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Etica, moralidade, ciência, universidade

Tese: Etica, moralidade, ciência, universidade. Pesquise 860.000+ trabalhos acadêmicos

Por:   •  5/12/2014  •  Tese  •  2.352 Palavras (10 Páginas)  •  196 Visualizações

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Esta entrevista aconteceu numa terça-feira do mês de novembro.

O cenário: uma tarde pós-chuva, iluminada pelo sol que tomava conta do céu paulistano... uma casa cercada por um jardim com bromélias, trepadeiras, gerânios... cheiro de jasmim e canto de passarinhos invadindo o escritório... café e biscoitos caseiros...

O tema: ética, moral, ciência, universidade...

O entrevistado: Roberto Romano.

Filósofo, com doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, Roberto Romano é professor adjunto da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, onde exerce o cargo de vice-diretor. Com inúmeras publicações na área de Ciências Sociais, é figura incontestável no cenário intelectual brasileiro, por expressar posicionamentos críticos sobre temas extremamente complexos e de grande relevância atual.

A seriedade necessária a quem é autoridade no assunto, aliada à maneira informal com que transcorreu nossa conversa, resultou num texto ao mesmo tempo profundo e de uma leitura intensamente prazeirosa.

O público-alvo: você, leitor.

Sobre Ética e Moral

Procuro sempre, no interior da vida intelectual brasileira, discutir criticamente o conceito imperante de ética porque vejo nele um grande perigo. No Brasil de hoje, quando se fala no assunto, o termo recebe quase imediatamente a conotação de algo positivo, desejável e bom. A ética definiria as regras de ação recomendáveis para o coletivo e os indivíduos. Semelhante identificação do ético com o bom é problemática. O conceito de ética é mais abrangente do que as noções de bem e de mal, pois significa o conjunto de hábitos introduzidos e reiterados num determinado tempo e sociedade, tornando-se quase automáticos nas consciências humanas, como se fossem uma segunda natureza. Qualquer ato nosso, reflexivo ou ativo, pode ter conotação boa ou má. Muitos hábitos coletivos, introduzidos no transcurso da história, sobretudo no Ocidente, na Europa e Américas, são nocivos à vida espiritual. Há o campo enorme de representações coletivas que a Filosofia do século XVII ou XVIII definia como "preconceitos". Que um valor seja aceito por sociedades nacionais ou transnacionais como inquestionável é um ponto. Que ele seja inquestionável é algo muito diferente. Por exemplo, temos o anti-semitismo. Trata-se de uma forma de comportamento presa ao conjunto de valores surgidos na Idade Média, a partir de equívocos doutrinários, históricos e religiosos. Ao longo da Idade Média e no início do Estado Moderno, ele foi ampliado por problemas de ordem econômica e política, sendo reiterado por juízos equivocados, emitidos por grandes homens e líderes religiosos, como é o caso de Lutero. Na História Moderna ele foi repetido pelos seguidores de Lutero e também do catolicismo. No século XIX o anti-semitismo uniu-se às doutrinas supostamente científicas, de cunho racista. Tais doutrinas foram espalhadas por meio da imprensa, das cátedras universitárias, dos livros, e tornaram-se uma forma "espontânea" de pensar entre largas camadas da população. Na Alemanha, quando surgiu o nazismo, ele já encontrou um solo fértil de atitudes diante do judeu, do árabe etc... O nazismo vem coroar um costume plenamente ético, mas hediondo e imoral, já que sapa a consciência moral que exige a unidade do ser humano: judeus, árabes ou negros, todos integram o ser humano. O ético, assim entendido, tem um atrativo muito grande, porque nele se descreve o "concreto", a vida do povo. O moral é mais abstrato, porque apela para a consciência invisível. Mas o moral é importante para verificarmos a veracidade, a bondade do ético. Este último é necessariamente coletivo: não existe ética individual. Já o moral apresenta-se coletivamente mas tem sua vigência na individualidade. O juízo moral exige que se suspenda temporariamente o juízo ético, pois ele é mais exigente que o ético. Quem defende uma linha puramente ética da cultura, critica o chamado "moralismo"- o moralismo abstrato - porque ele seria uma afirmação de valores que não se corporifica imediatamente, enquanto o contrário ocorre com o ético. O ético, pois, é muito mais atraente. A "opinião pública" quase sempre é ética (o que não quer dizer que é exata!). Há casos horrendos de costumes éticos, como, por exemplo, no caso brasileiro, a falta de respeito pelas leis de trânsito. Esta atitude coletiva entre nós pode ser vista, pelos estudiosos do fato ético, como um costume sancionado. Mas trata-se de algo plenamente imoral, porque nele tem-se em mente a prioridade do material sobre o espiritual. Se alguém possui condições econômicas para adquirir um veículo importado da marca Audi, consegue o direito de matar. Na consciência dos atores sociais existe esse direito, o que é profundamente imoral e anti-ético, no sentido correto da palavra. Não há dono de carro Audi (a não ser que ele seja um sujeito moral extremamente elevado), que não acredite: sua posse de um Audi goza do privilégio de andar a 170 quilômetros por hora numa estrada pública. A própria propaganda da Audi incentiva isso: "quando você enxergar esse logotipo, passe para a direita". Atribui-se aos donos de veículos o estatuto de semideuses, acima do bem e do mal. Por tudo isso eu me preocupo muito com a veiculação sem prudência da "ética" como se ela fosse um corretivo para a sociedade brasileira. Acho que a nossa vida social, inclusive a universidade e a pesquisa brasileiras, estão profundamente marcadas por traços éticos indesejáveis.

Um outro exemplo ... Tomemos as relações de favor. Elas imperam nas políticas municipais e nacionais, na vida aquisitiva e mesmo na captação de recursos para a pesquisa. No Brasil o costume é esse: você tem um projeto objetivamente bom - do ponto de vista científico, acadêmico, metodológico - e, no entanto, sempre precisa ter alguém que dê a "mãozinha", interceda, esteja presente nos Conselhos, para que o seu projeto saia do anonimato. Mas o preceito democrático é justamente o anonimato, o valor da coisa e não da pessoa. As fórmulas conhecidas, como o "sabe com quem está falando" e o QI (quem indica?), infelizmente modelam boa parte das relações científicas, acadêmicas. Esse ponto ético da cultura brasileira merece ser reformulado, para que não exista mais a guerra de todos contra todos, a formação de pequenos grupos de influências para troca de favores... Só quem desconhece a realidade social brasileira

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