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O Falar Do Nordeste Goiano

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Por:   •  23/10/2014  •  10.918 Palavras (44 Páginas)  •  354 Visualizações

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“Dizem que na cidade as pessoas conhecem quem é da roça pelo andado e pelo seu jeito...E quando agente abre a boca pra falar, então o que eles devem pensar!..”.

O FALAR DO NORDESTE GOIANO:

Marcas de Resistência Sociocultural

Autoria: Rosa Maria Batista

I – Introdução

Foi a partir das muitas e constantes viagens para várias fazendas do nordeste goiano, principalmente para o vale do Paranã, região que é cortada pelo rio Paranã, considerado como uma grande veia de água e vida para aquela região, que me levou a fazer uma pesquisa sociolingüística nessa região rural, cujo ambiente já conhecia há algum tempo.

A presente pesquisa pretendeu, assim, com base nos pressupostos sociolingüísticos interacionais, traçar o perfil sociocultural de algumas comunidades do nordeste goiano, a partir da focalização das identidades sociais e culturais, consideradas e descritas como um sistema global, enfatizando os padrões lingüístico-discursivos como evidência de aquisição de normas culturais compartilhadas.

A pesquisa inseriu-se em uma proposta de aplicação dos estudos sociolingüísticos interacionais, procurando traçar o perfil sociolingüístico dos moradores dessa região, por meio de uma descrição etnográfica, documentando e analisando os costumes, tradições, crenças , valores e identificando a rede de relações sociais (cf.Milroy,1980), que modela os comportamentos interacionais nos diversos domínios onde ocorrem, como a família, o círculo de amizades e os interesses da comunidade e a partir destas análises, verificou-se a contribuição lingüístico-discursiva no que se refere à formação do léxico no Brasil, salientando vocábulos que ainda fazem parte do repertório do grupo, mas que já caíram em desuso na variação urbana da língua portuguesa no Brasil, mostrando que, ao invés de serem tratados como desvios da norma urbana culta, deveriam ser vistos como marcas de tradição, de fortalecimento do discurso do grupo e de resistência à cultura urbana.

Procurou-se fazer um levantamento diacrônico e sincrônico da atividade de fala dos atuais e antigos moradores da região. Como eles se situam perante a sociedade urbana e o tão valorizado “imponente” português padrão. Fazendo assim uma comparação do rio como divisor de terras, em uma das margens está o grande latifundiário com sua variante sertaneja ou caipira, mas que não é explorado e ridicularizado por possuir um grande poder financeiro e status social. Na outra, encontra-se uma comunidade extremamente ligada às tradições do sertão goiano e ao trabalho com a terra. Vivendo em suas pequenas propriedades, trabalhando com a monocultura, alegrando-se com festas típicas, e convivendo com o complexo de inferioridade por falar um português que destoa do português padrão. O nordeste goiano se torna, assim, um lugar de grande diversidade lingüística a ser explorada e estudada. Com um grande número de imigrantes de vários estado, a região foi, também, o dormitório dos antigos tropeiros que vieram de Minas e São Paulo carregando consigo os costumes e sua variante lingüística. Ali muitos se instalaram, e constituíram suas famílias nos municípios de Formosa, São João da Aliança, Cabeceira de Goiás, Posse, Flores de Goiás e outras mais.

A presença do negro na região é muito marcante e creio que também tenha grande contribuição para a formação do falar sertanejo, pois são muitos que atualmente vivem como peões na lida com o gado, mulheres negras que ainda permanecem, grande parte de suas vidas, vivendo em volta do fogão de lenha de inúmeras fazendas para servir famílias que como dizem na cidade, são tradicionais e destacam-se por sua posição política e financeira. Muitos moradores são negros pertencentes a comunidades que foram antigos quilombos, como é o caso dos povoados de Santa Rosa, pertencente ao município de Formosa-GO, e de Flores de Goiás e mais ao norte encontramos uma comunidade de resistência negra chamada comunidade Kalunga, situada em um lugar de difícil acesso e que por longos anos permaneceu isolada em suas terras, mantendo seus costumes e falares em um campo ainda pouco explorado pela sociolingüística.

Dessa forma, a pesquisa visou a construção de conhecimentos que levassem a uma maior compreensão da identidade lingüística e sociocultural do nordeste goiano, e a partir da análise destes perfis, resgatar um vocabulário que já fez parte da formação lingüístico-cultural do povo brasileiro.

Esse trabalho, desenvolvido no campo da sociolingüística e fundamentado na análise sociointeracional, buscou explorar toda essa diversidade que para muitos faz parte de uma cultura marginalizada que foge do referencial de tradição, e bom gosto, se assim tomarmos como base o que foi feito de melhor pelos cânones da literatura brasileira, detentores do falar bem e correto. Sendo assim, o verdadeiro caipira é rotulado como ignorante e não sendo visto como um grupo que vive em uma realidade de exploração. Foram poucos os estudiosos que se interessaram em se embrenhar nesse mundo sociolingüístico que é real e que sempre teve presente na formação de todos os brasileiros, repercutindo na evolução do português falado no Brasil.

Essa pesquisa lingüística também tem como objetivo registrar esse português caipira, com base na comunicação interdialetal, estudo realizado por Bortone (1996), e traços de língua antiga, conservados nas trilhas das bandeiras que é um outro estudo feito por Heitor Megale/ Sílvio de Almeida Toledo Neto (1985).

Ao se trabalhar no registro do falar sertanejo dessa região, não se pôde deixar de lado os famosos discursos (causos) que tomam conta desse meio e que sempre foram repassados por gerações, impregnado de vocábulos típicos que narram não só os momentos e as dificuldades dos primeiros moradores que aqui chegaram, como as festas religiosas, as comidas típicas, a exploração, a opressão e luta de um grupo que por sua simplicidade e ligação à terra foi e é tão discriminado por “arranhar os tímpanos” de quem diz dominar um português “correto” e ser a “pedra na bota” do grande latifundiário em questões agrárias. Registrar os causos será uma forma de registrar, com riqueza, a língua e suas variações baseadas nos aspectos socioculturais do grupo, por meio da análise etnográfica desses discursos. Reconhecer o dialeto caipira é tirar o foco que está direcionado apenas para a elite conservadora que acredita ser a merecedora das bajulações e do mérito de única detentora da tradição do bem falar e isso pode incomodá-los,

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