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O Senai E O Curso Profissionalizante

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Por:   •  28/1/2015  •  9.369 Palavras (38 Páginas)  •  400 Visualizações

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A LOUSA E O TORNO – O SENAI E A EDUCAÇÃO PROFISSIONALIZANTE

Meire Terezinha Müller

HISTEDBR – UNICAMP

UNIVERSIDADE SÃO MARCOS-PAULINIA

meire@smarcos.br

O ensino de ofícios e de atividades laborais é uma prática inerente aos agrupamentos humanos, transmitida de geração a geração, através da observação e do empirismo, desde as mais remotas eras. Entretanto, a existência de instituições escolares, no sentido moderno da expressão, específicas para o ensino profissionalizante, é muito mais recente. Este artigo pretende, de uma maneira bastante sintética, apresentar e discutir algumas iniciativas educacionais voltadas a essa modalidade de ensino.

Neste artigo, faremos uma retrospectiva histórica de algumas iniciativas voltadas à formação profissional no Brasil, focando, entretanto, nossa análise, na educação ofertada pelo SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial.

A formação profissional no Brasil, desde a atuação dos jesuítas, foi sempre entendida como uma modalidade reservada às classes populares, aos caboclos, portugueses pobres, escravos e índios, que deveriam ocupar-se do 'saber-fazer' e de quem dependeria a normalidade da vida cotidiana. Segundo Cunha (2005a), esse pensamento é uma característica da cultura ocidental, herança dos antigos gregos, que teriam inaugurado a crença de que a contemplação era própria dos sábios enquanto a ação era a função dos tolos.

[...] os cidadãos não devem exercer as artes mecânicas e nem as profissões mercantis, porque este gênero de vida tem qualquer coisa de vil, e é contrário à virtude. É preciso mesmo, para que sejam verdadeiramente cidadãos, que eles não se façam lavradores, porque o descanso lhes é necessário para fazer a virtude em sua alma. (Aristóteles, apud CUNHA, 2005a, p.9).

Assim, devido principalmente à escravidão, a representação social das atividades laborais braçais criou um preconceito tão acirrado na sociedade colonial brasileira - com resquícios que perduram até a atualidade - que mulatos, brancos pobres e escravos alforriados também se afastavam desse tipo de trabalho, numa tentativa de estabelecer a separação de papéis e por medo de serem confundidos com cativos. Ao libertar-se, ou ser liberto, o escravo tentava com afinco desvincular-se o mais possível da condição de trabalhador braçal, afastando-se dos ofícios manuais e, se possível, comprando escravos para executá-los e, assim, galgar outro status social (Cunha, 2005a). Como conseqüência dessa mentalidade, os ofícios manuais restavam àqueles que não tivessem opção: os pobres, os desvalidos, os órfãos, os criminosos e outros desafortunados. Quem podia escolher, enveredava pelos caminhos da educação intelectual ou do comércio.

Nos primeiros anos de nossa colonização, a educação e o acesso ao saber eram destinados a uma pequena minoria, representada pelas elites agrárias, existindo, em paralelo, enormes contingentes de analfabetos, advindos da visão excludente própria da sociedade escravista do período, a quem restava o trabalho indesejado. Maestri apud Castanho (2006) chama ao ‘adestramento’ dessa massa para atuar diretamente no trabalho servil de “pedagogia da escravidão”, qual seja, aquela em que a preparação para o desenvolvimento de determinadas funções se dá pelo medo, pela falta de opções, pela coação física e ameaças. O ensino se dava no próprio lar, nas fazendas, nos engenhos, nas oficinas ou nos colégios jesuítas, onde os religiosos, desde o início de sua atuação “se improvisavam em mestres de ofícios e ensinavam [...] ‘sem mais conhecimento do ofício’ como frisa o padre Fernão Cardim” (FONSECA, 1996, p.65).

Assim, a primeira concepção pedagógica presente no Brasil, conforme classificação de Saviani (2005) foi a “pedagogia brasílica” que oferecia, além do ensino do português, da doutrina cristã e do canto orfeônico – comum a todos - o aprendizado profissional e agrícola, para aqueles que herdariam as funções braçais, ou a gramática latina, para os que prosseguiriam os estudos superiores na Europa, “principalmente na Universidade de Coimbra” (p.32).

Uma primeira iniciativa formal para o ensino de profissões, que data dos primórdios da colonização, são as assim chamadas Corporações de Ofícios, ou seja, organizações formadas por trabalhadores que exerciam um mesmo ofício. Quase sempre os “ofícios” eram tarefas artesanais, como aquelas inerentes às olarias, às carpintarias e à construção civil, nas quais era exigida força física e habilidade. Essas associações sobreviviam a partir de um patrimônio comum, formado pelas cotas pagas pelos seus membros, destinado a socorrer os associados em situações de necessidade financeira, doenças ou funerais. As mais organizadas tinham um santo protetor ou “patrono”, da devoção dos operários.

Presentes na Europa desde o Império Romano, as Corporações de Ofício tinham como principal objetivo a regulamentação do processo produtivo artesanal. No Brasil, as corporações tomaram forma própria, em virtude da predominância do trabalho escravo, da indústria caseira, da escassez de artífices livres e da própria estrutura comercial local.

Além de atuar como “prestadoras de serviços”, as Corporações tinham como meta a transmissão do aprendizado de um determinado ofício, ensinado pelos mestres da Corporação (mais alto posto da hierarquia) que eram também encarregados de oferecer e contratar trabalhos, julgar atritos surgidos entre os membros e aplicar provas aos membros menos qualificados.

Extintas pela Constituição Imperial de 1824, as Corporações de Ofício declinaram devido à política econômica da Coroa Portuguesa que, a partir de tratados com a Inglaterra, proibia o exercício de determinadas funções, impossibilitando o agrupamento dos trabalhadores.

Em 1809, apenas um ano depois da chegada da família real ao Brasil, o Príncipe Regente e futuro rei Dom João, criou o Colégio das Fábricas, no porto do Rio de Janeiro, “para formação de artífices e aprendizes” e que parece ser “a primeira intervenção governamental em direção à profissionalização de jovens”. (MEC, 2000, p.67-68). Segundo o decreto de criação, de 23/03/1809, os artífices seriam pagos com o valor da venda dos produtos ali fabricados. Na verdade, o Colégio das Fábricas era um nome genérico que compreendia dez unidades escolares, em diferentes endereços, com oito oficinas oferecidas – nas áreas de trabalhos com tecidos, serralheria e carpintaria - e duas aulas obrigatórias – desenho e música. Porém, como afirma Cunha (2005a) “o Colégio das Fábricas não prosperou. A concorrência inglesa e os interesses ‘internacionais’ do comércio português não induziram ao surgimento de estabelecimentos industriais, pelo menos na velocidade esperada” (p. 76). Desativado em 1812, a maquinaria existente no Colégio das Fábricas foi vendida ou cedida a particulares.

Do ponto de vista cultural e educacional, a transformação do Brasil em sede do governo português propiciou um novo olhar do Estado para as escolas então existentes. Foram implantados cursos superiores, antes proibidos pela política metropolitana. Essa medida parece óbvia, quando nos lembramos de que seu principal objetivo era a formação de profissionais necessários à manutenção da segurança da Corte, com formação de especialistas preparados para conflitos bélicos e de profissionais prestadores de serviços às classes dominantes. Assim, foram criadas no Rio de Janeiro, cadeiras de anatomia e cirurgia, em 1808; a Academia da Marinha, no mesmo ano; a Academia Real Militar, em 1810; o curso de agricultura, em 1814; o curso de desenho técnico, em 1818 e a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, em 1816, para dar subsídios à famosa missão cultural francesa, convocada e patrocinada por D. João VI, para o maior levantamento artístico até então realizado sobre as singularidades e características pitorescas do Brasil. Após a independência, em 1822, a Escola Real teve seu nome alterado para Academia Imperial de Belas Artes – AIBA. Embora tivesse sido pensada para atuar nos mesmos moldes das academias européias - com o ensino das belas-artes em sintonia com o das ciências, do desenho e ofícios mecânicos - essa intenção não se concretizou num primeiro momento. Apenas em 1855 a Academia de Belas-Artes passou a ter cursos estruturados, com os alunos divididos em dois grupos: os artistas, que se dedicavam às belas-artes e os artífices, que se dedicavam às artes mecânicas (Cunha, 2005a).

Segundo Oliveira (s.d), logo após a Independência, nos primeiros anos do regime imperial, o ensino profissionalizante continuava sendo aquilo que fora no período colonial - o lugar dos excluídos - pois a educação continuou distante tanto de um sistema de educação popular quanto de um ensino voltado para as ciências, as técnicas e o trabalho. Fonseca (1986, p.135) também ratifica esse pensamento, nos informando que “no tocante ao ensino de ofícios, porém, nenhum progresso havia sido feito com a mudança operada no regime político ou com as discussões ocorridas na Constituinte. A mesma mentalidade, o mesmo pensamento de destinar aquele ramo de ensino aos humildes, aos pobres, aos desvalidos, continuava a imperar”. Fonseca (idem) ainda assegura que a discriminação através da educação profissionalizante quase se tornou um preceito legal, já que o artigo 124 do Projeto de Constituição para o Império do Brasil (1823), retirado da Constituição promulgada em 1824, previa que o império teria “igualmente cuidado de criar estabelecimentos para a catequese e civilização dos índios, emancipação lenta dos negros e sua educação religiosa e industrial”.

O decreto Imperial de 1827, em seu artigo 1º, pela primeira vez reconhece a educação como um sistema de vários níveis de ensino, que deveria ser acessível ao maior número possível de crianças. A atribuição à escola de responsabilidades inerentes ao Estado já se faz sentir nessa primeira tentativa de organização do conjunto da educação brasileira, uma vez que aí se inaugura a discurso da necessidade de escolarização e a conseqüente diminuição do analfabetismo como medidas preventivas ao emperramento do progresso do país. Da mesma forma, essa crença foi se fundindo àquela de que a capacitação para o trabalho e a ocupação de indivíduos pobres resguardaria a sociedade dos riscos que os desocupados poderiam significar. Se considerarmos os postulados no artigo 295 do Código Criminal do Império, de 1830, veremos aí descritos os “crimes de vadiagem”, aos quais poderiam ser aplicadas penas severas, sendo passível de prisão todo aquele que "não tomar (...) qualquer ocupação honesta e útil de que possa subsistir [...] não tendo renda suficiente" (www.jus.com.br/doutrina).

Torna-se inegável, nesse contexto, a importância da presença de estabelecimentos de ensino que exercessem, ao mesmo tempo, a dupla função deles esperada: a retirada de jovens desocupados das ruas, para ensinar-lhes um ofício e também livrá-los da prisão. O discurso então enraizado na Europa e nos Estados Unidos, vinculando a educação e o trabalho à manutenção da ordem social, encontrou eco no território brasileiro, adaptando-se à nossa realidade. Portanto, o endereçamento das escolas profissionalizantes aos “órfãos, pobres e desvalidos da fortuna” não pode ser visto como uma falha de nosso sistema educacional, mas uma realidade com a qual se tinha que lidar, inserida num contexto social novo – o surgimento das cidades – permeado por séculos de exploração e trabalho cativo. Como bem aponta Castanho (2006, p.5)

[...] o desenvolvimento precário das forças produtivas do capitalismo no Brasil, até ao fim do Império e começo da República, conjugado com relações de produção também pouco desenvolvidas, convivendo com a escravidão durante todo o período colonial e praticamente todo o Império, deixava aos agentes da política de formação para o trabalho poucas opções. Fez-se o que era possível fazer – e nem sempre da melhor maneira. (p.5)

Nos anos 40 do século XIX, em Belém do Pará ocorreu a implantação da primeira Casa de Educandos Artífices, que também visava ao atendimento a crianças desamparadas e “outros desvalidos da fortuna”. Escolas similares foram sendo espalhadas pelas demais províncias, com o objetivo comum de diminuir a criminalidade e a ociosidade advindas do desamparo dos menores. Até 1865, Cunha (2005a) e Fonseca (1986) nos informam que haviam sido criadas, pelos presidentes das províncias, dez casas nesses mesmos moldes, mantidas integralmente pelo Estado, com características mais próximas à filantropia que à instrução pública.

Antes do surgimento das Casas de Educandos Artífices, tem-se notícia de que as academias militares criaram cursos de formação profissional, destinados à infância pobre para manutenção de seus arsenais. A disciplina era militar, embora os cursos profissionalizantes por elas mantidos não tivessem caráter correcional. Em 1834, o Arsenal da Guerra contava com mais de “duzentos jovens praticando os mais diversos ofícios” (CUNHA, 2005a. p.110).

Assim, enquanto as elites contratavam preceptores para a educação de seus filhos, às crianças e jovens pobres, restava o ensino das primeiras letras já atrelado ao mundo do trabalho, fazendo surgir a irremediável e duradoura desqualificação do trabalho manual em detrimento da formação intelectual, tão característica na história da educação brasileira.

Em meados do século XIX, surgiram as Sociedades Propagadoras da Instrução Popular, cujo objetivo era ministrar cursos de artes e ofícios, oferecendo a filhos de camponeses e operários “um ensino prático, teórico e de iniciação ao ensino industrial” (MEC, 2000). Organizadas pela sociedade civil e mantidas pelas elites (burocratas, fazendeiros e comerciantes), pretendiam implantar no Brasil os Liceus de Artes e Ofícios, modelo então em voga na França . O primeiro deles foi fundado no Rio de Janeiro em 1858, seguido pela Bahia, em 1872 e São Paulo, em 1873 .

Moraes (1990) esclarece que a Sociedade Propagadora de São Paulo inovou ao criar, em 1874, aulas noturnas dirigidas a todas as camadas da sociedade, tentando “ministrar, por meio de cursos noturnos gratuitos, os conhecimentos indispensáveis ao cidadão e ao operário” (grifo nosso), apresentando “aos estabelecimentos da indústria, operários inteligentes, morigerados, amigos do trabalho e, como infalível corolário de tais premissas, melhores produtores e de mais fácil direção, porque sobre eles atuará o espírito do pundonor, que não se encontra no homem-máquina” (MORAES, 1990, p.45). Percebe-se, nesse discurso, o distanciamento entre o “cidadão” (o homem da elite) e o ‘operário’ (o trabalhador das classes populares). Porém, pela primeira vez, ambos são chamados ao mesmo local, já que, na Propagadora, o ensino profissional não se encontrava vinculado à caridade e filantropia, mas à preparação de operários, necessários para atender à demanda do mercado de trabalho em franca constituição .

Em 1883, segundo Isaú (2006), num período de grande agitação política e social, com movimentos que desembocariam na proclamação da República e na abolição dos escravos, chegava ao Brasil a primeira missão Salesiana, vinda do Uruguai. Seguidores dos ensinamentos de Dom Bosco , os salesianos eram vistos como praticantes de uma modalidade atualizada da instituição jesuíta. Dom Bosco havia iniciado um trabalho de profissionalização de menores em 1853, na Itália, cujo principal objetivo era retirar crianças das ruas, dando-lhes instrução e preparando-os para o trabalho, através da “educação preventiva” que se utilizava do diálogo e de “uma amorosa assistência nos recreios, nas aulas e nos trabalhos” (Dom Bosco, apud CUNHA,2005b, p.52). No final do século XIX os salesianos já haviam inaugurado escolas em Niterói, São Paulo, Campinas, Lorena, Cuiabá, Recife, Salvador e Rio Grande, tendo, em 1904, dezesseis unidades espalhadas pelo Brasil.

Portanto, no limiar da República, podemos perceber a presença de escolas profissionalizantes criadas e mantidas pelo Estado, sociedade civil ou igreja, quase sempre com características próprias da filantropia, voltadas principalmente às massas populares. A educação, no final do Império, portanto, servia de alicerce à manutenção de duas classes sociais distintas: a dos doutores, formada pelos intelectuais e burocratas, a quem estavam destinados os cargos de mando, os postos políticos e a administração financeira do país e a dos operários, formada pelos filhos das massas populares, quase sempre analfabetos ou minimamente letrados, a quem caberiam as tarefas braçais, indesejadas, pesadas e mal pagas.

No início do período republicano, Rui Barbosa, então ministro da Fazenda, promoveu uma reforma financeira visando à abertura de empresas. A euforia causada pela possibilidade da riqueza imediata levou a um caos econômico e inflação sem precedentes, conhecido como “encilhamento”. Embora tendo esse aspecto altamente negativo à economia, não se pode negar que essa “injeção monetária” como Gorender (1981) se refere ao período, teria sido responsável pelo surgimento de várias empresas e, em seu bojo, da necessidade da criação de escolas profissionalizantes que pudessem capacitar operários para suprir a demanda advinda do crescimento do parque industrial. Assim é que, em 20 de dezembro de 1906, foi apresentada à Câmara dos Deputados a proposição 195, que tratava, pela primeira vez, da criação de escolas técnicas, com recursos específicos para aquele fim. O presidente então empossado, Afonso Pena (1906-1909) mostrara-se favorável à criação de escolas de formação profissional em nível primário, único nível acessível às massas proletárias, afirmando que essas instituições “muito podem contribuir também para o progresso das indústrias, proporcionando-lhes mestres e operários instruídos e hábeis” (FONSECA 1986, p.172).

Foram então fundadas Escolas Comerciais em São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, além de se proceder a uma reorganização do ensino agrícola que deveria formar "chefes de cultura, administradores e capatazes” (FONSECA, 1986, p.173). Vale ressaltar que, no início do século XX, a incipiente indústria brasileira contava apenas com uma produção rústica e artesanal, o que nos leva a concluir que a questão da formação profissional estava ligada a um “adestramento” para o trabalho das manufaturas, sendo os cursos desvinculados da formação teórica. Percebemos que essa medida vai delineando uma tendência de criação de cursos específicos à formação profissional, afinados com os anseios da indústria e do comércio, que se desenvolverá plenamente em 1942 com a criação do SENAI.

Em 1909, Nilo Peçanha, em sua breve passagem pela Presidência (1909/1910) instalou uma rede de 19 Escolas de Aprendizes Artífices, nas capitais dos estados, destinadas ao ensino industrial, criadas nos mesmos moldes dos Liceus de Artes e Ofícios e custeadas pelo Estado. Político influenciado pelo industrialismo, Peçanha acreditava que "o Brasil da bela época sairá das academias, mas o Brasil do futuro sairá das oficinas" (LAURINDO, 1962, p.21). Embora tenha se firmado dentre os estudiosos do tema como um presidente preocupado em impulsionar o ensino técnico-profissional, é fato que a justificativa para a criação das escolas apresentava a mesma mentalidade assistencialista de outras iniciativas, além do preconceito contra os filhos das “classes proletárias” que seriam, segundo ele, mais facilmente cooptados pelo crime, mais propensos à mendicância e ao ócio, o que tornaria “necessário não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual, como fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastará da ociosidade, escola do vício e do crime” (Decreto 7566 de 23/09/1909). As Escolas de Aprendizes Artífices foram regulamentadas pelo presidente Hermes da Fonseca (1909-1914) em seu decreto 9070 de 25/10/1911, mantendo ainda a visão redentora do trabalho e das escolas técnicas. Porém, nenhum outro presidente deixou tão clara a visão assistencialista dos cursos profissionalizantes quanto Venceslau Brás (1914-18). Em um discurso proferido no Senado, o presidente declarou que, somente através do ensino profissionalizante o país conseguiria “remediar em parte os males do presente e lançar as bases para um futuro melhor”, pois “a criminalidade aumenta; a vagabundagem campeia; o alcoolismo ceifa, cada vez mais, maior número de infelizes, porque, em regra, não tendo as pobres vítimas um caráter bem formado e nem preparo para superar as dificuldades da existência, tornam-se vencidos em plena mocidade e se atiram à embriaguês e ao crime (fonseca, 1986, p.187)

O fato que os dados apontam, porém, é que apesar do discurso, pouco se fez pelas escolas profissionalizantes no governo Venceslau Brás, devido à situação econômica do país no início do século XX. A diminuição na exportação de café e a primeira guerra mundial haviam imposto dificuldades econômicas que impossibilitaram a implantação das escolas planejadas.

Entretanto, no mesmo período, em São Paulo desenvolveu-se um intenso movimento industrial, que despertou o interesse e a busca por cursos técnicos. Para evitar o êxodo rural, foi promulgada a lei estadual 1.711 (27/12/1919), que estabelecia a obrigatoriedade de uma autorização para abertura e instalação de cursos profissionalizantes nas escolas já existentes, sugerindo-se que, no interior, deveriam ser abertos apenas cursos voltados às atividades agrícolas, já que cursos industriais eram compatíveis apenas com empregos conseguidos na capital.

Em meados dos anos 20, no governo de Epitácio Pessoa, as escolas profissionalizantes apresentavam problemas relativos às instalações, à falta de um planejamento pedagógico, de pessoal técnico para ministrar aulas nas oficinas, diferenças estruturais de conteúdos, objetivos e duração dos cursos e, principalmente, grande evasão de alunos. Para tentar minimizar esses problemas, o ministro Ildefonso Simões Lopes nomeou uma comissão técnica composta, na maioria, pelo pessoal do Instituto Parobé, do Rio Gande do Sul, que vinha funcionando a contento. A chefia da comissão coube ao diretor do instituto, o engenheiro João Lüderitz. Em 1921, foi apresentado o relatório da comissão, propondo ações visando dar um caráter orgânico às escolas técnicas profissionalizantes, contratando, se necessário, profissionais especializados no país ou no exterior. Desta forma, Lüdertitz – que fazia severas críticas às Escolas de Aprendizes Artífices - conseguiu disseminar por todo o país sua concepção de educação profissionalizante. Segundo Brandão (2003), em seus questionamentos sobre as Escolas de Aprendizes Artífices, Lüderitz chamava a atenção

para o fato de que as indicações dos ofícios a serem ensinados nas diversas escolas não obedeceram a nenhum critério industrial, nem tampouco visavam adaptabilidade às indústrias locais, tornando-se escolas primárias, em que se fazia alguma aprendizagem de trabalhos manuais e onde, havendo alunos dedicados e caprichosos, tinha-se podido conseguir, à force de faire e muito boa vontade, adestrar alguns operários (p.9).

Lüderitz propunha a qualificação objetiva de mão-de-obra especializada, aliada a uma base científica, que deveria ir além do aprendizado de habilidades manuais e que, em última instância, visasse ao desenvolvimento da sociedade urbano-industrial nascente, na qual se convalidaria a ruptura entre artesanato e indústria, arte e ciência. Para isso, defendia que:

Quem vai ensinar os segredos das artes e dos ofícios tem que ter as duas qualidades reunidas: a do professor e a do mestre de oficina, visto que não se podem separar os conhecimentos humanísticos de redação e de contabilidade, matemáticas elementares e aplicadas, rudimentos de ciência natural, física e química elementar, etc, da imediata aplicação que tais princípios de ensino têm na organização de projetos e orçamento dos artefatos, do desenho industrial, geométrico e ornamental e da tecnologia de cada arte ou ofício (Lüderitz apud Brandão, 2003, p.10)

Segundo Cunha (2000), o Serviço de Remodelação era o princípio de um processo que deveria terminar como um amplo projeto de regulamentação do ensino profissionalizanrte, que nunca foi aprovado, porque, à época, o forte movimento anarco-sindicalista assustava os proprietários das fábricas. As Escolas de Aprendizes Artífices teriam sido criadas, dentre outros objetivos, para formar uma mão-de-obra ordeira, servil, afinada com os interesses do capital, portanto, deveriam permanecer como estavam. Em 1942, pelas assim chamadas “leis orgânicas da educação” essas escolas foram transformadas em escolas industriais de nível pós-primário.

A década de 30 foi marcada pelo clima revolucionário no país. Vargas assumiu o poder após protagonizar um golpe que tirou do governo o então presidente Washington Luís. Separou-se o sistema educativo do ocupacional pela criação do Ministério da Educação e Saúde Pública (em 1930) e do Trabalho, Indústria e Comércio (no mesmo ano). No setor produtivo, porém, é que o governo Vargas causou o maior impacto, com o impulso inédito à industrialização através da criação da CSN – Companhia Siderúrgica Nacional e da Petrobrás, para exploração e refino de petróleo. Num governo tão voltado para o crescimento industrial, nada mais natural que a valorização da educação profissionalizante, cuja função seria a formação do operariado necessário à sua manutenção. Para uma adequação à nova realidade, foi extinto o Serviço de Remodelação do Ensino Profissional Técnico e criada, pelo decreto 19.560 de 05/01/1931, a Inspetoria do Ensino Profissional Técnico (que após três anos passou a Superintendência ), ligada ao Ministério da Educação e Saúde. Uma das resoluções da Superintendência foi uma tentativa de unificar a educação profissionalizante. Para isso, deliberou que, para o desenvolvimento da formação profissional, poderiam obter reconhecimento oficial os cursos ministrados em escolas públicas ou particulares, desde que estas adotassem os currículos e organização didática das escolas federais, expandindo sua abrangência assistencialista, já que poderia, dessa forma, atender a toda a sociedade civil e não apenas aos “desafortunados da sorte”. Não podemos nos esquecer, entretanto, que todas essas medidas e ações do governo, que pareciam levar a um caminho aberto para a democracia, desmoronaram no golpe militar de 1937, que instituiu no país a ditadura do Estado Novo até 1945.

Em 1931, com a criação do Conselho Nacional de Educação, o governo provisório sancionou seis decretos efetivando uma ampla reforma educacional no país, conhecida como Reforma Francisco Campos, cuja justificativa era que "o mundo vive hoje sob o sinal do econômico, como já viveu em outros tempos sob o sinal do religioso e do político". Assim, os indivíduos deveriam estar preparados, técnica e profissionalmente, para a sociedade das profissões.

Ainda em 1931, estruturado nos moldes da norteamericana Taylor Society, foi criado o IDORT - Instituto de Organização Racional do Trabalho, cujo principal objetivo era divulgar o processo de trabalho apregoado por Taylor , apresentando o taylorismo como remédio para redução de custos e aumento na produtividade das empresas. Fundado por um grupo de empresários, a criação do IDORT recebeu o apoio da Associação Comercial de São Paulo e da CNI - Confederação Nacional da Indústria e, como primeira medida, criou cursos de formação profissional, realizando projetos junto a empresas particulares. A partir de 1934 dirigiu suas atividades também para a administração pública, implantando projetos em São Paulo, Paraná, Pernambuco e Goiás .

O embate político-ideológico na área educacional arrastou-se durante toda a Era Vargas, sendo notórias as discussões entre os assim chamados Pioneiros da Educação Nova - que, embora com diferentes posições ideológicas, pregavam um novo modelo educacional em que a educação conseguisse atuar e interferir na sociedade brasileira através de uma escola menos academicista, mais prática, gratuita, obrigatória e laica – portanto acessível às massas - o que poderia neutralizar o poder oligárquico da elite nacional. O movimento reformador encontrou forte resistência na Igreja Católica, que se sentiu ameaçada por controlar a maioria das escolas da rede privada.

Em 1937, o ministro Gustavo Capanema, através da Lei 378 de 13 de janeiro, dava uma nova estrutura ao Ministério da Educação, suprimindo a Superintendência do Ensino Profissional, seguindo à risca os preceitos da Constituição daquele ano, que, em seu artigo 129 reafirmava a necessidade de atender à demanda da industrialização desencadeada na década de 30, sendo que os operários deveriam sair das classes "menos favorecidas” (art. 129 – Constituição de 10/11/1937).

Ainda sob a égide da visão do trabalho como restaurador e mantenedor da ordem e das virtudes, foram efetivadas, a partir de 1942, significativas mudanças educacionais, através de decretos-leis, conhecidos como “Reforma Capanema” ou “leis orgânicas do ensino” uma série de oito decretos, cujo principal objetivo era organizar o sistema de educação do país com vistas a adequá-lo à nova ordem econômica e social que então se configurava, carregando no seu bojo a expansão do setor terciário urbano e a constituição de novas classes sociais, como o proletariado e a burguesia industrial. A Reforma Capanema, para muitos estudiosos, oficializou a seletividade, acentuando ainda mais a elitização do ensino, pois estabelecia leis específicas à preparação intelectual ou à formação profissional para atendimento às necessidades do mercado. Através do Decreto 4.048/42 dessa Reforma, foi criado o SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial.

De acordo com o SENAI (2007), antes do decreto 4.048/42 “as poucas escolas profissionais existentes respondiam pela formação de apenas 7% dos operários qualificados, sendo o restante treinado, rotineiramente, nas próprias indústrias” (p.46).

Para a implantação do SENAI e delimitação de seu perfil, Vargas valeu-se, principalmente, do apoio de Roberto Simonsen, à época Presidente da CNI. Simonsen fora indicado pelo presidente, em 1937, para o Conselho Federal para o Comércio Exterior e havia sido membro de duas Comissões Técnicas encarregadas de apresentar ao Governo um projeto de criação de uma instituição exclusivamente voltada para a aprendizagem industrial, ou seja, um órgão privado, encarregado de criar e ministrar cursos para aprendizes e operários de várias empresas, dirigido pelos empresários e mantido com recursos vindos das indústrias através do fundo de aposentadorias e pensões.

Para os assuntos didático-pedagógicos, apoiaram-se nas idéias do engenheiro suíço Roberto Mange, entusiasta defensor do taylorismo, da psicotécnica, da formação científica e racional do trabalho e que vinha pondo em prática suas teorias desde 1923, quando montou um curso específico para a formação de ferroviários da Companhia Estrada de Ferro Sorocabana. Mange foi nomeado o primeiro Diretor do Departamento Regional de São Paulo do SENAI.

Se fizermos uma análise sobre a trajetória profissional e acadêmica dos dois Robertos (Simonsen e Mange) podemos concluir que o SENAI surgiu muito antes de a instituição ser oficialmente criada, já que vários instrumentos vinham sendo tentados desde a época anterior a seu estabelecimento oficial.

Sobre a instituição do SENAI, entretanto, diferente do discurso que prega que os industriais – representados pelos dirigentes da CNI e FIESP o teriam “idealizado” a pedido do governo, que sentia que não tinha meios de pô-lo em prática, nossa pesquisa mostrou que na verdade não foi bem assim. Verificamos que a massa empresarial, formada por pequenos e médios empresários, não compreendeu o SENAI como um órgão pertencente a todos, mas como um peso a mais, um serviço restrito à elite empresarial, demonstrando, por isso, resistência à sua implantação, tanto por não compreenderem muito bem os seus objetivos quanto pela obrigatoriedade do recolhimento dos subsídios para sua manutenção.

Coube ao grupo ligado a Simonsen exercer o papel de mentor do projeto SENAI, embora não possa ser considerado representativo do todo empresarial. Confirmando sua posição de elite decisória dos caminhos da industrialização no país, viu seu poder e prestígio aumentados por meio de relações com o governo e controle das associações dos industriais, obrigando inicialmente seus pares a manterem aprendizes em escolas profissionalizantes, a criarem CIPAs e outras medidas nem sempre simpáticas aos empresários.

Também por parte do operariado houve resistência à implantação do SENAI, talvez temendo a possibilidade de desemprego aos não participantes dos cursos ou, ainda, pelo fato de aquele órgão estar muito próximo à burguesia industrial, o que tornava os trabalhadores refratários ao processo. As associações de trabalhadores, na tentativa de minimizar conflitos de classes e fiéis ao esquema corporativista e hierárquico idealizado por Vargas para o operariado organizado, conclamavam seus membros à sindicalização sem fugir da fôrma estreita estabelecida para as atividades sindicais. Os empresários, portanto, depois de um tempo atribuem para si a criação do SENAI na esperança de assim poderem legitimar o controle que as associações patronais mantêm unilateralmente sobre a formação do proletariado industrial. “O industrial Jafet via na escola um meio para criar hábitos de consumo que aumentassem a demanda por produtos industrializados, mas considerando sua manutenção um dever do Estado”. (Bryan, 1983, p.58)

Nos primeiros anos, o SENAI tentava incutir em seus aprendizes o objetivo de transformá-los em “cidadãos responsáveis, conscientes de suas obrigações e capazes de contribuir para o desenvolvimento industrial” (grifo nosso). Nesta mensagem, podemos compreender explicitamente a visão que os industriais tinham acerca de seus trabalhadores. Foi necessário criar um órgão, para que os operários se tornassem cidadãos responsáveis e conscientes de suas obrigações, o que nos leva a refletir que aqueles que não fossem inseridos nos cursos do SENAI – no caso a grande maioria da massa trabalhadora – continuaria sendo considerada despreparada para a cidadania e socialmente irresponsável.

O SENAI, embora não possa ser considerado fundamental para o estabelecimento de nosso parque fabril, assumiu como missão a valorização do trabalhador nacional, o que significa, em última instância, a tentativa de transformar um grupo sob seu controle em uma elite dentro da grande massa trabalhadora, colocando mais uma camada na representação social do trabalhador braçal: aquele formado pelo SENAI.

Ao analisarmos a atuação de Roberto Mange, porém, percebemos um homem cheio de contradições visíveis em seus livros, seus discursos, entrevistas e anotações pessoais. Ao mesmo tempo em que precisava decidir quais cursos abrir e em que locais instalar as escolas SENAI, Mange demonstrava uma grande preocupação com a formação humanística e a socialização dos aprendizes, assim como com sua saúde, sua família e seu bem-estar, preocupação, evidentemente, restrita àquela pequena parcela de trabalhadores que, depois de exames orais, escritos e psicotécnicos, conseguissem chegar até o SENAI.

Como método didático, Mange optou pelas SMO – Séries Metódicas Ocupacionais, que mais eficientemente se afinaram com os preceitos da racionalização e organização científica do trabalho - fundamentais, no discurso dos industriais e tecnocratas como Roberto Simonsen, Euvaldo Lodi, Morvan Dias de Figueiredo e João Lüderitz – para o desenvolvimento de seus cursos, estabelecendo como que um microcosmo da sociedade na oficina. As indústrias paulistas do período, em sua grande maioria, não estavam preparadas para a introdução de métodos racionais e científicos em sua rotina profissional, mas o Taylorismo e o Fordismo mostravam-se muito atraentes por representarem o que havia de mais moderno e inovador nos processos industriais.

No modelo do taylorismo adotado no Brasil, a que chamamos de taylorismo tropical, a participação dos operários era mínima ou nenhuma; na verdade, o operário era o maior obstáculo à organização racional no ambiente fabril, pela sua pouca cultura, sua limitada experiência da vida econômica e sua insubordinação, sendo considerados subversivos ou ingênuos demais, dificilmente tidos como parceiros.

A racionalização, a nosso ver, tem profundos efeitos sociais e contraria de forma patente as idéias fundamentais do marxismo. Com o objetivo de formar operários e, por extensão, seres humanos disciplinados e produtivos, a educação a serviço da racionalização perde seu olhar crítico sobre o trabalho e sobre as sociedades capitalistas, tentando justificar-se com discursos de busca do progresso, de realizações profissionais futuras e de ascensão social. De acordo com Ciavatta (2005) “o senso comum divulga um substractum ideológico, de que o ‘trabalho dignifica o homem’ ‘previne o vício’, ‘produz a riqueza nacional’ e, nas famílias de baixa-renda, há a necessidade do ‘ganha-pão’ para a sobrevivência diária” (Ciavatta, p.137).

Nesse panorama, o SENAI foi parte de uma campanha para condicionar todas as discussões sobre o bem-estar social atrelado ao crescimento econômico e ao aumento de produtividade a partir da utilização da organização racional do trabalho. Essa campanha produziu um discurso hegemônico, cujas bases foram aceitas mesmo pelas organizações operárias mais críticas.

No entanto, se por um lado a racionalização do trabalho pretendia criar um operário obediente e submisso, que nada questionava, realizando de forma sistemática o seu trabalho, por outro tolhia a criatividade do trabalhador, cerceando sua capacidade de responder com presteza a situações imprevistas.

Já em 1927, ainda sobre as primeiras experiências com a racionalização do trabalho utilizadas no SESP – Serviço de Ensino e Seleção Profissional - um artigo do Jornal operário O Trabalhador Gráfico ironizava a busca pelo “progresso” através de métodos que, aparentemente, poderiam ser vantajosos para os trabalhadores, mas, numa análise mais profunda, se mostrariam totalmente voltados aos industriais: “os diversos aspectos da racionalização do operário, tendo em vista a máquina e a intensificação do trabalho humano, todos esses elementos estão indissoluvelmente unidos entre si no regime capitalista” (apud WEINSTEIN, 2000, p.67).

Com o passar do tempo, os operários começaram a receber com menos resistência as propostas do SENAI, esperando que, com o aumento da produtividade, eles também pudessem ter parte na divisão dos ganhos, representados por aumento dos salários. Porém, se considerarmos o SENAI como parte da estratégia dos industriais para conseguir o controle social, podemos perceber limites óbvios para suas ambições de hegemonia, mais facilmente verificáveis na década de 70, principalmente com os movimentos operários de São Paulo, notadamente dos metalúrgicos, grande parte deles formados pelo SENAI.

Segundo Weinstein (2000), em 1980 “os presidentes dos quatro maiores sindicatos operários – os mais combativos de São Paulo - eram todos ferramenteiros formados pelo SENAI, sem contar que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também formou-se torneiro mecânico lá” (p.366).

Talvez o que o SENAI tenha proporcionado foram as condições para que seus alunos refletissem criticamente sobre sua própria situação no processo produtivo, levando-os à conclusão que podiam questionar e até opor-se ao rígido controle das fábricas.

Portanto, se o SENAI esperava formar operários submissos e imunes à militância operária, talvez a participação de ex-alunos em movimentos sindicais seja vista como uma rebeldia indesejável ou um fracasso da instituição em buscar a paz social através da formação profissionalizante. Se, porém, olharmos por outro ângulo, talvez possamos descobrir que a participação do SENAI tenha sido importante na criação de uma consciência política coletiva daquele grupo, que – conhecendo por dentro a estrutura empresarial - passou a buscar um modelo social no qual não dependesse dos industriais, preferindo lutar pelo direito de mais atenção à saúde, à segurança no trabalho, por melhores salários, justiça e igualdade de condições para todos.

Com relação ao método de ensino, antes da morte de Mange, em 1955, as SMO – Séries Metódicas Ocupacionais tiveram papel hegemônico. Depois, juntou-se a elas a metodologia conhecida como TWI – Trainning Within Industry, criado por especialistas norte-americanos para formação acelerada de trabalhadores para as indústrias.

Tanto um quanto outro têm como diferencial a utilização de folhas de exercícios em dificuldade gradativa na execução das tarefas, sendo um ensino praticamente individual, um “estudo dirigido”, havendo entre ambos um diferencial importante: os TWI dispensavam a formação geral, centrando-se exclusivamente no aprendizado prático nas oficinas, enquanto que as SMO eram parte de um grande projeto, em que se propunha o ensino da parte teórica e prática de disciplinas técnicas e também de formação geral.

Ambos os métodos, porém, adunam-se perfeitamente ao capitalismo, por representarem uma intensa divisão de trabalho, típica do sistema produtivo que, nesse caso, se expande, determinando a ação educativa.

Outra atividade considerada importante pelo SENAI e que foi defendida por Mange durante toda sua vida foi a aplicação de testes psicotécnicos, que ofereciam aos dirigentes do órgão uma alternativa moderna e cientifica aos processos então em vigor para acesso de alunos às escolas. O SENAI (1991a) assim se manifesta sobre os métodos anteriores à sua atuação: “essa alternativa científica vem contra os processos certamente irracionais e ineficientes que permeavam a sociedade brasileira, pela qual os indivíduos conseguiam acesso às escolas e empregos valendo-se de relações pessoais ou influência” (p.47). Um dos entrevistados pelo Projeto Memória declarou que Mange fazia todo esforço para ignorar as relações sociais e políticas dos candidatos a emprego, “jogando no lixo as cartas de apresentação que normalmente apresentavam” (ibidem)

É muito difícil avaliar a abrangência e o alcance dos objetivos do SENAI. Se formos nos basear apenas no número de operários formados, levando em consideração o número de cartas de ofícios expedidas, não há dúvidas sobre seu estrondoso sucesso. Por outro lado, se formos analisar a inclusão desse grupo de operários no mercado de trabalho, nossa pesquisa encontra dificuldades, já que não pudemos encontrar estatísticas que nos possibilitem verificar quantos e onde esse grupo de egressos efetivamente atuou. Porém, essa empregabilidade não era o único objetivo do SENAI. Cremos que, através de seus cursos, o SENAI tentou construir uma classe operária industrial, introduzindo os princípios da administração científica do trabalho, da psicologia aplicada e do capitalismo.

As escolas mantidas pelo SENAI apresentam grandes contradições com outras que oferecem a mesma modalidade de ensino. Com relação à administração, as escolas técnicas profissionalizantes mantidas pelo Estado e pela rede particular são subordinadas exclusivamente ao MEC enquanto que as escolas SENAI subordinam-se tanto ao MEC (principalmente no cumprimento do Regimento Único, aprovado por aquele ministério) quanto ao Ministério do Trabalho (com quem melhor se afinam a CNI e sindicatos patronais). Quanto à formação dos alunos, enquanto as escolas ligadas exclusivamente ao ministério da Educação oferecem “o saber sobre o trabalho” na classificação de Kuenzer (991), os alunos do SENAI recebem “o saber pelo trabalho”, aprendendo, na prática, a executar determinadas funções e reproduzindo depois, no cotidiano profissional, uma rigorosa e bem treinada divisão de tarefas.

Outra diferença marcante com as escolas do país e também com escolas similares de outros países, onde programas de formação funcionam a partir da iniciativa dos industriais, com o apoio do Estado, no Brasil um determinado segmento da burguesia industrial assumiu o controle dos programas do Sistema S, que considerava vitais para o progresso industrial, minimizando o papel do Estado e excluindo completamente o operariado organizado.

Em 1961, foi promulgada a Lei 4.024/61 que manteve a dualidade estrutural entre a educação formal e a profissionalizante criando, entretanto, pela primeira vez, uma equivalência entre as duas estruturas e a integração dos dois níveis.

No período do milagre econômico não houve uma demanda excepcional da força de trabalho especializada, mas apenas a busca por adestramento e treinamento para formar trabalhadores necessários ao processo de ampliação do parque industrial. O SENAI reflete fortemente essa demanda, ao optar por cursos rápidos de qualificação, mantendo os cursos destinados à formação de trabalhadores especializados em crescimento vegetativo no período .

Em 1971, sob o regime militar, foi promulgada a lei nº 5.692, que previa a profissionalização compulsória, estabelecendo a equivalência dos cursos do SENAI ao ensino regular. Na verdade, a equivalência se deu porque o SENAI já realizava a educação tecnicista proposta pela lei. Também adotando a equivalência, o país poderia demonstrar, no país e internacionalmente, que estava ocorrendo um aumento na escolarização de segundo grau sem, entretanto, aumentar as despesas com verbas para essa modalidade de ensino.

A última Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394/96, tentando parecer moderna, introduziu os conceitos de flexibilidade, competências e habilidades, que significam, na prática, a tentativa de manter a perspectiva instrumentalista que sempre caracterizou a educação profissionalizante no Brasil, através da qual se tenta ocultar a luta de classes entre o capital e trabalho.

Os artigos 39 a 42 do Capítulo II da referida Lei tratam da educação profissionalizante, estabelecendo mais claramente os objetivos para essa modalidade de ensino, definindo os três níveis da educação profissional: o básico (para o qual não se exige escolaridade prévia); o técnico (concomitante ou posterior ao ensino médio) e o tecnológico (egressos do Ensino Médio e Técnico), ou seja, a educação profissionalizante passa a ser articulada ao Ensino Médio, porém independente dele, resgatando a dualidade estrutural e a concepção taylorista-fordista que desvincula o saber acadêmico do saber prático, criando, ainda, categorias diferenciadas dentro de uma mesma formação.

Portanto, pelo que pudemos verificar, durante todo o século XX, as reformas educacionais não conseguiram, de modo efetivo, abolir o abismo entre o ensino propedêutico e o profissional. É evidente que isso se dá porque a escola não pode ser considerada como um espaço de neutralidade; numa sociedade dividida em classes, o sistema educacional estará sempre difundindo um determinado projeto hegemônico.

Interessante notar que o discurso do SENAI, desde Mange, referente à busca pelo conhecimento contém elementos que nos remetem à educação politécnica, pregando que o interesse maior é pela formação do homem “como um todo”, do indivíduo “de forma global”. Porém, cremos que essa visão é equivocada, porque – pelo olhar histórico-dialético - sabemos que a formação politécnica valoriza a formação do indivíduo em sua totalidade, com acesso aos conhecimentos de formação geral (literatura, artes, matemática, música, história, geografia, ciências) e conhecimentos específicos (a partir de áreas do conhecimento científico socialmente elaborado), nos moldes pregados por Gramsci (2000). Sobre o tema, Gadotti (1987, p.55) afirma que

Marx e Engels, preocupados em responder a questões de sua época, não elaboraram receitas prontas para a estratégia da educação sob o capitalismo maduro, nem para a educação socialista do futuro. Deixaram apenas rês grandes princípios: educação pública, isto é, educação para todos; educação gratuita, isto é, educação, responsabilidade do Estado; e educação pelo trabalho, isto é, educação politécnica.(p.55)

Estes três princípios vislumbrados por Marx e Engels para a educação da classe operária evitariam a alienação do trabalhador, estimulando sua participação da sociedade como indivíduo autônomo e consciente de seu papel.

No Brasil, não apenas o SENAI, mas as demais iniciativas voltadas à educação profissionalizante mantiveram-se separadas desse modelo de formação, com arremedos de cursos que minimamente transitavam pelos conteúdos da formação geral, o que descortina o lado cruel da formação para o trabalho, um modelo preocupado em satisfazer interesses imediatos que passa a predominar sobre a escola formativa, de modo não democrático, acabando por se constituir num fator adicional de perpetuação e cristalização das diferenças sociais. Nas palavras de Gamsci (2000, p.49), não deveríamos

multiplicar e hierarquizar os tipos de escola profissional, mas criar um tipo único de escola preparatória (primária-média) que conduza o jovem até os umbrais da escolha profissional, formando-o, durante este meio tempo, como pessoa capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige.

Dermeval Saviani (1987, p.17) nos ensina que a educação politécnica refere-se “ao domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho produtivo moderno”.

Segundo ele, a politecnia estaria fundamentada em princípios que a educação politécnica deveria garantir porque, ao dominar esses princípios e fundamentos, o trabalhador estaria em condições de desenvolver um trabalho compreendendo totalmente sua essência, dominando os princípios científicos nos quais se baseia a produção moderna. Não seria um trabalhador “adestrado” (ibidem) para servir ao mercado, mas sim um trabalhador com um “desenvolvimento multilateral [...] que abarca todos os ângulos da prática produtiva moderna” (ibidem).

Não podemos nos esquecer, entretanto, que a vocação ideológica do SENAI não prejudicou sua imagem junto aos operários e líderes sindicais, sendo considerado por muitos como o como o único caminho de que dispunham para adquirirem uma profissão.

Seu slogan “Uma organização industrial a serviço do operário brasileiro” não esclarece, porém, que não estaria a serviço de todos os operários, mas sim a um grupo restrito ao qual poderiam ser abertas as portas da realização individual, do emprego, do pertencimento ao universo industrial: os alunos do SENAI.

Outra constatação interessante que pudemos fazer ao longo deste trabalho foi uma preocupação constante sobre a “formação integral do homem”, discurso retomado muitas vezes pelos dirigentes do SENAI, que alegam que o homem deve “resgatar todo seu potencial intelectual” para poder se tornar um cidadão “emancipado pelo trabalho”. O homem “trabalhando em equipe, juntamente com a gerência” poderá assumir uma nova posição no processo de trabalho (SENAI, 1991a; 1991b e 1992). Também recorreu a expressões que sugerem que, a partir de seus cursos, poderiam surgir novas relações de produção baseadas nas relações sociais, tais como “a automação e as mudanças na organização das indústrias levam a uma perspectiva mais humanista para o mundo do trabalho” (SENAI, 1999, p.30) ou que “as novas formas de organização da produção enfraquecem a divisão do trabalho” (SENAI, 1999, p.10) ou, ainda, que seus cursos buscam “a superação dos tradicionais antagonismos inerentes ao taylorismo e ao fordismo” (SENAI, 1994, p.29).

À primeira vista, pode parecer que o SENAI estaria abandonando sua concepção centrada no “aprender pelo trabalho”, deixando seu caráter ideológico de instituição técnica, formadora da mão-de-obra industrial e se voltado para o homem. Porém, analisando melhor esses dados, encontramos a explicação na pedagogia do industrialismo, na qual o “homem” é um elemento fundamental, devendo ter toda a atenção e condições de adequação ao local de trabalho. Simplificando as funções do trabalho, ensinando de modo prático as partes das funções que o operário desenvolverá ao longo de sua vida profissional, tornar-se-ia muito mais fácil o recrutamento e a substituição de trabalhadores.

Quanto às relações sociais, não nos esqueçamos que estas estão diretamente subordinadas ao modo de produção capitalista, que determina as classes antagônicas dos empresários (donos dos meios de produção) e os operários (a força de trabalho). Buscamos em Marx (2007), mais uma vez, ferramentas para melhor compreender essas relações.

Em “A Ideologia Alemã” Marx afirma que a primeira premissa de toda história humana é a existência de indivíduos humanos reais, sendo sua constituição física o primeiro fato a ser registrado e, depois, o modo como eles estabelecem relações com o resto da natureza. A seguir, afirma que o processo de humanização é compreendido e analisado a partir da categoria trabalho, que é a característica distintiva e mais importante do homem em relação aos demais animais, estando o próprio processo de hominização intimamente ligado ao trabalho, podendo-se

distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião e por tudo que se queira. Mas a verdade é que eles próprios começam a se distinguir dos animais logo que começam a produzir seus meios de existência, e esse passo à frente é a própria conseqüência de sua organização corporal. Ao produzirem seus meios de existência, os homens produzem indiretamente sua própria vida material. (MARX, 2007, p.10)

A organização do trabalho, entretanto, tende a dissociar o trabalhador do produto imediato do seu trabalho, passando sua contribuição a ter uma dimensão social e, portanto, um significado mediato e abstrato.

O produto do trabalho do trabalhador passa a ser consumido de forma coletiva, por desconhecidos, sendo que, em alguns casos, somente será percebido e usufruído por gerações posteriores. Esse mecanismo muda a relação do trabalhador com o produto de seu trabalho e depende da exploração da mão-de-obra, num crescente processo de desumanização do trabalhador, em que “o trabalho está objetivado e o objeto trabalhado. O que do lado do trabalhador aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imóvel na forma do ser, do lado do produto. Ele fiou e o produto é um fio” (Marx, 1983, p.151).

Assim, se as condições de trabalho são depauperadas, também o próprio homem será pauperizado, sendo sua exploração e alienação intensificadas. As dimensões propriamente humanas - a estética, a ética e política - são consideradas fúteis, usufruídas por um pequeno grupo, como prêmio ou privilégio aos detentores do capital, um luxo inútil para os trabalhadores. O ser humano fica reduzido à sua vida animal, à satisfação de suas necessidades básicas de sobrevivência, somente sentindo-se ativo “nas suas funções animais – comer, beber e procriar, quando muito na habitação, no adorno, etc. – enquanto nas funções humanas se vê reduzido a animal” (Marx, 1983, p.162), servindo apenas como força de trabalho para que outros – os capitalistas – possam usufruir dos demais aspectos da existência. Marx ironiza

Quanto menos cada um comer, beber, comprar livros, for ao teatro ou ao baile, ao bar, quanto menos cada um pensar, amar, teorizar, cantar, pintar, poetar, etc., tanto mais poupará, tanto maior será o seu tesouro, que nem a traça nem a ferrugem roerão, o seu capital. Quanto menos cada um for, quanto menos cada um expressar a sua vida, tanto mais terá, tanto maior será a sua vida alienada (Marx, 1983, p. 210-220).

Assim, o que se observa é que a escola, ao adquirir a finalidade de preparar para a adaptação à ordem social associada ao setor produtivo, desenvolvendo a disciplina, a submissão, a exatidão, a restrição à criatividade, relega para um plano secundário sua verdadeira finalidade de agente de modificação social.

Portanto, a preocupação do SENAI se explica se entendermos que, ao buscar o resgate da humanização dos indivíduos, o faz como uma visão técnico-utilitarista das relações de produção, em que o homem é elemento imprescindível.

Finalizando frisamos que, nesses sessenta e cinco anos de atividades - informa-nos seu site - “a média de 15 mil alunos dos primeiros anos transformou-se em cerca de 2 milhões de matrículas anuais, totalizando aproximadamente 43,2 milhões de matrículas desde 1942” (www.senai.br). A permanência desse sistema de ensino profissionalizante por tanto tempo deve-se a vários fatores, sendo o principal a afinidade entre Governo e CNI empresarial, que propiciou a permanência nos órgãos dirigentes de representantes da elite industrial, a quem o Estado nunca enfrentou, passando sem dificuldades por mudanças político-ideológicas dos governos e por mais ou menos intensos movimentos operários. Da mesma forma, ao aceitar o SENAI como órgão representativo da educação profissionalizante aceita pela CNI, a massa empresarial desobriga-se de quaisquer outras ações e contribuição, tanto ao Estado quanto aos órgãos representativos das indústrias.

Quanto às funções docentes, majoritariamente ocupadas por técnicos, engenheiros, psicólogos e assistentes sociais, as contratações sempre estiveram atreladas a um rigoroso processo seletivo, sendo aceitos aqueles que demonstravam maior afinidade com a ideologia do SENAI, com algumas raríssimas exceções, como Paulo Freire, que começou sua carreira docente como diretor do SESI de Recife sem nunca perder, entretanto, seu discurso e sua prática inovadores.

Sinal da mudança dos tempos, a partir dos anos de 1990, o SENAI passou a declarar uma valorização do conhecimento prévio trazido pelo operário, alegando que o aproveitamento das “competências pessoais” possa fazer com que o operário desempenhe melhor o seu trabalho, levando-o a compreender as rápidas mudanças tecnológicas que atualmente perpassam o processo produtivo. Segundo o SENAI, não se pode mais “esperar do trabalhador que repita gestos automáticos, hoje realizados por robôs; espera-se, do trabalhador atual, cada vez mais o domínio de conhecimentos. Cada vez menos, o domínio do gesto”. (SENAI 1992 p.06).

Durante todo o ano de 2008, novo embate entre o MEC, a CNI e o SENAI sobre a criação do FUNTEP levaram à divulgação de novos documentos. A proximidade dos fatos ainda não nos permitiu uma análise sobre seus desdobramentos, que culminaram com aquilo que se convencionou chamar na mídia de “um acordo bom para todos”. Foi selado em 22 de julho de 2008 um termo de compromisso entre o governo federal e empresários, preservando a autonomia administrativa do Sistema S. O SENAI e o SENAC vão ampliar a oferta de cursos gratuitos, com o objetivo de chegar, até 2014, a utilizar dois terços de seu orçamento para isso.

Porém, a acirrada polêmica ainda não terminou. Certamente, em breve, mais uma vez, as forças se enfrentarão, cada qual tentando manter seu poder e a manutenção de suas posições, numa bifurcação cíclica que retorna de tempos em tempos: Estado ou Sistema S - a quem caberá a responsabilidade, a partir do século XXI, pela educação profissionalizante no país?

Não há uma resposta, mas podemos afirmar que a educação profissionalizante oferecida pelo SENAI transita entre o desejo das classes dominantes de se manterem no poder para, a partir dali, capacitar trabalhadores que elas mesmas utilizarão e o discurso da “prestação de serviços”, através do qual tenta convencer (e muitas vezes consegue) a opinião pública de que pratica uma educação democrática e desinteressada.

O que esperar do SENAI para esse terceiro milênio é um grande mistério. As condições estão dadas, as críticas e defesas encontram-se no centro do debate, as partes – de igual força, aliás – encontram-se preparadas para a defesa de seus interesses. Resta-nos aguardar o desenrolar dos acontecimentos para avaliar se prevalecerá a força do Sistema S ou se, numa reviravolta, viveremos um retorno ao modelo novo-velho das iniciativas criadas pelo Estado para o ensino profissionalizante no Brasil.

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