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O CAPITALISMO COMO UMA MÁQUINA DE PROGRESSO

Por:   •  12/4/2018  •  Artigo  •  16.331 Palavras (66 Páginas)  •  171 Visualizações

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CAPITALISMO COMO UMA MÁQUINA DE PROGRESSO[1]*

Richard R. Nelson[2]**

Os economistas, de Marx a Schumpeter, têm opinado que o capitalismo é uma máquina de progresso técnico. Mas que tipo de máquina ele é? Como funciona? Quais suas forças e fraquezas? Este ensaio arrisca algumas respostas a estas questões[3]. A seção 1 é uma ampla avaliação teórica que começa com a análise seminal de Joseph Schumpeter do avanço técnico como um processo evolucionista, mas o discute e então diverge dele em aspectos importantes. Em particular, o artigo desenvolve o argumento de que as relações entre ciência, tecnologia e as estruturas institucionais que sustentam o avanço científico e técnico são muito mais complexas do que Schumpeter e os estudiosos que seguem sua tradição percebem. A seção 2 é o núcleo do ensaio. Ela está baseada numa série de pesquisas acadêmicas recentes e descreve as diferentes partes da moderna máquina capitalista, o que estas partes fazem e como elas estão interligadas. Baseada na discussão anterior, a seção 3 desenvolve uma visão particular do debate atual sobre o fortalecimento dos mecanismos que facilitam o planejamento e a coordenação de P&D.

1. Os pontos fortes e fracos do modelo schumpeteriano

Praticamente todas as noções genéricas contemporâneas sobre a máquina capitalista são baseadas em Capitalismo, Sociealismo e Democracia, de Joseph Schumpeter (1942). Nele, as firmas em busca do lucro são os atores principais. O contexto no qual elas operam é configurado, de um lado, pelas leis e a ética do capitalismo, que permitem a estas firmas deterem privadamente, pelo menos por um tempo, a nova tecnologia que elas criam; de outro lado, pelo conhecimento científico público. Este último empresta o seu poder de “resolução de problemas” à P&D industrial. O primeiro elemento do contexto permite que as firmas lucrem quando sua P&D cria alguma coisa que o mercado valoriza. De fato, dado que seus rivais são induzidos, neste contexto, a investirem em P&D, a firma não tem outra escolha, exceto fazer o mesmo. O resultado é um investimento empresarial em P&D de magnitude signigicativa, gerando um abundante fluxo de novos produtos e processos. São deixadas ao mercado as tarefas ex post de seleção das inovações oferecidas pelas diversas firmas e de seleção das próprias firmas.

Dado o grande impacto que Schumpeter tem na análise subseqüente, é importante notar que o capítulo 7, no qual o quadro básico de referência é apresentado, tem apenas seis páginas. Embora Schumpeter tenha discutido o avanço técnico em outras partes de seu livro e em outros escritos, seu tratamento como um todo é, ainda assim, o de apresentar traços gerais. É importante notar também que Capitalismo, Socialismo e Democracia foi escrito há cerca de 50 anos atrás. Naquele tempo, a pesquisa acadêmica sobre mudança técnica ainda não era sólida. Hoje, ao contrário, existe muita pesquisa nesta área[4]. Assim, agora é possível avaliar o modelo de Schumpeter à luz de evidências empíricas, dar substância à “magra” estrutura essencial e emendar ou modificar quando necessário, de modo a captar analiticamente o sistema essencial, como era em seu tempo e como é agora.

O modo como coloquei a questão sugere que, à luz do que é agora conhecido, ainda vejo Schumpeter como um ponto de partida analiticamente útil; e é verdade. Em particular, acredito em sua insistência de que o modelo que ele descreveu configura o avanço técnico como um processo evolucionista, e esta é exatamente a premissa fundamental correta. Entretanto, Schumpeter nunca desenvolveu realmente este ponto, ao passo que a pesquisa acadêmica moderna sugere muitos desenvolvimentos úteis.

Da mesma forma, muitos dos detalhes da moderna máquina capitalista, revelados pela pesquisa acadêmica recente, não são nem ao menos indicados no quadro esboçado por Schumpeter. Em particular, nem no modelo de Schumpeter, nem nos modelos modernos com o mesmo nível de abstração, são incorporadas as interações complexas entre ciência e tecnologia, nem a variedade de instituições envolvidas em seu avanço, que já existiam no tempo em que Schumpeter estava escrevendo. E, claro, Schumpeter não poderia prever as mudanças na natureza das tecnologias e no horizonte institucional que ocorreram desde aquele tempo. As duas questões precisam de elaboração. Esta é a tarefa proposta no restante da seção 1.

1.1. Avanço técnico como um processo evolucionista cultural

Schumpeter disse enfaticamente: “O ponto essencial a compreender é que ao tratar do capitalismo estamos tratando de um processo evolucionista”. A pesquisa empírica sobre como exatamente o avanço técnico ocorre sustenta amplamente esta proposição. O avanço técnico inevitavelmente ocorre pela geração de uma variedade de novos pontos de partida, em concorrência uns com os outros e com as práticas estabelecidas. Os ganhadores e perdedores são definidos no que é, realmente, um torneio. Muitos dos que trabalham com modelos hoje em dia ignoram isso, tratando o avanço técnico como se ele se seguisse de um cálculo ex ante muito mais acurado e como um acordo entre os participantes do torneio, mais do que é o caso. Sidney Winter e eu (1982) discutimos que tais modelos não apenas supersimplificam, mas fazem afirmações fundamentalmente errôneas sobre como o avanço técnico ocorre no capitalismo, que é mediante um processo evolucionista no sentido acima.

Os processos evolutivos têm demonstrando um notável poder de aumentar as capacitações das espécies, ou a tecnologia, e assim criar novas espécies e tecnologias eficientes. Entretanto, os processos evolucionistas são inerentemente perdulários, e o avanço técnico nas economias capitalistas não é exceção. Há perdas causadas por comissão e por omissão. Olhando para trás, pode-se ver uma confusão de esforços inventivos redundantes que nunca teriam sido realizados se houvesse um monitoramento geral. Por outro lado, as economias de escala e de escopo que poderiam ter sido alcançadas pela coordenação da P&D tenderam a se perder e certos tipos de P&D que têm elevado valor social esperado não puderam ser feitos porque firmas individuais não os viram como uma atividade lucrativa e ninguém estava monitorando o portfolio geral. E também, porque a tecnologia é em grande medida uma atividade privada, pode-se ver empresas operando ineficientemente, ou mesmo fracassando, porque desejam ter acesso à melhor tecnologia. Tais firmas podem ser induzidas a um tipo de reação que consiste basicamente em reinventar o que já foi inventado.

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