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Ética

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Por:   •  25/3/2015  •  4.209 Palavras (17 Páginas)  •  156 Visualizações

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«O que é a ética? A própria palavra é por vezes usada para referir o conjunto de regras, princípios ou modos de pensar que orientam, ou pretendem ter autoridade para orientar, as acções de um grupo particular; e por vezes designa o estudo sistemático do raciocínio sobre o modo como devemos agir. No primeiro destes sentidos, podemos questionar a ética sexual do povo das Ilhas Trobriand, ou falar do modo como a ética médica na Holanda acabou por aceitar a eutanásia voluntária. No segundo sentido, ‘ética’ é o nome de um campo de estudos, e muitas vezes de uma temática ensinada nos departamentos de filosofia das universidades. Normalmente, o contexto torna claro qual o sentido em que a palavra deve ser entendida  ... .

Alguns autores usam o termo ‘moral’ para o primeiro sentido, descritivo, em que eu uso o termo ‘ética’. Falam da moral dos ilhéus de Trobriand quando querem descrever o que esses ilhéus consideram correcto  right ou incorrecto  wrong . Reservam a expressão ‘ética’ (ou, por vezes, ‘filosofia moral’) para o campo de estudos ou temática ensinada nos departamentos de filosofia. Eu não adoptei este uso. Tanto ‘ética’ como ‘moral’ têm as suas raízes em palavras que significam ‘costumes’, sendo a primeira derivada do termo grego ‘ethos’ e a segunda do termo latino ‘mores’, uma palavra ainda usada por vezes para descrever os costumes de um povo. ‘Moral’ traz hoje consigo uma particular, e por vezes desapropriada, ressonância. Ela sugere um severo conjunto de deveres que requere que subordinemos os nossos desejos naturais - e os nossos desejos sexuais têm aqui um relevo particular - de maneira a obedecer à lei moral. O fracasso em cumprir o nosso dever traz consigo um pesado sentimento de culpa. Muitas vezes, a moral é considerada como tendo uma base religiosa. Estas conotações de ‘moral’ são mais características de uma concepção particular da ética, a que está ligada à tradição judaico-cristã, que uma característica inerente a qualquer sistema moral.

A ética não tem uma conexão necessária com qualquer religião em particular, nem com a religião em geral.  ...  A ética existe em todas as sociedades humanas, e talvez até entre os nossos parentes mais chegados não-humanos. Não temos necessidade de postular deuses que nos transmitem mandamentos, pois podemos considerar a ética como um fenómeno natural que surge no decurso da evolução de mamíferos de vida longa, sociais e inteligentes, que possuem a capacidade de se reconhecer entre si e de recordar o comportamento anterior dos outros.  ...

Se admitirmos que Darwin tinha razão quando afirmou que a ética humana se desenvolveu a partir dos instintos sociais que herdámos dos nossos antepassados não-humanos, podemos pôr de lado a hipótese de uma origem divina para a ética. Surgem então outras questões. Se virmos a ética como parte da nossa herança humana comum, então podemos esperar que haja universais éticos, princípios que, de alguma forma, estejam presentes em todas as sociedades humanas. Esta expectativa contrasta profundamente com a opinião predominante no séc. XIX e princípios do séc. XX, quando uma torrente de dados antropológicos provenientes de todo o mundo transmitiu a impressão dominante de uma interminável diversidade ética. Embora seja óbvio que sociedades distintas apresentam pontos de vista éticos diferentes em relação a muitos aspectos, é agora claro que, em alguns pontos importantes, quase todas as sociedades estão de acordo. Claro que isto não significa que devamos aceitar como correctos os pontos de vista éticos em que as sociedades estão de acordo. Até muito recentemente, um dos pontos em que virtualmente todas as sociedades estavam de acordo era que uma mulher casada deve obedecer ao seu marido; e, se recuarmos ainda mais no tempo, podemos encontrar muitos ‘universais éticos’ igualmente questionáveis. O facto de uma prática ser universal não faz com que essa prática seja correcta ou com que deva ser o mais possível desencorajada, ou até mesmo proibida. Mas, assim como a compreensão da origem da ética nos ajuda a perceber a natureza do fenómeno com que estamos a lidar, assim também a nossa compreensão é aumentada pelo conhecimento dos graus de diversidade e uniformidade dos sistemas éticos entre diferentes sociedades - e mesmo entre as sociedades humanas e as dos outros animais sociais, especialmente as dos que estão mais próximos de nós, os chimpanzés.

 ... Fomos sempre relutantes em reconhecer similaridades entre o nosso próprio comportamento e o dos animais não-humanos. Afirmávamos que éramos os únicos animais que usavam instrumentos até se descobrir que outros animais também os usam. Depois, fizémos uma afirmação semelhante acerca da linguagem, apenas para virmos a descobrir que os grandes símios podem aprender a comunicar connosco através de linguagem gestual. Mas, dir-se-á, seguramente que a ética, pelo menos, continua a ser um fenómeno puramente humano. Basta lembrarmo-nos da concepção kantiana do dever, baseada na nossa capacidade de seres racionais para compreender a lei moral. Em que será que a interacção existente num grupo de chimpanzés se assemelha a isso? Comparar o comportamento instintivo ou habitual dos chimpanzés com os conscienciosamente escolhidos padrões éticos dos seres humanos é, dir-se-á, degradar e insultar a nossa própria espécie.

Que há um imenso abismo entre o tipo de ética descrito por Kant  1724-1804 e aquele que é revelado pelo comportamento do chimpanzé intelectualmente mais dotado, isso é inegável; mas da existência desse abismo não se segue que não tenhamos nada a aprender acerca do nosso próprio comportamento observando o dos chimpanzés. As ideias de Kant são estranhas não só para os chimpanzés, como para a maior parte das comunidades humanas. Os sistemas filosóficos éticos são elaborações altamente sofisticadas de conceitos mais comuns que, por sua vez, evoluíram a partir do comportamento social pré-humano. Saber mais acerca das bases pré-humanas da ética será, seguramente, uma ajuda para compreender e ter acesso aos sistemas éticos que se desenvolveram a partir dessas bases; e as melhores pistas para sabermos mais ou menos como terá sido a ética pré-humana virão das observações daqueles animais com os quais partilhamos antepassados comuns relativamente próximos.

Kant e os seus seguidores poderão replicar a tudo isto que, uma vez que a lei moral é baseada na razão, quaisquer paralelismos aparentes entre a nossa ética e a dos animais não-humanos é uma coincidência meramente superficial. O comportamento dos animais tem tanto a ver com a ética quanto uma teia de aranha com uma obra de arte. Mas, neste ponto, a tradição filosófica começa a divergir.

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