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VIOLÊNCIA: UMA PERSPECTIVA ANTROPOLÓGICA

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Por:   •  31/5/2013  •  Tese  •  1.521 Palavras (7 Páginas)  •  570 Visualizações

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VIOLÊNCIA: UMA PERSPECTIVA ANTROPOLÓGICA

Gilberto Velho*

Em 1986, na Reunião da SBPC em Curitiba, presidi um simpósio sobre violência no Brasil que resultou em uma publicação que, na época, teve bastante repercussão[1]. Foram três mesas redondas que reuniram cientistas sociais e outros profissionais voltados para a problemática de segurança pública. Já havia, naquele momento, um consenso sobre a extrema gravidade do problema. Um dos pontos fundamentais foi salientar e distinguir vários tipos de violência, procurando complexificar a abordagem ao evitar retificar aquela noção. Assim, foram discutidos, entre outros temas, a desigualdade e a pobreza, a violência no campo, a violência contra as minorias étnicas e os gays, o racismo e o aparato e características do sistema prisional.

Passados quase vinte anos ficamos, ao reler esses textos, com sentimentos ambíguos e contraditórios. De um lado, poderíamos desenvolver certa satisfação intelectual ao verificar que as observações e análises mantiveram, em geral, sua consistência e propriedade. Ainda nessa linha, fica evidente que os cientistas sociais não só perceberam e identificaram a gravidade do problema, que só se avolumou nos anos que se seguiram, como também apresentaram sugestões e propostas concretas em termos de implementação de políticas públicas. Em contrapartida, ficamos com um doloroso sentimento de que nossos trabalhos e denúncias muito pouco efeito tiveram junto às autoridades públicas responsáveis, em diversos níveis, no que toca à questão da violência e da segurança pública. Do mesmo modo, não fomos capazes de sensibilizar e mobilizar a sociedade civil para que atuasse de modo mais vigoroso e consequente em sua própria defesa. Frise-se que nessas quase duas décadas a SBPC retomou, em várias ocasiões, a discussão e a denúncia dessa crescente ameaça à sociedade brasileira.

II.

Hoje gostaria de chamar atenção para uma das consequências mais sérias diante da generalização da violência, entendida como ameaça física produtora de risco de vida para os diferentes grupos e segmentos que compõem a nossa sociedade. Refiro-me à sociabilidade, base constitutiva da vida social. O que se chama, às vezes toscamente de “sensação de insegurança”, nos leva a uma sociologia ou antropologia do medo. As experiências diretas ou indiretas com episódios violentos de natureza física e/ ou simbólica como furtos, roubos, assaltos, ameaças, sequestros, agressões, tortura e assassinato compõem um quadro de radical alteração nas expectativas e padrões de sociabilidade. Cada vez mais, especialmente nos grandes centros urbanos, evidencia-se uma extrema cautela chegando à desconfiança e mesmo à rejeição diante da possibilidade de contatos e interações sociais diferenciados. Embora haja um esforço, em alguns casos, de estabelecer pontes entre diferentes categorias sociais, predomina crescentemente uma tendência endogamia de retração e isolamento social. Esses processos, certamente, não são lineares e apresentam descontinuidades e contradições.

É mais do que notório, embora nem sempre assimilado de modo consequente, que a situação das populações mais pobres, habitantes de favelas, conjuntos residenciais e periferias é a mais dramática. Estão sujeitas, de um lado, à ação direta e opressora de gangues de bandidos e traficantes. A sua vulnerabilidade evidencia-se mais ainda diante da ação policial, frequentemente não seletiva, arbitrária e truculenta e, muitas vezes, em diferentes regiões do país associada a grupos de extermínio. As lutas entre as gangues e os confrontos com os órgãos de segurança produzem dezenas de milhares de mortes todo ano no Brasil. A vida nas áreas urbanas mais pobres fica sujeita a um toque de recolher, quase que permanente, em que fica flagrante a impotência de seus moradores. As associações tradicionais ou desaparecem ou se enfraquecem dentro desse quadro de grande violência física e pressão simbólica. Os supostos direitos elementares de ir e vir, por exemplo, não tem sustentação nem continuidade. As pessoas ficam cada vez mais retraídas e restringidas em seus movimentos[2].

Nas pesquisas que realizo e coordeno, sobretudo com as camadas médias da cidade do Rio de Janeiro, talvez um caso limite, fica de outro modo, muito claro esse movimento de enclausura mento. Nas gerações mais velhas, a partir da meia idade, uma das mudanças de padrão mais visíveis é a redução de programas noturnos e a evita de frequência a lugares públicos. Ou seja, as ruas, à noite, mais do que nunca aparecem como lugares perigosos. Ir ao cinema, ao teatro, a um evento musical passa a ser uma operação cercada de precauções e de elaboradas estratégias que envolvem desde a organização de verdadeiras expedições coletivas, até a contratação de seguranças particulares para proteção. Os shoppings e as residências particulares passam a serem os locais considerados menos inseguros e, portanto, mais adequados às atividades sociais. As residências prédios e condomínios transformam-se em verdadeiros bunkers, repletos de barreiras e equipados com controles de mais variados tipos[3]. As gerações mais novas desenvolvem as suas próprias táticas para o seu deslocamento dentro da cada vez mais agressiva “selva das cidades”. Na realidade, a maioria das selvas, provavelmente, envolve menos riscos do que hoje sair à noite em boa parte do Rio de Janeiro e de São Paulo. Mas os jovens elaboram, através de suas práticas, mapas socioculturais com trilhas e caminhos próprios. Negociam com suas famílias os seus modos de sociabilidade.

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