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A Polis Circense - sobre espetáculo, violência e poder local

Por:   •  6/11/2017  •  Trabalho acadêmico  •  4.497 Palavras (18 Páginas)  •  237 Visualizações

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A polis circense e um grito de dor: crescimento e violência no “PAÍS DE MOSSORÓ”

Francisco Vanderlei de Lima

Introdução

O presente trabalho consiste numa pesquisa sobre a percepção da população de Mossoró acerca do enfrentamento e busca de soluções para o problema da violência urbana diante do crescimento das cidades médias, em que se intensificam os problemas típicos das grandes cidades brasileiras. No crescimento dos municípios médios também ocorreu um investimento nos mercados imobiliários com a construção dos chamados condomínios fechados. A classe média destas cidades tem assumido a vida nos condomínios privados como alternativa para o problema de segurança pública, já que nas casas, como residências, há uma maior vulnerabilidade à violência decorrente dos assaltos e furtos. No entanto, as estratégias adotadas por estratos sociais mais abastados, no sentido da busca de proteção por meio das residências condominiais privadas, levam a crescente desresponsabilização do Estado, pois o comportamento da classe média, se caracterizando fortemente como individualista, prescinde, em suas estratégias de proteção social, de soluções coletivas. Com isso tem-se o abandono dos espaços públicos, tornando-se perigosos, já que o mundo protegido é o mundo dos condomínios. A base teórica que presidiu este trabalho de investigação foi a teoria da escolha racional, onde apreendemos as ações sociais a partir das estratégias racionais, usadas pelos indivíduos, para a obtenção de vantagens na ação, e a noção de hierarquia, largamente discutida na antropologia com as teorias que procuram discutir os modos de vida nas zonas urbanas.

O problema da violência urbana constitui um dos grandes desafios contemporâneos de análise no campo das ciências sociais no Brasil atual. A temática tem uma relação entre ocupação populacional em condomínios privados, como estratégia individual da classe média para se proteger da violência urbana, e o abandono e desproteção dos espaços públicos destas cidades como praças, bosques, etc. Isso criaria uma lógica urbana baseada em verdadeiras “cidades” dentro de outra, já que os condomínios substituiriam, gradativamente, os convencionais espaços públicos de sociabilidade, acima mencionados. Os estudos recentes sobre a violência urbana têm mostrado um crescente aumento desse fenômeno nas cidades médias. (Waiselfsz, J. J, 2010), coincidindo com um forte processo de urbanização que as caracteriza nesse contexto.

  1. A violência vai de encontro à cidade

Mossoró tem uma população estimada de 291 mil habitantes e uma economia baseada na produção salineira, fruticultura, extração petrolífera e um ampliado setor terciário. Na última década, houve um crescimento exponencial do setor imobiliário nas cidades médias, em razão da demanda por habitação, haja vista a pujança econômica das mesmas. Ressalta-se que as cidades médias foram as que mais cresceram no Brasil nesta última década, conforme pesquisa do IPEA (2008). O que caracteriza as cidades como médias é, sobretudo, o número de habitantes. O IPEA considera como de porte médio aqueles municípios com uma população situada na faixa de 100 mil a 500 mil habitantes. No Brasil, houve, nos últimos anos, uma tendência de migração para as cidades médias, em razão das mesmas apresentarem novas oportunidades econômicas e de trabalho, como também uma boa estrutura de serviços e lazer, oferecendo qualidade de vida aos seus habitantes. Na base do crescimento dos municípios médios está a realização, por parte do Governo Federal, de enormes investimentos, especialmente, no Nordeste brasileiro.

Mossoró, neste cenário descrito, foi alavancada a um patamar de desenvolvimento econômico com forte impacto positivo no setor imobiliário. Os investimentos na cidade se deram, sobretudo, no seu bairro mais nobre, que é a Nova Betânia, onde foi construído o primeiro shopping center do município, o Mossoró West Shopping. No mesmo bairro, próximo ao shopping, foi instalada a Universidade Potiguar e inúmeros condomínios de luxo, como o Alphaville e o Sun Ville. Outros empreendimentos na área, de grandes redes varejistas como o Atacadão-Carrefour e o Hiper Bompreço (Wal-Mart), também foram construídos. Concomitante a estes empreendimentos, foi se dando uma verticalização no plano imobiliário. A construção de condomínios no município é em sua maioria, voltada para a classe média.

Contudo, foi nesse cenário de crescimento econômico, que alguns problemas típicos das grandes cidades começaram a surgir. Destes, destacamos os crescentes índices de violência. Na verdade, as cidades cresceram com o desenvolvimento econômico, mas mantiveram-se ainda sob uma forte desigualdade social. Essa desigualdade tem refletido nos índices de violência da seguinte forma: em Mossoró, no ano de 2009 a taxa homicídios foi de 42 para cada grupo de cem mil habitantes; em 2010, as taxas chegaram 48 por grupo de cem mil habitantes (Essa tem sido a referência utilizada internacionalmente para parametrizar os homicídios). Em 2011, a cidade ostentava uma taxa de 56 de homicídios por grupo de cem mil habitantes, chegando à taxa de 80 casos por grupos de cem mil habitantes até o final de 2011.

Assim, diante da permanência das contradições sociais e de um Estado com dificuldades de resolução dos conflitos, vê-se que os cidadãos procuram estabelecer soluções, na maioria dos casos, de forma individual. No que tange ao problema da violência e da segurança pública, as estratégias de proteção são encontradas, na classe média, por meio da habitação dos condomínios privados. Com isso, busca-se a proteção individual, criando verdadeiros “bairros” nestes condomínios, e reconfigurando o conceito de cidade a partir de domínios particulares. A concepção dos condomínios é a de não só estabelecer residências, mas também o de criar espaços de sociabilidade e lazer, “substituindo”, gradativamente, os espaços públicos na cidade, como as praças, bosques ou outros que, tradicionalmente, eram ocupados pela população e se construíam, frequentemente, relações de sociabilidade através de encontros e atividades lúdicas e práticas esportivas. Estes espaços mais tradicionais da cidade, pouco a pouco, são abandonados e ficam desprotegidos, pois já não sendo mais áreas seguras as sociabilidades, ali estabelecidas, são transferidas para áreas residenciais privadas.

Estas estratégias das classes médias podem ser apreendidas pela teoria da escolha racional, desenvolvida por teóricos norte-americanos e, dentro das noções antropológicas de hierarquia social, pois haveria um duplo sentido nessa ação: uma, do campo da escolha racional, é aquela em que as escolhas individuais são racionais, mesmo que haja uma perversa consequência social (Boudon, 1979), neste caso, da perda dos espaços tradicionais de sociabilidade e lazer e de desresponsabilização do Estado. No segundo sentido, numa perspectiva de hierarquia da vida social brasileira (Damatta, 1987; Dumont, 1993) demonstra uma concepção de abandono da população mais desassistida que não haveria como se proteger da violência. É possível apreender aí uma representação por parte da classe média de que o problema da violência não é de todos, pois haveria, dentro da perspectiva mais individualista, uma solução ao problema da violência que é o de se refugiar nos espaços privados. Deste modo, a dimensão pública do Estado é afastada e negada, na medida em que se buscam resoluções particulares, criando comunidades diferenciadas do conjunto maior da população, que não teria condições econômicas de se proteger da violência urbana.

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