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A Construção Da Intolerância E A Indignação Como Sua Fonte Na Contemporaneidade

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Por:   •  27/11/2014  •  4.880 Palavras (20 Páginas)  •  346 Visualizações

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1 – INTRODUÇÃO

Em 1689 John Locke trouxe para a filosofia o tema sobre a tolerância. Será que hoje, há mais de trezentos anos após Locke ter trazido o tema para a discussão, encontramos algum consenso sobre o que seja a tolerância? Vivemos em uma sociedade tolerante? Será que conseguimos conviver com as diferenças?

No contexto em que Locke elaborou seu conceito de tolerância, política e religião estavam entremeadas. Para o autor, deste modo, é impossível haver a tolerância, esta só virá quando houver a separação entre política e religião, para que haja a tolerância o Estado deve ser laico, ou seja, o Estado deve garantir que os cidadãos escolham livremente os dogmas que querem seguir, uma fé não pode ser imposta de forma coercitiva, ela não pode ser tomada como lei.

A tolerância se concretizou? Hoje vemos vários discursos de aceitação das diferenças para a importância de se viver em sociedade. Mas será que a tolerância faz parte da vida em sociedade? E se faz, como ela se manifesta? Será que o que comumente se chama por tolerância condiz com a descrição deste conceito? Vivemos em uma era em que a questão da tolerância já se deslocou há muito tempo. Nem mesmo a questão da tolerância religiosa foi resolvida, temos como exemplo as religiões afro-brasileiras que não são consideradas religiões por que não preenchem alguns requisitos para se configurar em religiões, como por exemplo, ter um livro sagrado que sirva de cânone. A tolerância é um dever? E se ela é um dever, quem deve ser tolerante hoje?

2 – A CONSTRUÇÃO DA INTOLERÂNCIA

Por que o tema da tolerância teve de ser trazido para a filosofia? Esta é a pergunta da qual devemos partir, e não podemos respondê-la sem recorrer a alguma contextualização histórica, mesmo que de forma panorâmica – com o perdão da inevitável e imprecisa generalização superficial que esta abordagem possa trazer. Em filosofia as coisas não são discutidas gratuitamente, se tal tema foi trazido à baila, é porque havia condições conjunturais favorecendo a sua discussão.

A noção de tolerância começa a ser usada em um contexto religioso. Nas antigas civilizações pagãs e greco-romanas havia uma pluralidade de divindades, o homem havia aprendido a viver em um mundo cheio de deuses e, na medida em que há vários deuses, você tem o direito de ter o seu sem negar os outros. A devoção não é obrigatória, sem negar os deuses dos outros, você serve a todos os deuses, mas tem o seu em especial. Não havia, portanto, o que hoje chamamos de perseguição religiosa. No contexto da antiguidade não havia perseguição religiosa porque não se dizia para as pessoas que este ou aquele Deus é o Deus correto a se seguir. Em Roma, por exemplo, o importante era o que a pessoa fazia e não em que ela acreditava.

Havia guerras, guerras sempre estiveram presentes na história do mundo, mas não havia guerras em nome de um Deus, não existia a imposição de um Deus sobre outro, não se negava os deuses do adversário, o que poderia haver era a negação do culto. Usando novamente Roma como exemplo, quando o Império entrava em contato com outra cultura, existia um convite formal ao Deus daquela cultura, deste modo, os romanos incorporavam os deuses de outras cidades e favoreciam uma assimilação cultural. Tudo isso muda quando a cultura greco-romana entra em contato com o monoteísmo judaico. Eles se deparam com uma cultura que proclama um Deus único.

Numa terra onde as tribos e nações circundantes veneravam inúmeras divindades da Natureza, os hebreus acreditavam ter um relacionamento singular e direto com o único Deus absoluto que estava acima e além de todos os outros seres, como criador do mundo e condutor da história judaica. [...] Ao aceitar os mandamentos de Deus revelados no monte Sinai, os hebreus comprometiam-se a obedecer ao seu Deus e à sua vontade insuperável e inescrutável. [...] Seu Deus não era apenas criador, mas libertador, e asseguraria um destino glorioso ao povo, se este permanecesse fiel e obediente à sua lei. [...] Os judeus haviam recebido um chamamento divino para reconhecer a soberania de Deus sobre o mundo e colaborar na realização de seu objetivo – trazer a paz, a justiça e a realização para toda a humanidade [...] se desenvolveu um crescente sentimento do iminente “Dia do Senhor”. O Reino de Deus estaria então estabelecido, os bons seriam levados, os maus, punidos, e Israel seria proclamada a luz espiritual da Humanidade. (TARNAS, 2008, p.114-115)

Neste contexto acredita-se ter nascido o Jesus histórico. Sua crucificação e a repercussão deste ato, bem como a lenda de sua ressurreição, engendram uma nova versão do Dia do Senhor. Nisto temos a base de uma igreja que reivindica uma universalidade, que abranja toda a Humanidade.

O Deus judaico-cristão não era uma divindade da tribo ou da polis, mas o verdadeiro Deus Supremo – o Criador do Universo, Senhor da História, o Rei dos Reis, onipotente e onisciente, cuja realidade e poder sem rivais capitaneavam com justiça a lealdade de todas as nações e de toda a humanidade. Na história do povo de Israel, esse Deus entrara decisivamente no mundo, dissera sua Palavra através dos profetas e chamara toda a Humanidade para seu destino divino: o que nascesse de Israel teria significado histórico no mundo. Para o numero crescente de cristãos que agora proclamavam a sua mensagem por todo o Império Romano, o que nascera de Israel era a cristandade. (TARNAS, 2008, p.117)

Segundo Richard Tarnas (2008, p.118-119), a cristandade se dissemina com espantosa velocidade, a partir de uma seita na Galiléia, abrangendo todo o mundo ocidental. Os seguidores passam a elaborar de forma intelectual esta nova fé “que não apenas inspirou muitos a estender essa fé ao meio pagão circundante, mas também foi capaz de resolver ou mesmo preencher as aspirações religiosas de um sofisticado império mundial urbanizado.” (TARNAS, 2008, p.118). O que leva a cristandade a se estender rapidamente é o fato de que ela nasce no contexto greco-romano. Temos aqui então a junção da religião judaica, a filosofia grega e o Império Romano. Quem mais propaga a fé cristã não são os judeus, mas cidadãos romanos, como Paulo de Tarso, que era, como aponta Tarnas, um cidadão romano de passado cultural grego. Os ideais cristãos se disseminam dentro do Império Romano, propagando a nova fé por sua extensão.

Não é dentro do judaísmo que o pensamento cristão se aprimora, pois a religião judaica, apesar de também se amparar em um Deus uno que tem um objetivo para toda a Humanidade, tem um caráter nacionalista, não permitindo a integração de não-judeus

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