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Análise do texto Notas sobre a história jurídico-social de Pasárgada

Por:   •  15/3/2016  •  Resenha  •  1.423 Palavras (6 Páginas)  •  2.087 Visualizações

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Análise do texto “Notas sobre a História Jurídico-Social de Pasárgada”

        O texto “Notas sobre a História Jurídico-Social de Pasárgada” apresenta um breve resumo sobre um aspecto específico da pesquisa de doutorado do professor Boaventura de Souza Santos, a saber, o momento inicial de formação da comunidade carioca chamada de Pasárgada e o momento imediatamente posterior ao seu início onde começaram a ser configuradas as noções, nos seus integrantes, de que viviam numa situação de pluralidade, e mesmo dualidade, jurídica em relação ao resto do país (ainda que não conceitual e formalmente desta maneira).

        Pluralismo jurídico, segundo o autor (2011), é a situação na qual, no mesmo espaço geopolítico, vigoram, de modo oficial ou não oficial, mais de uma ordem jurídica ao mesmo tempo, e tem uma fundamentação econômica, rácica, profissional ou outra; pode se referir a um período de ruptura social ainda resultar da conformação específica do conflito de classes numa área determinada da reprodução social, no caso de Pasárgada, a habitação. Como diz Amarante (2012, pp. 16) é um “pluralismo, para o qual, o Direito não é restrito à lei posta pelo Estado”. Ou seja, existem leis próprias.

        No que diz respeito a favela de Pasárgada, detectou-se a vigência não oficial de um direito interno gerido pela própria associação de moradores e que se aplicava à resolução de conflitos (e mesmo na prevenção destes) decorrentes dos interesses por território e habitação. Tratava-se de um direito que coexistia paralelamente ao direito oficial brasileiro numa espécie de dualidade jurídica. No texto, Souza Santos se detém no momento inicial, década de 1930 e 1940, em que se iniciou a ocupação e formação de Pasárgada, baseando-se em entrevistas de moradores.

        No início de Pasárgada, não existiam muitos conflitos por terra, pois havia muita terra disponível, de modo que cada um delimitava seu espaço como queria, montando seu barraco e geralmente também um espaço extra para plantação e criação de animais domésticos. À medida que o povoado cresceu e a qualidade das habitações melhorou significativamente, o que se fez muito rapidamente, já em meados de 1940, começaram a ser frequentes os conflitos desta natureza, acarretando situações de violência.

        O que acontecia era que inexistiam mecanismos de mediação e controle, tanto pela indisponibilidade ou inacessibilidade dos mecanismos de ordenação e controle social oficiais do sistema jurídico do Brasil (especificamente a polícia e os tribunais), como pela inexistência de mecanismos alternativos de origem comunitária mesmo que pudessem agir com função semelhante. No que diz respeito ao primeiro, a comunidade de Pasárgada nunca chegou a gozar do acesso a tais. Souza Santos explica, com uma frase emblemática de toda a situação, que “Desde os primórdios da ocupação do morro, a comunidade "entendeu" que estava numa contínua luta com a polícia.” (pp. 5).

        Chamar a polícia, o autor nos fala sobre o relato dos participantes, aumentaria a visibilidade de Pasárgada como comunidade ilegal e geraria ocasiões para remoção dos moradores. De outro modo, quem a chamasse, seria considerado traidor e poria em risco sua permanência na comunidade, quiçá a aniquilaria. Já advogados e juízes são igualmente inacessíveis porque tanto são extremamente dispendiosos e aquém do que podem pagar os moradores, quanto porque respondem a uma ordem classista que não tem interesse em se envolver com tais problemas, porque eram ilegais. “Uma terceira razão invocada pelos moradores de Pasárgada para não recorrerem aos tribunais reside no fato de saberem desde o início que a comunidade era ilegal à luz do direito oficial” (pp. 7).

        Ser ilegal é uma expressão que se refere tanto à organização territorial quanto à condição humana daqueles indivíduos, que nunca estiveram incluídos em nada, “como se a legalidade da posse da terra se repercutisse sobre todas as outras relações sociais, mesmo sobre aquelas que nada têm a ver com a terra ou com a habitação” (pp. 8).

À toda essa indisponibilidade estrutural dos mecanismos oficiais de ordenação e controle social e a abstenção de mecanismos também não oficiais comunitários criaram uma situação que o autor chamou de “privatização possessiva do direito”: “O conflito é entre dois poderes soberanos entre os quais nenhum poder mediador pode interceder (...) Cria-se, assim, uma situação de suspensão jurídica, ou melhor, de juridicidade cuja superação tende a ser determinada pela violência” (pp. 11,  12).

Chama atenção, sempre, a forma como vemos as classes dominantes desconhecerem de história do Brasil ou a resistência em aceitar que os problemas têm uma única raiz que nunca foi consertada. A existência da favela é responsabilidade total do poder público em nosso país, mas este, incluindo aqui a esfera jurídica, insiste em fingir que não é e ignora a questão. Quando da libertação dos escravos, há não muito mais que apenas cem anos, nenhuma assistência pelo Estado foi dada, ficando eles jogados a própria sorte e se aglomerando, como sempre, à margem, nos cortiços. Com a destruição dos cortiços para embelezar o país, sua população mudou-se para os morros, junto aos ex-soldados da guerra de Canudos também já marginalizados, e começaram a crescer as grandes favelas. A ilegalidade sempre foi o lugar a eles dado. São anos de história de políticas de remoção vergonhosas e zero assistência para, no fim das contas, fingir tranquilamente que este não é um problema do Estado e que, portanto, devem se virar e ter o que merecem.

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