TrabalhosGratuitos.com - Trabalhos, Monografias, Artigos, Exames, Resumos de livros, Dissertações
Pesquisar

O uso do hífen segundo o Acordo Ortográfico

Por:   •  2/5/2017  •  Pesquisas Acadêmicas  •  3.933 Palavras (16 Páginas)  •  276 Visualizações

Página 1 de 16

Introdução

De uso controvertido desde sempre, o emprego do hífen, mesmo com as novas regras definidas pelo recente Acordo Ortográfico, continua criando dificuldades para a compreensão do usuário da língua portuguesa. Assim, pensei, neste documento, disciplinar tal uso, procurando sistematizar essa questão de forma mais clara e didática.

Para tal propósito, dividirei a discussão do seu emprego em duas etapas, sob os seguintes rótulos gerais: (1) Usa-se o hífen; e (2) Não se usa o hífen. Em cada seção, aparecem exemplos e, às vezes, algumas justificativas consideradas necessárias ao esclarecimento dos tópicos apresentados.

PARTE I

O uso do hífen segundo o Acordo Ortográfico

  1. Usa-se o hífen:
  1. Continua a ser usado o hífen em casos de composição por justaposição. Note-se que, nesse caso específico, não entra em questão a derivação como processo formador de palavras, com seus prefixos e falsos prefixos — situação que, aliás, exige outra compreensão —, mas tão-somente os termos compostos.

Desse modo, persiste o hífen em palavras compostas formadas por:

  1. substantivo + substantivo: pombo-correio; médico-cirurgião; tenente-coronel; decreto-lei; arco-íris; turma-piloto; ano-luz
  2. substantivo + adjetivo: amor-perfeito; guarda-noturno; cajá-mirim; obra-prima; capitão-mor; conta-corrente; erva-doce
  3. adjetivo + adjetivo: azul-escuro; russo-americano; político-social
  4. adjetivo com forma reduzida + adjetivo: ítalo-brasileiro (italiano e brasileiro); hispano-americano (hispânico e americano); luso-brasileiro (lusitano e brasileiro); afro-asiático (africano e asiático); afro-lusitano (africano e lusitano)

Observação: Interessante notar que o composto “afrodescendente”, que aparentemente se encaixa na regra deste item, continua do mesmo jeito, sem hífen. É que, nesse caso, a redução de “africano” (“afro”) não indica duas etnias, como em “afro-asiático” ou em “afro-lusitano”, querendo apenas dizer que certo indivíduo descende de africano. O termo “afro” aí age adjetivamente. Da mesma forma e pela mesma razão elimina-se o hífen em “eurocomunista” ou em “francofilia” (ao contrário de “euro-africano” e de “franco-russo”, em que aparecem nitidamente duas nacionalidades ou duas etnias).

  1. numeral + substantivo: primeiro-ministro; primo-infecção; segunda-feira
  2. verbo + substantivo: conta-gotas; guarda-roupa; toca-discos; finca-pé
  3. substantivos unidos por preposição: pé-de-moleque; pão-de-ló; mão-de-obra

Observação: Aqui, no item 1.1.7, a persistência do hífen é necessária, pois serve para fazer a distinção entre, por exemplo, o doce conhecido como “pé-de-moleque”, resultado lexical de matiz metafórico e já gramaticalizado, e o pé de um menino chamado pelas pessoas de moleque, “pé de moleque”. Nessa segunda situação são permitidas a inclusão de termo, como se pode ver em “pé grande de moleque”, ou a transformação da preposição “de” em uma contração, como em “pé daquele moleque” ou “pé do moleque”, o que evidencia não se tratar de composto.

  1. verbos ou substantivos repetidos: quero-quero; ruge-ruge; ruge-ruge; tico-tico

Observações gerais:

  1. Nada mudou em relação ao que era, antes do Acordo, nos oito casos acima explicitados.
  2. Não aparece aí nenhum prefixo; trata-se só de termos — de base nominal, adjetival, numeral ou verbal — formados pelo processo de composição por justaposição. E a justaposição de palavras, sem incluir jamais prefixos ou falsos prefixos, é que determina, salvo algumas exceções, que as palavras do conjunto se separem por hífen.
  3. Em sua maior parte, as palavras unidas pelo hífen têm plena autonomia na língua, podendo encontrar-se separadamente em contextos verbais diversos e com sentidos variados: “Vou na quinta à escola, e não no sábado”; “Dê-me a terça parte do que arrecadar”; “O pombo voa”; “O pão está bom”; “A infecção durou muito tempo”; “O americano curte muito o Brasil”; “O guarda me parou na rua”; “Ele guarda tudo nos armários”; “Quero água”; “A obra que você escreveu é sofrível”; “O médico é bom nos seus diagnósticos” etc.
  4. Chama atenção, no Acordo, entretanto, que palavras como “manda-chuva” e “pára-quedas” (item 1.1.6) perderam extraordinariamente o hífen, passando a grafar-se “mandachuva” e “paraquedas”. Da mesma forma, as antigas formas “pára-lama”, “pára-choque” e “pára-vento” passaram a “paralama”, “parachoque” e “paravento”. (O conjunto musical, liderado por Herbert Vianna, terá de se ajustar à nova regra, passando a grafar “Paralamas do sucesso”. Ou, por ser uma marca, já era grafado assim e assim deverá se manter, à revelia das alterações gráficas?) Alegam os gramáticos que tais compostos perderam a noção de composição. Pode-se, no entanto, perguntar: e por que perderam? E, a ser assim, por que “guarda-chuva” ou “para-brisa” continuam a ter o hífen? Trata-se de uma inconsistência do Acordo Ortográfico.
  5. Fato que também chama atenção — por não ter sido resolvido pelo Acordo — é que convivem, lado a lado, as chamadas locuções substantivas, adjetivas,  adverbiais e prepositivas, às vezes com hífen, às vezes sem ele, havendo até desacordo entre os melhores dicionaristas do país. Por exemplo, o dicionário Aurélio grafa “dona-de-casa”, com hifens, enquanto o Houaiss registra “dona de casa”, sem hifens. Dentro desse capítulo escrevem-se sem hífen “cão de guarda”, “fim de semana”, “café com leite”, “estrada de ferro”, “pão de mel”, “pão com manteiga”, “sala de jantar”, “cor de vinho”, “à vontade”, “acerca de”, ao passo que se escrevem com hífen, sem que se saiba exatamente por quê, “água-de-colônia”, “arco-da-velha”, “cor-de-rosa”, “mais-que-perfeito”, “pé-de-meia”, “ao-deus-dará”, “à queima-roupa”. O jeito é, a continuar assim, recorrer à velha decoreba como forma de não se enganar ao escrever.
  6. Tratando ainda das locuções, a que mais tem sido alvo de engano é a locução adjetiva “à-toa”, que sempre tem hífen para poder diferenciar-se da homônima adverbial “à toa”, sem hífen. Em frases figés como “Não é à-toa que...”, a imprensa nacional e as grandes publicações brasileiras não têm usado o hífen, tratando essa locução adjetiva como adverbial. Note-se que, no lugar dessa locução, nesse tipo de construção, é sempre possível usar um adjetivo, e nunca um advérbio: “Não é casual que...”, ou “Não é fortuito que...”, ou, ainda, “Não é indiferente que...”. Sobre essa particularidade os dicionaristas e gramáticos têm-se calado. Particularmente cheguei a consultar até a Academia Brasileira de Letras, que não soube responder a contento a essa consulta.

  1. O hífen é usado em topônimos que
  1. contenham os adjetivos reduzidos grão e grã: Grão-Pará; Grã-Bretanha
  2. contenham, como forma inicial, um verbo: Passa-Quatro; Quebra-Dentes; Traga-Mouros
  3. ou, ainda, que contenham, no meio da composição, algum artigo: Trás-os-Montes; Entre-os-Rios
  4. ou simplesmente, fora das três regras ditas há pouco, constitua já uma tradição: Guiné-Bissau

Observação: Por isso, por não se enquadrarem nas regras enunciadas neste item, é que se grafam sem hífen “América do Sul”, “Estados Unidos”, “Costa Rica”, “Timor Leste” etc.

  1. O hífen é usado em compostos que nomeiam espécies de plantas (campo da botânica) e de animais (campo da zoologia), estejam ou não os seus componentes unidos por preposição:
  1. vegetais: erva-do-chá; couve-flor; ervilha-de-cheiro; abóbora-menina; favo-de-santo-inácio; bem-me-quer

Observação: No entanto, escreve-se “malmequer”, nome de uma flor — portanto, do campo da botânica. Isto ocorre, contrariando a regra, talvez porque essa palavra seja formada com o auxílio do advérbio mal, que, quando funciona como prefixo, restringe o emprego do hífen a palavras cujo segundo elemento é iniciado por vogal ou pela letra h, mas não às outras, as demais consoantes. Por contaminação, a grafia de “malmequer” faz perder os hifens (Ver o item 1.4.2, logo a seguir, deste documento).

...

Baixar como (para membros premium)  txt (27.4 Kb)   pdf (202.9 Kb)   docx (33.4 Kb)  
Continuar por mais 15 páginas »
Disponível apenas no TrabalhosGratuitos.com