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Ética e direitos humanos

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Por:   •  27/4/2014  •  Tese  •  2.133 Palavras (9 Páginas)  •  360 Visualizações

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Ética e direitos humanos

Desidério Murcho

Universidade Federal de Ouro Preto

Um dos papéis públicos da filosofia é esclarecer confusões comuns. Uma dessas confusões formula-se rapidamente na forma de uma contradição: ao mesmo tempo que é comum considerar-se que “os valores são relativos” (às culturas, por exemplo, ou ao contexto histórico) é também comum defender a universalidade dos direitos humanos; mas se os direitos humanos são meramente relativos, não são universais e se não são universais qualquer cultura, sociedade, comunidade ou pessoa nada está a fazer de errado se não aceitar os direitos humanos. A limite, isto significaria que os colonizadores que fundaram o Brasil com base na exploração de índios e de negros, nada de errado moralmente teriam feito, pois estariam apenas a obedecer aos seus valores, que contudo não são agora os nossos. Como sair desta contradição aparente? Serão realmente os valores relativos? Serão os direitos humanos universais? Este é o tema destas páginas.

É preciso começar por dizer alguma coisa sobre a natureza da filosofia, que muitas vezes não é entendida correctamente. A filosofia dá origem a perplexidades porque nem é literatura, nem é religião, nem é ciência. Não é ciência porque não é constituída por um conjunto enorme de resultados, como acontece com a física ou a biologia ou a matemática ou a lógica. Não é religião porque não se baseia na autoridade, tradição e escritos considerados sagrados. E não é literatura porque não visa efeitos estéticos nem a construção de ficções. Precisamente porque a filosofia não é qualquer destas coisas, é por vezes reduzida a qualquer uma delas. Assim, faz-se por vezes da filosofia uma disciplina meramente técnica ou científica, com muita lógica ou muitas questões exegéticas. Outras vezes, faz-se da filosofia uma espécie de discurso religioso que visa dizer-nos coisas reconfortantes e que nos dão esperança. Outras vezes ainda lê-se os filósofos como se fossem romancistas, construtores de ficções sem outra pretensão que não a de proporcionar momentos agradáveis de leitura amena.

Não é assim que entendo a filosofia, e penso que ao longo da história da filosofia não foi também assim que a maior parte dos filósofos a entenderam. Entendo que a filosofia se ocupa de problemas de real interesse cognitivo, apesar de não serem problemas que tenham resolução científica. Vejamos alguns desses problemas, em contraste com problemas que não são filosóficos:

1. Serão os valores relativos (à história, às sociedades, aos indivíduos)?

2. Será toda a realidade uma mera ilusão?

3. Sabemos realmente o que pensamos que sabemos?

O primeiro destes problemas será abordado de seguida. Os outros são problemas respectivamente da metafísica e da epistemologia. O que há de comum a todos é que não se consegue ver que tipo de metodologia científica se poderia usar para tentar responder-lhes. Compare-se com três problemas subtilmente diferentes:

1. Diferentes pessoas, em diferentes momentos da história e em diferentes sociedades, têm valores diferentes?

2. Algum filósofo defende que toda a realidade é uma mera ilusão?

3. Como explicar os processos cognitivos que ocorrem no cérebro de uma pessoa quando ela conhece algo?

Nenhum destes problemas é filosófico precisamente porque só empiricamente podem ser adequadamente estudados. No primeiro caso, trata-se de um problema sociológico e antropológico, e só pode ser adequadamente estudado fazendo investigação empírica, típica em sociologia — inquéritos, estatísticas, etc. No segundo caso, trata-se de algo que só pode responder-se recorrendo aos métodos empíricos da história da filosofia — leitura e interpretação de textos, nomeadamente. E o terceiro problema só pode ser adequadamente estudado recorrendo aos métodos empíricos da psicologia cognitiva.

Os problemas filosóficos têm assim duas características curiosas:

1. Não se consegue ver como poderão ser resolvidos recorrendo às metodologias das ciências empíricas, como a sociologia ou a física, nem formais, como a lógica ou a matemática;

2. Apesar disso, não é possível demonstrar sem contradição que os problemas da filosofia são todos meras confusões ou ilusões.

A filosofia é, assim, uma disciplina em que nos dedicamos ao estudo de problemas em aberto, que ninguém sabe como se resolvem. A tentação natural e de senso comum é desistir de tentar resolvê-los, por se pensar que só vale a pena enfrentar problemas quando já temos metodologias para os resolver. Deve-se resistir a esta tentação, entre outras razões porque 1) saber enfrentar problemas em aberto é crucial para uma democracia saudável e 2) pode-se saber muito sobre um problema e muito ganhar em compreensão, apesar de não sabermos resolvê-lo.

Vejamos o primeiro aspecto. Os problemas sociais, económicos e políticos que enfrentamos nas nossas sociedades são insusceptíveis de solução científica. Certamente que as ciências — como a medicina ou a economia — muito nos ajudam a resolver alguns dos problemas das nossas sociedades. Mas não nos dão respostas prontas, que possamos aplicar cegamente. Para resolver os problemas das populações precisamos de discernimento; precisamos de tomar decisões sem garantias científicas de que estamos a fazer o melhor. Isto significa que precisamos de saber deliberar e discernir quando não há soluções científicas para os nossos problemas. Por exemplo, a engenharia diz-nos exactamente como podemos fazer uma ponte de modo a suportar o peso que queremos que suporte; mas nenhuma ciência nos diz se é melhor fazer uma ponte ou um hospital ou uma escola; se é melhor tomar esta ou aquela decisão. Precisamos, pois, de saber pensar claramente e com discernimento onde as meras receitas científicas e matemáticas não se aplicam. Uma formação adequada em filosofia pode ajudar-nos a fazer isso melhor precisamente porque em filosofia estudamos problemas que ninguém sabe resolver — e tentamos resolvê-los, apesar disso.

Quanto ao segundo aspecto, pode-se saber muito sobre um dado problema sem saber resolvê-lo porque na tentativa de o resolver esclarecemos confusões, vemos que vias estão fechadas e que alternativas existem realmente. Muitas ideias que parecem óbvias quando não temos formação filosófica revelam-se confusões insustentáveis ou, pior, preconceitos interesseiros disfarçados

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