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Constitucionalização Do Direito Civil

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Por:   •  5/3/2015  •  3.534 Palavras (15 Páginas)  •  180 Visualizações

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1. O APARENTE PARADOXO: A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL

Paulo Lôbo

O direito civil, ao longo de sua história no mundo romano-germânico, sempre foi identificado como o locus normativo privilegiado do indivíduo, enquanto tal. Nenhum ramo do direito era mais distante do direito constitucional do que ele. Em contraposição à constituição política, era cogitado como constituição do homem comum, máxime após o processo de codificação liberal.

Sua lenta elaboração vem perpassando a história do direito romano-germânico há mais de dois mil anos, parecendo infenso às mutações sociais, políticas e econômicas, às vezes cruentas, com que conviveu. Parecia que as relações jurídicas interpessoais, particularmente o direito das obrigações, não seriam afetadas pelas vicissitudes históricas, permanecendo válidos os princípios e regras imemoriais, pouco importando que tipo de constituição política fosse adotada.

Os estudos mais recentes dos civilistas têm demonstrado a falácia dessa visão estática, atemporal e desideologizada do direito civil. Não se trata, apenas, de estabelecer a necessária interlocução entre os variados saberes jurídicos, com ênfase entre o direito privado e o direito público, concebida como interdisciplinaridade interna. Pretende-se não apenas investigar a inserção do direito civil na Constituição jurídico-positiva, mas os fundamentos de sua validade jurídica, que dela devem ser extraídos.

Na atualidade, não se cuida de buscar a demarcação dos espaços distintos e até contrapostos. Antes havia a disjunção; hoje, a unidade hermenêutica, tendo a Constituição como ápice conformador da elaboração e aplicação da legislação civil. A mudança de atitude é substancial: deve o jurista interpretar o Código Civil segundo a Constituição e não a Constituição, segundo o Código, como ocorria com freqüência (e ainda ocorre).

A mudança de atitude também envolve uma certa dose de humildade epistemológica. O direito civil sempre forneceu as categorias, os conceitos e classificações que serviram para a consolidação dos vários ramos do direito público, inclusive o constitucional, em virtude de sua mais antiga evolução (o constitucionalismo e os direitos públicos são mais recentes, não alcançando um décimo do tempo histórico do direito civil). Agora, ladeia os demais na mesma sujeição aos valores, princípios e normas consagrados na Constituição. Daí a necessidade que sentem os civilistas do manejo das categorias fundamentais da Constituição. Sem elas, a interpretação do Código e das leis civis desvia-se de seu correto significado.

Diz-se, com certa dose de exagero, que o direito privado passou a ser o direito constitucional aplicado, pois nele se detecta o projeto de vida em comum que a Constituição impõe (1).

Pode afirmar-se que a constitucionalização é o processo de elevação ao plano constitucional dos princípios fundamentais do direito civil, que passam a condicionar a observância pelos cidadãos, e a aplicação pelos tribunais, da legislação infraconstitucional.

2. PUBLICIZAÇÃO E CONSTITUCIONALIZAÇÃO: UMA DISTINÇÃO NECESSÁRIA

Durante muito tempo, cogitou-se de publicização do direito civil, que para muitos teria o mesmo significado de constitucionalização. Todavia, são situações distintas. A denominada publicização compreende o processo de crescente intervenção estatal, especialmente no âmbito legislativo, característica do Estado Social do Século XX. Tem-se a redução do espaço de autonomia privada, para a garantia da tutela jurídica dos mais fracos. A ação intervencionista ou dirigista do legislador terminou por subtrair do Código Civil matérias inteiras, em alguns casos transformadas em ramos autônomos, como o direito do trabalho, o direito agrário, o direito das águas, o direito da habitação, o direito de locação de imóveis urbanos, o estatuto da criança e do adolescente, os direitos autorais, o direito do consumidor.

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Se se entende como publicização a submissão dessas matérias ao âmbito do direito público, então é incorreto tal enquadramento. O fato de haver mais ou menos normas cogentes não elimina a natureza originária da relação jurídica privada, vale dizer, da relação que se dá entre titulares de direitos formalmente iguais; não é este o campo próprio do direito público. É certo que o Estado social eliminou o critério de distinção tradicional, a saber, o interesse; o interesse público não é necessariamente o interesse social e os interesses públicos e privados podem estar embaralhados, tanto no que se considerava direito público, quanto no direito privado.

Muitos propugnam pela superação da velha dicotomia, que resiste à falta de outra mais convincente e mantém sua utilidade no plano didático. Os arautos de seu desaparecimento têm em mente o grau de intervenção do Estado (legislador ou juiz) em certas relações, para considerá-las publicizadas. No Estado social (welfare state) todos os temas sociais juridicamente relevantes foram constitucionalizados. O Estado social caracteriza-se exatamente por controlar e intervir em setores da vida privada, antes interditados à ação pública pelas constituições liberais. No Estado social, portanto, não é o grau de intervenção legislativa, ou de controle do espaço privado, que gera a natureza de direito público. O mais privado dos direitos, o direito civil, está inserido essencialmente na Constituição de 1988 (atividade negocial, família, sucessões, propriedade). Se fosse esse o critério, então inexistiria direito privado.

Independentemente do grau de intervenção estatal, se o exercício do direito se dá por particular em face de outro particular, ou quando o Estado se relaciona paritariamente com o particular sem se valer de seu império, então o direito é privado.

Em suma, para fazer sentido, a publicização deve ser entendida como o processo de intervenção legislativa infraconstitucional,

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