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ADPF 54 - A suspensão terapêutica da gravidez de feto anencéfalo

Por:   •  15/6/2015  •  Resenha  •  3.958 Palavras (16 Páginas)  •  201 Visualizações

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  1. INTRODUÇÃO

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54 veio a assegurar, no Brasil, a suspensão terapêutica da gravidez de feto anencéfalo. A ação proposta pelo Ministro Marco Aurélio Mello, alvitrada no ano de 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), foi ajuizada somente oito anos posteriormente, em uma votação com a participação dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal em meio aos dias 11 e 12 de abril do ano de 2012 e aprovada com placar de oito votos a favor, e dois votos contra.

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) não descriminaliza o aborto, assim como não cria nenhuma restrição a ação criminosa prognosticada no Código Penal Brasileiro, a ADPF 54 resolveu, entretanto, que não pode ser considerado como aborto a continuidade terapêutica coligida da gravidez de um feto anencéfalo. A decisão do STF modifica, ou coloca em oficial, a interpretação que a Justiça precisa ter acerca de tais casos. Anteriormente a sua aprovação, o Estado não possuía uma interpretação definida acerca do assunto, fazendo com que a decisão final ficasse a cargo de cada Juiz. Na grande parte das vezes, a prática era aceita, entretanto, ficaram populares casos em que a paciente teve de concluir a gestação de um natimorto sem ter direito a abortar ou em que a sentença foi dada em um estágio bastante avançado da gravidez. A ADPF 54 é avaliada por alguns juristas como uma lei de ampla importância para a maneira como o debate acerca do aborto é tratado no país.

Em meio ao período de votação, o projeto ganhou uma extensa cobertura midiática, sendo evidência em jornais impressos, pela televisão e rádio. Também teve amplo espaço na Internet, sendo um dos assuntos mais comentados entre os brasileiros. Provocou protestos e críticas por parte, especialmente, de grupos religiosos, entre eles católicos, espíritas e evangélicos, que condenaram a decisão do STF e defenderam a sua opinião de que, mesmo sem cérebro, a vida do feto precisa ser protegida.

  1. DESENVOLVIMENTO

O direito brasileiro segue a tese de que a vida, para fins legais, principia com o funcionamento do aparelho cardiorrespiratório. Assim, se existir o nascimento e a concludente respiração, existirá vida, ocasião em que o indivíduo contrai personalidade jurídica. Mesmo antes desta ocasião, já são assegurados direitos ao nascituro, desde a concepção. Certamente, hoje em dia, existem vários direitos amplamente extensíveis à vida ainda em concepção intrauterina. Pode-se mencionar alguns principais, vigorantes no ordenamento pátrio, respaldados também na contemporânea doutrina e jurisprudência: (i) o nascituro é titular do direito à vida; (ii) o nascituro é titular do direito à assistência pré-natal; (iii) o nascituro possui direitos da personalidade, como a honra e a imagem, dentre outros direitos personalíssimos; (iv) o nascituro pode ganhar doação e ser beneficiado por herança; (v) o nascituro possui direito à concretização do exame de DNA para efeito de aferição de paternidade; (vi) o nascituro possui direito de receber alimentos ainda em gestação; (vii) o nascituro possui direito a danos morais e indenização.

A vida ainda em formação intrauterina, assim sendo, já importa em circunspectíssimas repercussões legais, com direitos abrigados desde a concepção, que não podem ser desapoiados. A autoridade da teoria condicionalista, embora o Código Civil de 2002 abranger a teoria natalista, tem dilatado o rol dos direitos do nascituro, no qual se compreende o feto anencéfalo. Não se trata de direito de viver para morrer, trata-se do direito de viver enquanto for presumível e, como tal, gozar dos direitos de que faz jus.

De tal modo, ocasional decisão tomada pela mãe não se implanta, de maneira característica, no seu foro íntimo, porém, atinge a vida de outrem, qual seja, o seu filho e, ainda, de maneira reflexa, a vida do pai, que também é genitor. Nada obstante, quanto a este ponto, o voto da Exma. Min. Cármem Lúcia, nos autos da ADPF nº. 54, advertiu que o pai também sofre drasticamente e necessita ser considerado na sua dignidade, bem como toda a família. Por este motivo, a ministra ressaltou que quando se fala em dignidade, todos estão intrincados: a mãe, o pai e os irmãos mais velhos, os quais possuem perspectivas no nascimento do bebê.

Em se tratando de ordem apanhada ainda em sede de liminar na ADPF nº 54, o Exmo. Min. Eros Grau, então ministro do STF, evocando a doutrina de Pontes de Miranda, assim já ponderava: “O feto não é coisa. Na intermitência entre a concepção e o nascimento, os direitos que se compuseram têm sujeito, somente não se sabe qual seja."

De tal modo, no momento em que o feto advém a ser objeto do poder de disposição alheia, a sua vida advém a ser coisa (res), pois somente coisa, no campo jurídico, é objeto de disponibilidade jurídica dos indivíduos. Ao contratempo, o feto, apesar de ainda não ter uma personalidade jurídica, é sujeito de direito, desde a concepção. Todavia, não se trata de negar os direitos reprodutivos da mãe, porém, tão exclusivamente de reconhecer que estes direitos localizam estrema intransponível na vida do filho. Em outros termos, os direitos reprodutivos da mulher não são irrestritos, como nenhum outro o é, portanto, nele não se implanta a probabilidade de dispor da vida do nascituro. Pensar o oposto seria o mesmo que "coisificar" o feto, isto é, torná-lo coisa, pertença, objeto de disposição da mãe, algo que se sabe ser impraticável pelo próprio ordenamento pátrio, ante o acrescentamento dos direitos do nascituro desde a ocasião da concepção, o que completa por compreender, até mesmo, os fetos anencéfalos.

Um dos argumentos mais ressonadores na decisão da Corte Suprema nos autos da ADPF n° 54, ajuizava que a gravidez se propõe à vida, e não à morte, eis que dar à luz é dar a vida. Assim, semelha um tanto poética a construção, esquecendo-se que, em termos objetivos, o feto ainda não morreu, prontamente, existe vida, mesmo que não inteiramente formada. Portanto, a quem é dado resolver sobre a hora da morte do outro? O direito à vida seria manejável, objeto de disponibilidade? A mãe poderia realizá-lo em relação ao filho? Pensa-se que não. A nenhum indivíduo foi atribuído o poder de decidir a morte de outrem, ainda que este esteja em ambiente intrauterino.

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