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Linguagem, poder e discriminação

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Por:   •  11/9/2014  •  Projeto de pesquisa  •  1.390 Palavras (6 Páginas)  •  979 Visualizações

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Linguagem, poder e discriminação

Maurizio Gnerre

Introdução

A linguagem não é usada somente para veicular informações, isto é, a função referencial denotativa da linguagem não é senão uma entre outras; entre estas ocupa uma posição central a função de comunicar ao ouvinte a posição que o falante ocupa de fato ou acha que ocupa na sociedade em que vive. As pessoas falam para serem "ouvidas", às vezes para serem respeitadas e também para exercer uma inluência no ambiente em que realizam os atos lingüísticos. O poder da palavra é o poder de mobilizar a autoridade acumulada pelo falante e concentrá-la num ato lingüístico (Bourdieu, 1977). Os casos mais evidentes em relação a tal afirmação são também os mais extremos: discurso político, sermão na igreja, aula, etc. As produções lingüísticas deste tipo, e também de outros tipos, adquirem valor se realizadas no contexto social e cultural apropriado. As regras que governam a produção apropriada dos atos de linguagem levam em conta as relações sociais entre o falante e o ouvinte. Todo ser humano tem que agir verbalmente de acordo com tais regras, isto é, tem que "saber": a) quando pode falar e quando não pode, b) que tipo de conteúdos referenciais lhe são consentidos, c) que tipo de variedade lingüística é oportuno que seja usada. Tudo isto em relação ao contexto lingüístico e extralingüístico em que o ato verbal é produzido. A presença de tais regras é relevante não só para o falante, mas também para o ouvinte, que, com base em tais regras, pode ter alguma expectativa em relação à produção lingüística do falante. Esta capacidade de previsão é devida ao fato de que nem todos os integrantes de uma sociedade têm acesso a todas as variedades e muito menos a todos os conteúdos referenciais. Somente uma parte dos integrantes das sociedades complexas, por exemplo, tem acesso a uma variedade "culta" ou "padrão", considerada geralmente "a língua", e associada tipicamente a conteúdos de prestígio. A língua padrão é um sistema comunicativo ao alcance de uma parte reduzida dos integrantes de uma comunidade; é um sistema associado a um patrimônio cultural apresentado como um "corpus" definido de valores, fixados na tradição escrita.

Uma variedade lingüística "vale" o que "valem" na sociedade os seus falantes, isto é, vale como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas relações econômicas e sociais. Esta afirmação é válida, evidentemente, em termos "internos", quando confrontamos variedades de uma mesma língua, e em termos "externos" pelo prestígio das línguas no plano internacional. Houve época que o francês ocupava a posição mais alta na escala de valores internacionais das línguas, depois foi a vez da ascenção do inglês. O passo fundamental na afirmação de uma variedade sobre as outras é sua associação à escrita e, conseqüentemente, sua transformação em uma variedade usada na transmissão de informações de ordem política e "cultural". A diferenciação política é um elemento fundamental para favorecer a diferenciação lingüística. As línguas européias começaram a ser associadas à escrita dentro de restritos ambientes de poder: nas cortes de príncipes, bispos, reis e imperadores. O uso jurídico das variedades lingüísticas foi também determinante para fixar uma forma escrita. Assim foi que o falar de Île-de-France passou a ser a língua francesa, a variedade usada pela nobreza da Saxônia passou a ser a língua alemã, etc.

O caso da história do galego-português é significativo neste sentido. Os caracteres mais específicos do português foram acentuados talvez já no século XII. Esta tendência a reconhecer os caracteres mais específicos das línguas semelhantes pode ser acentuada, como foi no caso do português e do galego, quando a região de uso de uma das duas variedades lingüísticas constitui um centro poderoso, como foi a Galícia, desde o século XI. A língua literária chamada galego-português que se difundiu na Península Ibérica a partir do século XII era a expressão, no plano lingüístico, do prestígio de Santiago de Compostela.

A associação entre uma determinada variedade lingüística e a escrita é o resultado histórico indireto de oposições entre grupos sociais que eram e são "usuários" (não necessariamente falantes nativos) das diferentes variedades. Com a emergência política e econômica de grupos de uma determinada região, a variedade por eles usada chega mais ou menos rapidamente a ser associada de modo estável com a escrita. Associar a uma variedade lingüística da modalidade oral à comunicação escrita implica iniciar um processo de reflexão sobre tal variedade e um processo de "elaboração" da mesma. Escrever nunca foi e nunca vai ser a mesma coisa que falar: é uma operação que influi necessariamente nas formas escolhidas e nos conteúdos referenciais. Nas nações da Europa ocidental, a fixação de uma variedade na escrita precedeu de alguns séculos a associação de tal variedade com a tradição gramatical greco-latina. Tal associação foi um passo fundamental no processo de "legitimação" de uma norma. O conceito de "legitimação" é fundamental pra se entender a instituição das normas lingüísticas. A legitimação é o "processo de dar 'idoneidade' ou 'dignidade' a uma ordem de natureza política, para que seja reconhecida e aceita"

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