública, o trabalho informal, o racismo e o preconceito regional.

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