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A Pele Em Que Habito

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Por:   •  21/10/2014  •  3.656 Palavras (15 Páginas)  •  412 Visualizações

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BLOG DA REVISTA ESPAÇO ACADÊMICO

Revista Espaço Acadêmico, ISSN 1519-6186 – ANO XIV, Mensal. Conselho Editorial: Ana Patrícia Pires Nalesso, Angelo Priori, Antonio Mendes da Silva Filho, Antonio Ozaí da Silva, Eva Paulino Bueno, Henrique Rattner (in memoriam), João dos Santos Filho, Luiz Alberto Vianna Moniz Bandeira, Raymundo de Lima, Renato Nunes Bittencourt, Ricardo Albuquerque, Rosângela Rosa Praxedes e Walter Praxedes. Editor: Antonio Ozaí da Silva

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“A pele que habito” e a dupla subversão de gênero

27/03/2013 ENSAIOS SOBRE CINEMApedro almodóvar

ALEXANDER MARTINS VIANNA*

IMAGEM 01

O filme “A pele que habito”, de Pedro Almodóvar, rompe deliberadamente com expectativas de gêneros ao explorar o tema da construção sociocultural dos papéis masculino e feminino por meio da situação-limite da transexualidade forçada, que se origina de uma trama de vingança – em si mesma equivocada enquanto trama de vingança – de um pai/cientista que, tropologicamente, sobrepõe Pigmaleão e Frankenstein em sua caracterização dramática.

O filme se mantém numa zona liminar ao sobrepor uma trama de ficção científica – em chave biotecnológica – ao tema da transexualidade. Os dois gêneros (literário e sexual) não se realizam de fato, embora o roteiro tenha sido engenhosamente concebido para criar tal expectativa ao não seguir uma linearidade cronológica. Somente ao final percebemos que Vicente/Vera (transexualidade forçada) não realiza o que seria previsível no gênero de ficção científica de chave biotecnológica: o mutante não assume efetivamente as pressupostas características psicológicas do novo ‘corpo’ (em si mesmo, uma ilusão montada por meio da castração cirúrgico-psicológica e de ‘pele de porco’), ou o assume estrategicamente, conforme uma expectativa estereotipada de papéis sexuais, como meio de sobreviver frente ao mundo de confinamento criado pelo cientista Robert e que provoca a sua vulnerabilidade momentânea, suportável porque aceita o ópio que Robert lhe oferece “para esquecer”.

No entanto, engenhosamente, as tópicas de Pigmaleão e Frankenstein se sobrepõem para, ao final, o drama de Frankenstein predominar: Robert se apaixona por Vera/Vicente (obra de arte/científica), mas é assassinado por Vicente/Vera (glória científica pretendida, mas não alcançada) que, valendo-se da técnica de Yoga durante o confinamento (aliás, o próprio confinamento preparatório de sua suposta nova identidade é análogo ao tipo de confinamento para aprendizado vivido pelo monstro de Victor Frankenstein), aprendeu a se refugiar em seu interior para não ser, de fato, tocado/penetrado por Robert. Portanto, a tópica de Pigmaleão é ilusória, havendo uma subversão das expectativas dos gêneros literário e sexual: a potência biotecnológica não transforma Vicente em Vera, pois Vicente apenas habita o corpo que lhe foi imposto pela mistura, em Robert, (1) de vingança pessoal pelo suicídio da filha, (2) de glória científica e (3) de obsessão com a esposa adúltera suicida.

A trama principal pode ser resumida da seguinte forma:

1- O cientista Robert vive o luto da esposa e da morte da filha. Ambas se suicidaram jogando-se de janelas, mas por motivações distintas. A esposa adúltera havia sofrido um acidente de automóvel, que a carbonizou, quando tentava fugir de Robert ao se apaixonar por Zeca. Zeca e Robert eram irmãos, mas não sabiam disso, filhos da governanta de El Cigarral. A esposa de Robert sobrevive ao acidente, pois ele fica obcecado com a ideia de “devolver-lhe a vida” por meio de suas práticas científicas. Ela é reconstruída num ambiente privado de luz e beleza primaveris, tal como o monstro de Victor Frankenstein. Assim, ela sobrevive ao acidente, mas fica gravemente deformada. Numa manhã, ao ouvir a sua filha Norma cantando no quintal, aproxima-se da janela. Até então havia sido retirado da casa tudo que pudesse refletir imagem. No entanto, ao se aproximar da janela, viu sua imagem no vidro, ficou tomada pelo horror e se jogou da janela, morrendo perante a filha que, traumatizada, ficou por seis anos aos cuidados de uma clínica psiquiátrica.

2- Os médicos de Norma convencem Robert, seis anos depois, a tentar uma ressocialização da filha, assistida por muitos remédios. Então, Norma e Robert vão a uma festa de casamento, onde ela encontra Vicente, que se drogava. Robert se descuida de Norma, que vai para o jardim com Vicente. Norma está trajada num rosa pueril, que se estende da sandália ao casaco de crochê. Tudo isso sinaliza que ela ainda está retida numa redoma emocional infantil. Ambos têm uma conversa dissonante, pois Vicente pensa que Norma, tal como ele, estaria ‘alta’ devido ao uso de drogas por farra, não por razões clínica. Eles começam a se beijar e a excitação sexual os toma de forma diferente: Vicente quer o corpo daquela mulher e ensaia a penetração; ela não sabe o que quer, mas, no meio daquela excitação – uma novidade para uma menina emocional em corpo de mulher – sente a penetração e começa a gritar. Vicente não entende a reação, pois achava que havia consentimento. Drogado e exasperado pelos gritos de Norma, coloca a mão em sua boca para calá-la, mas não força o sexo. No entanto, institivamente, Norma o morde. Vicente reage, em reflexo, dando um tapa em seu rosto, que a deixa desacordada.

3- A situação entre Vicente e Norma é liminar, como várias outras ao longo do filme, mas esta se evidencia como uma cena que não foi de estupro: ao vê-la desacordada, Vicente não se aproveita da situação e, com delicada erotização, veste o corpo de Norma, o que evoca a cena na loja de sua mãe, quando veste um manequim de palha com equivalente erotização. Vicente ‘foge’ com sua moto e Robert chega. Ao encontrar a filha, esta acorda em surto psicótico e passa a associar a imagem do pai àquela do ‘estuprador’. Por conta disso, os próprios médicos de Norma aconselham Robert a não ver a filha no hospital com tanta frequência, o que é mais uma situação liminar, pois os médicos não estão completamente seguros da inocência de Robert em relação ao suposto ‘estupro’ da filha. Dias depois,

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