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As Migrações e Mobilidades

Por:   •  19/4/2023  •  Ensaio  •  2.299 Palavras (10 Páginas)  •  41 Visualizações

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE

GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL

JOÃO LUCAS SANTOS REGO

Trabalho   apresentado   como   requisito   para  obtenção de nota na disciplina “Tópicos Especiais em Antropologia II”, ministrada pela Profª. Drª Júlia Dias Escobar Brussi

SANTARÉM-PA

 2022

Resumo

Em Argonautas do Pacífico Ocidental, Bronisław Malinowski tem como objetivo central a descrição do kula, troca de objetos de valores (vaygu’a) com intervalo de tempo entre comunidades posicionadas. Uma descrição detalhada e cuidadosa que vai desde a preparação das embarcações, passando por rituais mágicos e distribuição de alimentos é feita. Esse excedente de informações não é menos verdadeiro quando se trata da sociologia dos trobriandeses. É sobre estas informações sociológicas que este trabalho se debruça. Uso, além de Argonautas, um trabalho mais recente sobre o kula (Kuehling, 2021) para completar informações etnográficas.

Sociologia Trobriandesa

 O estudo de Malinowski sobre o kula, publicado originalmente em 1922, é reconhecidamente uma das etnografias mais famosas, que ultrapassa a esfera antropológica. Conhecida sobretudo por lançar as bases metodológicas do trabalho de campo, trata de modo geral sobre a troca de objetos de valor, os chamados vaygu’a. Estes objetos são compostos por braceletes (mwali) e colares de concha (soulava), sendo que cada um deles possui um nome próprio e segue por uma rota circular definida[1]. Essas trocas se dão entre um conjunto de povos com características culturais semelhantes, ainda que não homogêneas, que habitam um sem-número de ilhas a leste da Papua-Nova Guiné, no sudoeste do Oceano Pacífico.

 O kula é descrito por Malinowski adotando a perspectiva dos habitantes das ilhas Trobriand, mais precisamente, daqueles que vivem nas aldeias da porção meridional, em Boyowa[2] e Vakuta. Essas aldeias, quando situadas no litoral, possuem uma morfologia “caótica”, enquanto as do interior das ilhas seguem um padrão “circular”. Ao redor destas últimas, formando o círculo externo, situam-se os “celeiros”, que servem para armazenar grandes quantidades de inhame. Pertencem a chefes e a pessoas de alta posição social, o que talvez justifique o motivo de as habitações deles estarem junto a esses armazéns. Mais ao centro, formando também um círculo, estão as habitações comuns, que, diferente dos celeiros, construídos sobre estacas, ficam diretamente sobre o chão. Em cada residência, vive uma família nuclear, ou seja, formada por marido, mulher e seus filhos pequenos que, ao se tornarem mais velhos, passam a morar em habitações grupais próprias aos solteiros (Malinowski: 1978, p. 52-53). Na praça central da aldeia, está localizado o baku, local onde ocorre os inúmeros festejos, as distribuições de alimentos e cerimônias rituais[3]. “Sociologicamente a aldeia é uma unidade importante nas ilhas Trobriand. Os chefes — até mesmo os de maior poder — exercem autoridade primariamente sobre a sua própria aldeia, e apenas secundariamente sobre o distrito” (Idem, p. 54).

 No interior das ilhas, à certa distância das aldeias, situam-se as roças. Elas e seus produtos, mais do que um meio para chegar à subsistência, estão imersos em uma teia de relações sociais. Como Malinowski nos mostra, seus produtos, a exemplo dos inhames, excedem as necessidades individuais. Eles devem antes ser distribuídos aos afins e à figura do chefe. No entanto, se levarmos em conta que o chefe é geralmente casado com muitas mulheres e que seus afins devem dar a ele porções de sua colheita, poder-se-ia conjecturar que essas distribuições se dão menos por seu caráter de chefe do que por seus múltiplos laços de parentesco[4]. Sobre as roças, ademais, há outro ponto que eu gostaria de chamar a atenção e que se conecta a outro, cuja centralidade parece permear a vida dos trobriandeses e dos seus vizinhos de outros distritos.

 Após a abertura e limpeza do roçado, que chega a atingir um quarto da ilha (Boyowa), planta-se, dentre outros, inhame, taro e cana-de-açúcar[5]. Figura importante nesse processo é o “mago agrícola”. Cabe a ele “consagrar” o espaço que será aberto para o cultivo e fazer os rituais necessários em todos estágios do cultivo. Cada aldeia possui seu próprio “sistema” ritual que é passado em linha materna (Idem, p. 55). Não se trata apenas dos rituais “agrícolas”, mas sim de todos rituais.

  Está plenamente formulado na mitologia que a magia sempre existiu junto à coisa a qual afeta. Por isso, não pode ser criada, apenas transmitida ao conhecimento humano. A magia está sempre relacionada ao seu subclã ou clã de origem mítico. Por exemplo, a magia kayga’u, usada pelos náufragos para se proteger das mulukwausi, era do conhecimento de  uma mulher do clã Lukwasisiga que a repassou a um de seus filhos, um cachorro, que tornou-se ele mesmo do clã Lukuba, levando consigo o conhecimento mágico[6] (Idem, p. 199-201). Toco aqui o que parece ser o cerne da sociologia trobriandesa.

 Os habitantes das ilhas Trobriand são matrilineares e estão divididos em quatros clãs totêmicos, cada qual com certo número de subclãs. Reivindica-se para esses últimos o status de uma grande família que remonta a uma ancestral mítica comum. Além disso, cada subclã se relaciona a um local geográfico determinado, o qual geralmente é associado à saída mítica do mundo subterrâneo. Explorando a noção de mwatui — o que se poderia traduzir, não sem perda semântica, como “domínio” —, Kuehling (2021) mostra como esses espaços estão associados às pessoas de determinados subclãs[7], o que os impede de moverem-se livremente entre diferentes mwatui. Deve-se antes ter a permissão de seus associados, sob pena de danos físicos aos invasores. Lembremos, portanto, das menções de Malinowski a seu trabalho entre os Mailu, que descreviam os habitantes do leste como potencialmente perigosos por sua feitiçaria e por serem canibais, mas para onde empreendiam viagens em busca de haveres.

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