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A Relação Entre Platão e a Poesia na República

Por:   •  18/8/2017  •  Dissertação  •  1.684 Palavras (7 Páginas)  •  482 Visualizações

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A relação entre Platão, a poesia e a ironia.

Rafael Oliveira Santos

Muitas vezes presente em seus diálogos, a poesia têm papel importante na obra de Platão. Ainda assim, a relação entre o filósofo e a poesia se mostra nestes, no mínimo, de forma ambígua, seja na República, onde os poetas são expulsos da cidade idealizada por Platão, ou em diálogos como Fedro e Íon, onde a poesia, apesar de ser criticada também tem sua beleza elogiada. Outro fator importante, e quase onipresente nos diálogos do autor, é Sócrates. Enquanto personagem, o mestre de Platão desempenha papel fundamental na construção dos argumentos do autor, à medida que usa de seu método dialético e principalmente da ironia, se colocando como inferior à seus interlocutores para forçá-los a declarar suas opiniões sobre os temas debatidos, para depois apontar as falhas e equívocos que elas têm, como meras opiniões que são.

        A ironia é comumente associada a Sócrates, seja o personagem dos diálogos ou aquele que de fato caminhou pelas ruas de Atenas dialogando com os cidadãos. Mas além da ironia atribuída ao mestre de Platão, tentaremos analisar, com base na teoria da inspiração divina apresentado pelo filósofo no diálogo do Íon, até que ponto podemos atribuí-la ao próprio Platão, seja na crítica a poesia ou até mesmo na própria estrutura textual utilizada pelo autor.

É essencial que entendamos o que significa ironia para prosseguirmos nossa análise. Porém, esta talvez seja a parte mais difícil de tal, visto que, o sentido que esta palavra possui hoje, não seja o mesmo de outros tempos.

Objeto de estudo de diversos autores, o termo ironia já possuiu diversas conotações, inclusive negativa. Aristófanes, por exemplo, como afirma Vlastos (1991), citado por COSTA (2005, p. 186) definia o termo εἴρων como “escorregadio, traiçoeiro, falso, pérfido”. Esta definição, é vista inclusive em diálogos como a República e o Banquete onde Sócrates é acusado por seus interlocutores de escapar das perguntas feitas a ele.

Para Kierkegaard (1991 pag. 215) a ironia se faz perceber por aquilo que é mal-entendido, que está na relação entre o fenômeno e o conceito, ou entre a palavra e o pensamento. O autor define: “ocorre no discurso retórico frequentemente uma figura que traz o nome de ironia; e cuja característica está em se dizer o contrário do que se pensa”. É esta relação entre palavra e pensamento que faz Kierkegaard (1991 pag. 224) definir aquele que usa ironia como um ser negativamente livre:

“Se eu olho para o sujeito falante, mais uma vez eu tenho uma determinação comum a toda ironia, ou seja, o sujeito é negativamente livre. Quando ao falar eu tomo consciência de que o que é dito por mim é minha opinião e que o enunciado é uma expressão adequada de minha opinião, e quando eu pressuponho que aquele para quem eu falo tem no enunciado a minha opinião total, então eu estou amarrado pelo enunciado, isto é, estou nele positivamente livre. [...] Quando, ao contrário, o enunciado não corresponde a minha opinião, eu estou livre em relação aos outros e a mim mesmo.”

O discurso irônico, na medida em que torna livre aquele que fala, também o torna quem escuta. É na linguagem, e na relação entre palavra e pensamento que a ironia se manifesta enquanto discurso indireto. E é a subjetividade do discurso irônico que faz com que aquele que o lê, ou escuta, busque o significado para além do enunciado. É este o papel da ironia Socrática em seu método dialético.

No diálogo que nos propusemos a analisar, Sócrates debate com Íon, personagem que dá título a obra, sobre a arte do rapsodo. Arte esta que se baseia em recitar os poemas de Homero e outros poetas em concursos e outras festividades dedicadas à deuses. E é assim que se inicia o diálogo, com Íon contando à Sócrates sobre mais um concurso de rapsodo vencido por ele. Sócrates, então, ao supostamente elogiar a arte de rapsodo, nos apresenta mais um aspecto atríbuido a esta arte:

“Confesso, Íon, que muitas vezes senti, pela a arte de vocês, rapsodos. Por causa da vossa arte, vocês tem de andar sempre bem arranjado e apresentar o melhor aspecto possível. Ao mesmo tempo, tem necessidade de estar bem familiarizado com muitos e bons poetas - e principalmente com Homero, o melhor e mais divino de todos - e de aprofundar seu pensamento e não apenas as palavras. É invejável. Na verdade, não se poderia ser rapsodo se não se compreendesse o que é dito pelo poeta. Sim, porque o rapsodo deve ser, para os ouvintes,  um intérprete do pensamento do poeta.” (PLATÃO. 1988, pág. 23)

Fica claro então, a partir desta fala de Sócrates, que a arte do rapsodo não se limitava apenas à se recitar os poemas, mas também a constituía esta função: a de interpretá-los e até mesmo explicá-los aos ouvintes. Mas, apesar do discurso Socrático parecer elogiar a arte do rapsodo, o diálogo, na verdade, se encaminha à uma crítica de Platão tanto aos rapsodos, quanto a poesia. Esta crítica, se baseia no argumento de que a poesia se faz por inspiração divina e não por techné.

O diálogo chega a esta conclusão pelo seguinte percurso: segundo o próprio Íon, é ele dentre todos os homens aquele capaz de fazer os mais belos discursos sobre Homero, porém, quanto a outros poetas nada sabe Íon, apesar destes tratarem dos mesmos assuntos que Homero em seus poemas. Sócrates então, ao comparar a arte do rapsodo com outras artes como a da pintura, dos citaristas e flautistas, e aplicando a estas o princípio do que define uma techné, ou seja, de que o domínio de uma arte implica no conhecimentos de todos os assuntos relacionados a tal, conclui que Íon conhece apenas de Homero e de nenhum outro poeta pois não o faz por arte (techné) ou ciência (espisteme). Esta crítica aos rapsodos, se estendem aos poetas, pois, como nos diz Sócrates, ambos apenas fazem parte de uma cadeia de inspiração divina para a declamação destes poemas:

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