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Carne E Osso

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Por:   •  8/11/2013  •  1.613 Palavras (7 Páginas)  •  506 Visualizações

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ÉPOCA – No documentário aparecem vários fiscais e pessoas ligadas ao Ministério do Trabalho e ao Ministério Público. Isso mostra que o governo sabe da quantidade de acidentes de trabalho no setor. Como o governo lida com essa situação?

Carlos Juliano Barros – Essa questão do trabalho nos frigoríficos revela uma posição completamente esquizofrênica por parte do governo brasileiro. De um lado, o governo estimula a atividade dos frigoríficos, investindo nela, principalmente via BNDES, que faz parte do capital acionário de vários frigoríficos do Brasil. Ou seja, o BNDES é sócio de vários frigoríficos do Brasil e está interessado que essas empresas cresçam, ganhem mercado. Porque ele é um banco de fomento, e seu interesse é que a economia cresça. O governo também acaba bancando os custos que essas empresas geram para a sociedade através do INSS. Ou seja, todo mundo que pede um auxílio doença ou uma aposentadoria por invalidez acaba comendo uma parcela dos recursos que a sociedade inteira paga. É a famosa "privatização dos lucros e socialização dos prejuízos", como (o economista) Celso Furtado já falava.

ÉPOCA – Uma das fontes no filme diz que essas empresas contribuem muito mais com doentes do que com INSS...

Barros – Eu não sei se essa conta é assim tão fácil de fazer. O fato é que gera uma grande despesa. Uma parcela do rombo da Previdência (Social) é devido a empresas que superexploram seus trabalhadores e acabam sendo bancadas por toda a sociedade. Não são apenas os frigóríficos, mas todas as empresas. Só que os frigoríficos lesionam mais do que empresas de outros segmentos, comprovadamente. Se por um lado o governo estimula essas empresas via BNDES e banca os custos que essas empresas geram pelo INSS, o governo também tenta, por meio dos órgãos competentes, como Ministério do Trabalho, fiscalizá-las e evitar que elas continuem lesionando cada vez mais o trabalhador.

ÉPOCA – Mas qual é o lado mais forte?

Barros – Você tem dúvida? O próprio governo tem interesses econômicos pesados em jogo. A gente está falando de uma cadeia produtiva que é muito longa e gera muitos empregos. O setor de carnes é o terceiro item da balança de exportação do agronegócio brasileiro, só fica atrás da soja e do açúcar/etanol. Sendo que o agronegócio é visto como a menina-dos-olhos da balança comecial brasileira. Você não está falando de qualquer segmento econômico, você está falando de um dos principais do país. Obviamente você vai resvalar em pessoas que vão dizer que fechar o cerco contra essas empresas prejudicará um setor muito importante para a arrecadação de divisas. E é verdade. Mas ao mesmo tempo você precisa botar na balança: é de interesse do Brasil, da sociedade, ter um segmento econômico que ganha muito dinheiro, mas lesiona seus trabalhadores de forma impressionante? Eu acho que não. Para quem esse dinheiro está sendo destinado, que tipo de benefício está gerando? Será que é realmente um benefício?

ÉPOCA – Você acha que vai ter gente que vai parar de comer carne? Há muitas cenas de carne e sangue, e algumas pessoas podem se impressionar com isso.

Barros – Quando a gente pensou em fazer o filme, a ideia de vegetarianismo não estava no escopo do trabalho. A gente sabia que podia até atingir esse público, mas a ideia não é fazer um filme militante do vegetarianismo. Acho que quem já é vegetariano e critica as condições e tratamento dos animais, agora vai ter um motivo a mais e criticar as condições dos trabalhadores. Eu, sinceramente, não virei vegetariano, mas reduzi bem o consumo de carne e deixei de comer presunto, salsicha, peito de peru... Aconteceu comigo e não é uma questão sanitária, é por tudo o que eu vi e ouvi. Não é uma experiência comum, você repensa várias coisas. A gente quer provocar um debate: é possivel que exista uma carne produzida em modelos menos degradantes para o trabalhador? É perfeitamente possível, é só contratar mais gente, diminuir o ritmo, não é nada absurdo.

ÉPOCA – Foram dois anos de pesquisa de campo. O que motivou a produção do documentário?

Barros – O documentário tem a ver com o próprio trabalho da Repórter Brasil. Ela se dedica a fazer matérias, estudos e pesquisas sobre questões relacionadas a direitos humanos, direitos trabalhistas e meio ambeinte. Essa questão do trabalho em frigoríficos o Repórter Brasil já havia visto, pequisado, e a gente resolveu fazer um documentário porque achava que era um assunto importante e não tinha a devida atenção (da sociedade). A gente tinha imagens e histórias e resolveu fazer.

ÉPOCA – E como vocês conseguiram entrar nos frigoríficos?

Barros – A gente contou com a colaboração de alguns órgãos do poder público, e teve a corajosa colaboração de alguns trabalhadores. Não vamos revelar seus nomes porque sabemos que eles podem sofrer represálias.

ÉPOCA – Por que vocês não revelaram o nome das empresas? Apenas um frigorífico foi visitado ou são vários?

Barros – A gente não quer individualizar as críticas. A ideia não é apontar o dedo para uma empresa específica. A ideia não é dizer "a empresa A ou B trata os trabalhadores de forma ruim". A ideia é lançar um olhar sobre o segmento de frigoríficos em geral. A gente não foi a todas as empresas frigoríficas do Brasil, mas a gente sabe, por relatos, por pesquisas e pelas pessoas que atuam nessa área que o sistema de produção dos frigoríficos em geral, ou seja, de todas as empresas, é extremamente degradante para o trabalhador, predatório. A ideia é tentar mostrar essa questão da forma mais ampla possível para ver se todas as empresas desse ramo tomem consciência e tentem mudar alguma coisa.

ÉPOCA – Vocês têm medo de represálias?

Barros – A gente ocultou a identidade das empresas, então não é uma questão de medo das empresas processarem a gente. É para reiterar essa ideia que a gente não quer individualizar, polemizar, nem creditar só a uma empresa as mazelas de trabalho nos frigoríficos. A gente quer que todas elas estejam representadas pelas empresas que foram mostradas, ainda que não identificadas.

ÉPOCA – O debate sobre como a empresa é vista pela sociedade e como ela é vista pelos fiscais é importantíssimo. Você sabe se existe algum tipo de trabalho, por parte desses frigoríficos, como forma de "compensação" aos traumas físicos e psicológicos que causam em seus funcionários?

Barros – Pelo o que a gente pode perceber ao longo das entrevistas, com fiscais e especialistas, essas empresas são muito refratárias a discutir essa questão e sistematicamente negam o problema. Elas acham que isso não é verdade, que elas não lesionam tanto assim. Na verdade, as coisas que ocorreram em termos de melhoria (nas condições de trabalho) foi fruto de pressão, dos órgãos da sociedade, dos sindicatos, e principalmente dos órgãos competentes. Aliás, esse documentário só foi possível porque tiveram pessoas muito corajosas que se prestaram a dar depoimento. Um fiscal fala que essas empresas vendem uma imagem para o mercado de que são socialmente responsáveis, e ele diz que não são. Que no dia-a-dia dele lá, elas não estão interessadas em mudar seu processo produtivo. As empresas, quando discutem, é mais por pressão do que por consciência. É mais porque o Ministério do Trabalho autuou, o Ministério Público do Trabalho moveu uma ação... É mais na base dessas pressões, tanto sociais quanto judiciais.

ÉPOCA – E o que vocês esperam depois das exibições no festival?

Barros – A nossa ideia não era fazer um filme para entrar no circuito comercial. A gente quer divulgar isso da forma mais ampla possível para que a sociedade conheça o problema e para que esse assunto seja discutido. A ideia é organizar debates no Brasil inteiro, e para isso a gente está apostando em parcerias, em alianças com entidades que possam encampar e assumir esse debate.

ÉPOCA – E os frigoríficos sabem da existência do documentário?

Barros – Certamente, as empresas são muito grandes, são multinacionais, têm entrada mundial nos mercados. Certamente já estão sabendo do documentário. E a gente espera que ele sirva para que elas se prestem a discutir e debater publicamente, se possível, melhorias nas condições de trabalho de seus funcionários.

ÉPOCA – Quais dados mais assustaram vocês durante a pesquisa?

Barros – Mais que os dados, são as histórias de vida que me impressionam mais. Os dados que realmente chamam atenção são de uma pesquisa com base em dados sociais do Ministério da Previdência Social que provam que quem trabalha em frigorífico está exposto a mais riscos do que a média de todos os outros segmentos. E também chama muito atenção a questão do transtorno psicológico. A gente não tinha essa dimensão, e os dados são comprovados pelos depoimentos dos trabalhadores que a gente entrevistou. Todos se queixam do ambiente frio, fechado, que parece um bunker de guerra, você não vê a luz do sol. Para a saúde mental de uma pessoa, isso realmente não faz bem. O clima da pressão por produtividade, o trabalho alienante, repetitivo, emburrecedor e que não agrega nada... Você não poder ir ao banheiro sem pedir autorização, não poder conversar com o cara do lado.

ÉPOCA – A trilha dá uma suavizada nas cenas impactantes e nas histórias trágicas. Foi intencional?

Barros – Você teve essa impressão? A ideia não era transformar o filme num dramalhão mexicano e sensacionalista, não é para as pessoas se descabelarem. Ele é forte, te faz refletir, te pega pelo estômago, quem não gosta de sangue pode se sentir constrangido, meio mal... Mas tinha que botar o dedo na ferida porque só assim você gera o impacto necessário para repensar e contribuir para a melhora das condições de trabalho nos frigoríficos.

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