A Injustiça Epistêmica
Por: Loost ALT5 • 2/5/2025 • Artigo • 4.292 Palavras (18 Páginas) • 101 Visualizações
FRICKER, Miranda. Epistemic Injustice: Power and the Ethics
of Knowing. New York: Oxford University Press, 2007.
Tânia Aparecida Kuhnen (UFSC)
Ao longo da história da filosofia política o tema da
justiça reaparece em diferentes momentos como objeto de
discussão e ainda hoje é um problema central para os filósofos.
Procura-se conceituar a justiça e indicar o caminho para se
alcançar aquilo que se estabelece como sendo seu ideal.
Todavia, muito menos recorrentes são as tentativas de
caracterização do que constitui o outro lado da moeda: a
injustiça. Miranda Fricker vê nesse esquecimento do tema da
injustiça enquanto objeto de teorização um problema da ordem
do conhecimento. Teorizar prioritariamente sobre a justiça e
relegar ao segundo plano a injustiça resulta na impressão de
que a justiça parece ser a norma experienciada pelos seres
humanos nas suas vivências, enquanto a injustiça seria vista
como uma “aberração lamentável” (p. vii) que vez ou outra
emerge na sociedade. Fricker, no entanto, entende que a
injustiça pode ser algo tão constante nas diferentes dimensões
da vida humana de modo que assume uma condição de
normalidade e subsequente invisibilidade. Dessa forma,
investigar e refletir sobre a injustiça em suas diversas facetas,
preenchendo as lacunas do conhecimento sobre ela, pode ser,
muitas vezes, o único modo de torná-la evidente, e, assim, abrir
a porta que conduz à justiça.
É essa a motivação por trás de Epistemic Injustice:
Power and the Ethics of Knowing (2007), obra na qual
Miranda Fricker não apresenta nenhuma caracterização e
idealização da justiça, mas procura entender como a injustiça
se torna algo invisível no campo da produção do conhecimento,
prejudicando muitos indivíduos em sua capacidade de
conhecer. É isso que a autora denomina de “injustiça
epistêmica”, um tipo de injustiça envolvida nos casos em que
se desconfia da palavra do outro com base em algum
preconceito. O ganho dessa abordagem, sustenta Fricker,
estaria em conhecer o que é requerido para operar contra a
situação de normalidade da injustiça. A dissolução da situação
de injustiça se daria, por conseguinte, pelo desenvolvimento de
duas virtudes ético-intelectuais, a saber, a da justiça
testemunhal e a da justiça hermenêutica. Ao longo da obra,
Fricker procura ilustrar a temática da injustiça epistêmica
discutindo casos retirados da literatura, a exemplo de algumas
cenas da obra The Talented Mr. Ripley, de Anthony Minghella.
Partindo da abordagem de Epistemic Injustice, a
produção de conhecimento pelos sujeitos socialmenete
situados tem sua dimensão ética traduzida na forma da justiça
e da injustiça (p. vii). O problema ético da injustiça afeta os
seres humanos enquanto sujeitos epistêmicos dotados da
capacidade de produzir, possuir e repassar conhecimento
sobretudo através da prática do testemunho. É o caso, por
exemplo, do negro que devido ao racismo não tem seu
testemunho levado a sério, embora muitas vezes não fique
evidente que o preconceito de cor tenha motivado a descrença
na sua fala. Nesse sentido, como bem pontua Lovibond (2009),
pode-se de antemão reconhecer o mérito da obra de Fricker
por demonstrar que muitas coisas podem estar erradas na
prática de desenvolvimento e aquisição do conhecimento, que
parece quase sempre tão bem-sucedida.
O problema abordado por Fricker permite colocar uma
questão relacionada à classificação de sua obra: ao tratar de
uma forma de injustiça, seria Epistemic Injustice um livro sobre
ética, ou, por tratar das práticas de formação de conhecimento,
seria uma obra de epistemologia? Embora Fricker afirme
inicialmente que seu livro é uma contribuição para a psicologia
epistêmica, que investiga o modo pelo qual sujeitos
socialmente situados geram ou perdem conhecimento em suas
práticas, ao apontar para uma dimensão ética da vida
epistêmica, Fricker transcende as fronteiras da epistemologia,
pois trata do problema moral do preconceito em relação a
grupos sociais. Em outros termos, o ponto de partida de Fricker
é um problema epistêmico relevante, a saber, a troca de
informações e de conhecimento por meio do testemunho a fim
de
...