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Um Conto Sabarense

Por:   •  6/9/2017  •  Ensaio  •  3.500 Palavras (14 Páginas)  •  199 Visualizações

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Prólogo

    As dezessete horas e trinta minutos no inverno em Sabará já começa a escurecer. Do fim da Rua Diolindo de Jesus, chegando à Vila Esperança, se vê luzes se acendendo nas casas. A montanha atrás da Belgo Mineira já adquire tons negros de sombra. Pessoas sobem a Diolindo de Jesus bastante devagar devido á subida longa e forte, Quase todo mundo se conhece e por isso se vê pessoas interrompendo a subida para bater um papo com outras que estão nas janelas e portas das casas. Sempre há coisas para se falar, seja fofocas ou noticias dos últimos acontecimentos.

    Cicinho estava subindo a rua e se sentara em um meio fio de calçada alta, mochila no ombro, conversando com seu amigo Tiago. Ele sempre parava naquele local ao subir para casa. Sempre fora amigo do Tiago gostava de conversar com ele, devido ao fato de ser excelente humorista, sempre fazendo todosà sua volta se divertirem muito. Cicinho era para Mauricio um apelido que soava a algo afeminado. Sua falecida avó o chamava assim desde que nascera. Ele bem que tentara não ligar para que não pegasse, mas, com o passar do tempo, ira que era inútil resistir. Agora era sua marca registrada. Se procurassem por Mauricio no bairro, ninguém, exceto sua família, saberia quem era.

    Aquele fim de tarde iria marcar para sempre as vidas do Cicinho e do Tiago. As pessoas subiam a rua empurrando suas bicicletas, montados em motos, a pé, de carro. Era o horário em que as pessoas iam para casa após um dia de trabalho. Ninguém reparou em uma motocicleta preta que parara quase em frente aos dois. O seu ocupante retira um telefone celular do bolso da jaqueta de couro, fala algo, funciona a moto e sobe devagar, passando em frente a Cicinho e Tiago.     Desce a rua e para pouco abaixo deles, descansando os cotovelos no guidon da motocicleta, ficando assim por um pouco de tempo, fingindo olhar distraidamente para o casario da cidade logo abaixo deles. Um automóvel Gol de cor prata se aproxima subindo a rua. O motociclista faz um sinal de positivo. Logo, um jovem magro, aparentando uns dezessete anos desse do automóvel que,subindo a rua, desaparece no topo da ladeira. O jovem está com com um capacete dependurado no braço. Passa pelo motociclista com um sorriso de deboche nos lábios. A dez metros de onde estava Cicinho e Tiago, enfia a mão no cós da bermuda jeans, na parte traseira, saca uma pistola automática de nove milímetros e aponta para os dois amigos. Instintivamente, Cicinho dirige o olhar para o jovem, no mesmo instante em que este destravava a arma e acionava o gatilho.

     O instinto de sobrevivência o faz se jogar para o lado esquerdo, para longe do Tiago, uma fração de segundos antes de escutar o primeiro estampido. Sente o projétil passar rente ao seu pescoço, enquanto empreende uma desesperada corrida rumo ao topo da rua. O jovem atirador não contava com a agilidade de Cicinho e vacila por uns segundos. Tempo precioso para que o rapaz sumisse na curva da rua, já quase chegando ao topo. O atirador então começa a correr em direção onde ele havia sumido. O motociclista dá partida na moto, no intuito de colocar o atirador como carona para iniciar uma perseguição. Tiago, ainda meio atordoado pelo acontecimento inesperado, percebe a manobra. O período em que servia nas forças de paz da ONU no Haiti,o havia deixado com sentidos sempre em alerta ao menor sinal de perigo. Sem vacilar, se lança ao lado da motocicleta, estende o braço e consegue agarrar o pescoço do franzino piloto. Como não queria se arriscar, caiu ao chão com ele, prendendo-o numa espécie de gravata de pescoço, enquanto grita para as pessoas chamarem a policia.

     Cicinho chega ao alto da Diolindo de Jesus resfolegando como um cavalo depois de uma longa carreira. Correndo sem parar,olha para trás e vê o jovem armado aparecer a uns cem metros atrás dele, na ultima curva da rua. Esse não era um bom atleta e estava já quase que trotando ao invés decorrer. Bastaria Cicinho correr mais uns cinquenta metros e entrar na Rua Ouro, onde residia. Porém, não queria colocar a vida da família em perigo e resolve passar reto, em direção ao Parque Chácara do Lessa.        

    Ouve um novo estampido e sente uma queimação no braço esquerdo, quase a altura do ombro. Resolve abandonar a rua, se lança para a esquerda, em direção ao barranco de terra cinzenta, característica da região. A despeito do ferimento no braço que sangrava copiosamente, conseguiu galgar o barranco. Chegando no alto, ouve novo estampido e sente o impacto na coxa direita. Corre em direção ao mato e sente outro impacto nas costas ao lado direito, próximo à clavícula. A cabeça está zumbindo, a paisagem ao seu redor se embaralhando, como imagem de TV mal sintonizada. Mas, como um titã, na ânsia de sobreviver, se arrasta dolorosamente por mais alguns metros, se embrenha no mato mais fechado. A sua frente,um alto barranco, que terminava a trinta metros de uma trilha que o conduziria em direção à rua que terminava lá embaixo, na rua São Francisco. Ele pensa que se estiver em lugar movimentado, dificultaria a ação do atirador. Ele já não aguentava se manter de pé. Se o atirador ainda estivesse em seu encalço, logo o alcançaria e tudo estaria terminado. Pensando assim, se lança em direção ao barranco, na intenção de desce-li e escapar. Mas, foi sua ultima tentativa de fuga. Sente o chão forrado de ervas e folhas secas subir vertiginosamente em direção ao seu rosto. Esta é a sensação de quem está desfalecendo. Não se sente que está caindo e sim que o chão está subindo, devido ao total descontrole do corpo. Ainda teve um segundo de lucidez para exclamar dolorosamente: Mãe! E tudo se apaga para ele...

continua


Capitulo 1

    -Passa a bola, passa a bola! Deixa de ser fominha, Tição! Boa, minino! Segura essa, Carlinho!

Todas as tardes, o jogo de pelada no Bernadão era certo. Estranho como o cansaço de uma jornada de trabalho não impede umas boas corridas atrás da bola num jogo de pelada. Por isso saem tantos craques da bola no Brasil. Naquela tarde de sexta feira, o jogo estava mais animado, várias equipes “de fora”, como diziam, esperando uma das equipes ser eliminada para poderem entrar. Porque aos sábados, ninguém trabalhava. Todos os anos havia o campeonato de pelada do Bernadão. Era um evento bastante concorrido, com participação de equipes da Vila Esperança, Córrego da Ilha, Morro da Cruz, Campo Santo Antonio, além de Esplanada e Caieira. Invariavelmente, se alternava o titulo do campeonato entre Córrego da Ilha e Caieira, que tinham as mais fortes equipes.

    Aquela pelada da sexta feira era especial, pois, era uma espécie de treino para o campeonato que começaria no próximo mês. O campo era de terra batida, o que deixava os jogadores cobertos de poeira que, se misturando ao suor, deixava as caras enlameadas, motivo de repreensão das mães e esposas na volta para a casa. Haviam dois jogadores considerados veteranos devido à idade, embora não gostassem de serem tratados como tal: Arruda, trinta e nove anos e Puliça, 42, ex sargento temporário do exército, negro alto e espadaúdo, que atropelava seus pobres adversários que ousavam ser zagueiros contra ele. O resto era uma miscelânea sem faixa etária definida. Haviam garotos de quatorze aos 25 anos. Arruda chega em casa, abre a porta da sala, Helena,sua esposa mulata linda, lhe dirige um olhar que mais parece uma punhalada. Esse olhar passeia do seu corpo sujo da terra do Bernadão ao chão muito bem limpo, com cheirinho de floral. Helena nãoprecisa dizer mais nada. Seu olhar diz mais que um milhão de palavras para arruda que, desistindo de entrar, volta sobre os passos, passa pela garagem e se dirige aos fundos da casa, onde há a torneira do jardim. Encaixa a mangueira, tira a camisa ficando apenas de calção e abre a água, eleva a ponta da mangueira acima da cabeça deixa escorrer por um tempo pelo seu corpo. Helena aparece na janela da cozinha: -E o Senhor queria deixar rastro de terra na sala! Rum! Folgado! Ajudar a arrumar, ninguém quer!- Diz ela, desaparecendo da janela em seguida para vigiar a panela de carne com mandioca que borbulhava no fogão.  

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