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A QUESTÃO DAS IDENTIDADES NA COPA DO MUNDO DA FIFA: UMA EXPERIÊNCIA EM ARTE/EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO ESPAÇO ESCOLAR

Por:   •  7/5/2018  •  Artigo  •  1.452 Palavras (6 Páginas)  •  280 Visualizações

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A QUESTÃO DAS IDENTIDADES NA COPA DO MUNDO DA FIFA:

UMA EXPERIÊNCIA EM ARTE/EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO ESPAÇO ESCOLAR.

Ana Paula Vasconcellos Moreira

Nas semanas anteriores à Copa do Mundo da FIFA, elaborei um projeto que seria desenvolvido com estudantes do 2º ao 5º ano durante as aulas de artes com o objetivo de problematizar falas e práticas racistas e discriminatórias naturalizadas na escola. Foram inquietações suscitadas a partir dessas falas e de outros comportamentos observados no espaço escolar, reprodutores dos estereótipos cuja implementação da lei 10.639/2003 procura combater, que levaram ao desenvolvimento do projeto.

O primeiro momento trataria da observação e discussão a partir do álbum de figurinhas da Copa; o segundo momento, da observação do trabalho plástico da artista Angélica Dass e seus desdobramentos e o terceiro momento trataria de um olhar sobre si a partir da composição de autorretratos utilizando cores de pele com tintas manufaturadas pelos próprios estudantes. Na aula que antecedeu o início das atividades previstas, pedi que os estudantes trouxessem para a escola os álbuns de figurinhas e propus que pensássemos em uma leitura diferente dessas imagens. Os estudantes foram orientados a formar duplas; cada dupla ficaria com um álbum e faria comentários a medida que fossemos observando os conjuntos de figurinhas.

Quando observamos o time da Itália (Fig.1), os estudantes apontaram o fato de haver somente um integrante negro na equipe e fizeram comparações com o time da França. Os próprios estudantes levantaram a questão de a França ter sido responsável por um intenso processo colonial em África e que a presença de um grande número de jogadores negros na seleção está ligada a esse fator. Observando a seleção da Bélgica, os questionei sobre o conceito de diversidade; se era possível observar diversidade naquele grupo e os estudantes disseram que havia muitas pessoas com características diferentes umas das outras no time e que, portanto, era um grupo diverso.

[pic 1]

           Figura 1. Fonte: www.fifaworldcuphub.com

A discussão sobre o álbum de figurinhas durou aproximadamente duas aulas e houveram muitos comentários acerca de polêmicas recentemente noticiadas no futebol, como o caso do jogador Daniel Alves. Alguns estudantes afirmam que o racismo é uma prática superada no Brasil, visto que a maioria da população descende de negros e índios. Outros, afirmam que as práticas discriminatórias ocorrem, apesar de jamais terem presenciado qualquer episódio.

Orientei os estudantes a pensar sobre as próprias turmas como times, como grupos de pessoas em que todos têm características particulares; que observassem uns aos outros com atenção e que discutissem em que aspectos são parecidos e em que aspectos são diferentes.

Na aula posterior, pedi que os estudantes continuassem tendo esse olhar cuidadoso e atento sobre o grupo e os apresentei ao trabalho da artista Angélica Dass, intitulado Humanæ. Nesse trabalho, a artista fotografa uma imensa diversidade de pessoas cuja cor de pele se define pela cor aproximada na tabela Pantone. O código da tabela correspondente à cor de pele do retratado dá o título à imagem (Fig.2).

[pic 2]

           Figura 2. Fonte: www.photoespanabr.com

As turmas observaram muitos retratos do projeto Humanæ e ao final da aula perguntei se os estudantes viam qualquer relação entre os álbuns de figurinhas e esses retratos. Alguns disseram que os retratos montam uma espécie de álbum de figurinha, porém essas pessoas não formam um time. Questionei-os então se não se trata de um álbum de identidades diversas, já que a questão levantada pela artista é justamente essa; de sermos diversos, de existir uma infinidade de cores de pele, nos livrando do pensamento dicotômico ao qual estamos habituados.

Uma das falas mais desconcertantes de todo o processo surgiu em sala de aula, após a apresentação desse trabalho em uma turma do 5º ano, quando um estudante relatou que sua avó sempre havia dito que ele tinha o sangue azul e que por isso, era puro. Percebi que as discussões o estavam afetando profundamente e o orientei a refletir sobre essas falas e que tentasse pensar sobre si, não somente a partir do outro, mas de uma forma que o fizesse sentir confortável consigo.

As próximas aulas seriam dedicadas à manufatura de tintas que se aproximavam da cor da pele de cada estudante e à composição de autorretratos para a construção de um álbum coletivo de identidades. Para a mistura das tintas foram separadas quatro cores existentes no mercado (preta, bege, marrom e branca) (Fig.3), sendo uma delas comercializada com o nome amarelo pele (Fig.4).

   [pic 3]   [pic 4]

                            Figura 3.                                                              Figura 4.

A princípio, os estudantes foram orientados a misturar quantidades aleatórias de cada tinta para tentar chegar à cor aproximada da própria pele. Observei que houve alguma resistência na utilização da cor preta. Os estudantes negros pareciam não se sentir à vontade para usar a cor preta ou a cor marrom pura e pediram que eu apontasse a cor de pele deles. Vários estudantes mostraram-se inseguros nesse momento, de fazer a auto declaração visual. Por fim, os orientei a buscar uma cor que os deixassem confortáveis. Foram realizadas dezenas de misturas e os estudantes experimentaram as tintas na própria pele (Fig. 5 e 6). Um dos momentos mais interessantes dessa pesquisa foi observar a descoberta dos estudantes sobre si mesmos. Muitos mostraram-se perplexos quando perceberam que a cor de sua pele era mais próxima da cor marrom do que da cor branca ou da cor amarelo pele. Os estudantes sorriam quando encontravam uma cor que os identificava e depois de algumas experimentações, encontrar a própria cor tornou-se mais relevante do que o fato de ser a cor que anteriormente eles julgavam ideal.

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