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Roberto Da Mata

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Por:   •  24/9/2014  •  7.348 Palavras (30 Páginas)  •  244 Visualizações

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Introdução Filosófica

Todos sabemos que o futebol é um desporto onde a posse e o controle de uma bola pelos pés de indivíduos alocados em duas equipes antagônicas, movidas pelo imperativo de dar a ela uma destinação última (encaminhá-la a certa região da arena estabelecida para sua realização, a meta ou gol), constitui a sua “proposta” central. Também sabemos que muitas civilizações antigas, (astecas, maias, chineses, povos da Europa mediterrânea, etc.) praticavam jogos com semelhante viés.

Essa simples constatação, por si só, é capaz de suscitar interrogações do tipo: como é que povos tão distantes no tempo e no espaço, sem a menor possibilidade de se contatarem e trocarem informações, desenvolveram jogos como estes com as características gerais acima apontadas? Por que tal fenômeno veio a acontecer? A partir de que referenciais podemos tentar explicá-lo? Muito embora seja impossível responder a tais perguntas com precisão, devido mesmo a carência de dados e informações seguras, nem por isso elas deixam de ensejar reflexões. Afinal de contas, por mais que as eras se sucedam, desde a Idade Antiga até os dias contemporâneos os jogos coletivos em que equipes disputam a posse e o direito de atribuir a uma pelota determinado fim (dos quais o futebol é o remanescente atual) não caíram no esquecimento e muito menos perderam a capacidade de captar a atenção das pessoas em todo o globo. Assim, será que esse apelo tem a ver com o perfil dos elementos materiais e das ações corporais específicas à sua realização? Até que ponto a combinação desses fatores figuraria como causa de seu imenso poder de sedução? A que conclusões uma leitura hermenêutica do futebol nos levaria?

Futebol e a antropologia social de Roberto Da Matta

Da Matta é um antropólogo que aborda temas relativos a cultura brasileira (carnaval, malandragem, jeitinho brasileiro...). Este autor aborda a questão do futebol à partir da ideia de DRAMATIZAÇÃO, como parte fundamental do ritual. Segundo Da Matta, sem o drama não há rito e o traço distintivo do dramatizar é chamar a atenção para as relações, valores ou ideologias que de outro modo não poderiam estar devidamente isoladas das rotinas que formam o conjunto da vida diária, o seja, o ritual e o drama seriam um determinado ângulo através do qual uma dada população conta a sua história. Neste sentido, não se trata de discutir a verossimilidade dos fatos, mas de perceber como o brasileiro expressa-se, apresenta-se e revela-se em um dos seus momentos de liberdade social.

Ele indica que é fundamental que se visualize o futebol além do seu caráter funcional, pois só desta maneira torna-se possível compreender a função política e social deste esporte. Ele escolhe a inglesa (devido a “paternidade” do futebol), a americana (devido a sua significância e política mundial) e a brasileira (seu foco de análise).

Com base nesta indicação o autor mostra que no Brasil, o futebol está associado a técnica, a tática, a força física e psicológica, mas diferente da sociedade anglo-saxão, no Brasil se atribui muita importância a fatores como sorte e/ou destino. Um exemplo disto seria a presença da loteria esportiva na sociedade brasileira.

O futebol é na sociedade brasileira, uma fonte de individualização e possibilidade de expressão individual, muito mais do que expressão de coletividade. É através desta dialética entre individualização e coletividade, que o futebol brasileiro permite exprimir o conflito entre destino impessoal X vontade individual. Este e um dilema da própria sociedade brasileira, que o jogo de futebol focaliza e dramatiza, pois mesmo apresentando vontades individuais este esporte é regido por leis impessoais, apresentando fatores imprevisíveis que podem dar a vitória para uma equipe considerada menos apta para ser a vencedora, ou seja, não há um modo de prever com segurança uma relação direta (racional) entre os meios e os fins.

Conhecido por sua avaliação da sociedade brasileira, Da Matta resgatou valores que o futebol traz aos povos. Ao contrário do que muitos intelectuais pensam, ele afirma que o esporte promove uma igualdade prometida pelo liberalismo, mas pouco alcançada na prática. “O esporte é uma linguagem universal, coloca pobres e ricos em igualdade, todos têm o direito de opinar e discordar. Tem o direito de pertencer (a um time) e de escolher”, disse.

Além disso, traz a possibilidade de ascender socialmente, pois o sucesso depende de talento e desempenho, independentemente de cor, situação financeira ou nome de família. O negro e pobre pode ganhar do branco, o descendente de escravos pode ser uma estrela. O futebol transforma um país subdesenvolvido e atrasado em vitorioso, um povo que se via como doente e pobre passa a “ser” e “ter”.

O esporte tem valores capitalistas, como competir e vencer e, ao mesmo tempo, ensina a importância de perder e do outro no alcance do sucesso: um só vence porque o outro perde. “Na realidade brasileira isso é difícil, pois somos individualistas e ignoramos o outro (seus direitos e necessidades)”, disse.

Traz componentes positivos como valores cívicos, amor à pátria, cores nacionais, ter coragem, ser leal e coerente, vencer a indolência. O direito de escolher, torcer, em contraponto com a obrigação do trabalho. Ensina regras, que só podem ser mudadas se houver acordo.

“Existe uma ligação entre competição e nascimento da democracia grega, cidades rivais competiam. O esporte serve para dividir, mas serve para unir desde que se preste atenção ao ideal de que competir é mais importante que vencer”, afirma. A ideia de que ninguém pode ser campeão o tempo todo, ninguém pode ocupar o poder o tempo inteiro está no esporte.

“Os gregos conheciam o despotismo e a tirania, o esporte ajudou a criar a democracia”, diz. Algo não muito natural à cultura brasileira, onde mesmo no período democrático, ex-presidentes não conseguem deixar a posição mesmo quando saem do cargo, comparou Da Matta.

Para ele, o futebol foi o maior professor de democracia que o Brasil teve: todos são submetidos à mesma regra, não tem vitorioso ou perdedor eterno - promove a alternância de poder-, e as regras são simples.

Ainda do ponto de vista capitalista, o esporte cresce e redesenha a paisagem urbana. “No passado as cidades eram conhecidas pelas igrejas, mas elas perderam força. Hoje as cidades são marcadas tanto pelas arenas esportivas, quanto pelos shoppings e espaços de negócios. A arena virou uma opera house”, compara.

Da

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