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Paisagem

Por:   •  30/6/2015  •  Artigo  •  4.421 Palavras (18 Páginas)  •  172 Visualizações

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PAISAGEM

Sou o espaço onde estou.

Nöel Arnaud, L’état d’ ébauche.

[pic 1]

Rugendas – Sabará 

A paisagem é o produto material, a síntese de todos os elementos e processos naturais e culturais passíveis de ocorrer em um espaço físico delimitado. Um sistema complexo, dinâmico e instável, onde os diferentes fatores evoluem, de forma conjunta e interativa.

Nesse sistema equivalente à natureza e modificado pelas ações humanas, cada representação contém em si um desdobramento de configurações. Formas antigas, formas recentes, previsíveis imagens futuras, formas eternas. A paisagem nunca é idêntica ao mundo natural, a marca impressa pelo homem pulsará infinitamente. Definir um conceito tão dinâmico e sempre em constante mutação é tarefa complexa. O perpétuo e incessante processo de modificação varia segundo componentes físicos e biológicos, segundo cada fragmento do espaço e do tempo, cada período da história do homem ou do universo. Entretanto, o nada define melhor essas configurações do que a mútua e interdependente relação com o ser humano.

Toda paisagem é cultural. Desde os primórdios de sua existência, os seres humanos já tinham noção do que é a paisagem: sua sobrevivência sempre dependeu  de uma equilibrada relação com o meio. Mesmo um sítio jamais habitado ou sequer pisado pelo homem só pode ser animado pelos significados que unicamente nós podemos atribuir. O mundo, sem que o homem lhe confira um sentido, é um caos. Saberes pretéritos, atuais e futuros impregnam e irão ainda impregnar cada paisagem, infundindo-lhe significações cada vez mais ricas. Da mesma forma como a paisagem, em constante processo de mutação, assim também mudam as formas com que o homem a percebe e os modelos dessa percepção.

Considerada até muito recentemente como um conceito subjetivo, a percepção da paisagem  é um campo complexo no qual confluem e interferem diversificadas disciplinas e processos imateriais de conhecimento, experiências, atitudes e expectativas  pessoais, culturais e mesmo genéticas. Processos imateriais de valorização, as atitudes, experiências e expectativas de seus fruidores interferem igualmente no conceito de paisagem.

A visão clássica conferiu à paisagem o restrito significado de perspectiva visual, percebida por um observador estático. Mais confortável que percorrer uma paisagem é tê-la para sempre emoldurada sobre uma parede, como um pássaro engaiolado. Paisagens, quero-as comigo. Paisagens, quadros que são... disse Fernando Pessoa.

A conceituação de paisagem como quadro ou cenário meramente espacial prevalece até o início do século XX da fotografia quando o advento do automóvel, e do cinema inclui em sua percepção o fator tempo. O espectador é introduzido dentro do quadro como mais um elemento dinâmico. 

 

Há um jogo no qual uma pessoa cochicha uma frase ao ouvido da outra, uma só vez e sem que mais ninguém possa escutar. A frase vai sendo assim sucessivamente transmitida.  Cada participante comunica a um outro o que entendeu, até que o círculo se complete. Ao ser repetida pela última vez, desta vez em voz alta, pelo primeiro jogador, a frase estará tão modificada e diferente do sentido original que poderá ter-se tornado irreconhecível. Cada repetição causa uma pequena alteração no sentido original devido à perda, acréscimo ou incompreensão do ouvinte.

Assim também a paisagem é transmitida de era em era, de cultura a cultura, de pessoa a pessoa, nunca a mesma, em decorrência dos lentos e sucessivos processos de mudança de sua feição.

Nenhum livro desta biblioteca será lido na íntegra. A cada página irrompe uma nova revelação, desperta uma memória adormecida. Sua estrutura é como um móbile de Calder, é ainda mais complexa. Toque-se, ainda que bem de leve, um só de seus elementos: todo o conjunto se move, se reorganiza, se reconfigura. O toque humano fecunda o que o sopro da vida animou. Os elementos do sistema estarão, doravante, sujeitos às relações de interdependência, às interações com o ser humano. A cultura é a chave que cria e decifra a paisagem.

A leitura da paisagem transcende estratos espaciais. Penetra nos crivos por onde escoa o tempo, estende-se a eras que antecedem a história do homem, da terra, do ambiente. Registros da evolução da matéria e da vida ora se evidenciam, ora se ocultam.

No delicado e complexo tecido da paisagem, o espaço é a trama. O tempo, a urdidura. Uma infinidade de fios, espaços, tempos, incontáveis agentes vão organizando os instáveis padrões de uma rede em perene mutação. Tempo e não-tempo

 Lê-se a paisagem em diferentes estratos temporais. Toda percepção só tem sentido quando embasada por uma experiência anterior. O conhecimento e a memória           conferem sentido ao universo. Compreender a paisagem no tempo é ler um palimpsesto. Sob as folhas desses antigos pergaminhos manuscritos, ainda se conservam escrituras anteriores. Ainda que apagadas por processos artificiais para dar lugar a novos textos, mesmo após a supressão das escrituras anteriores darem lugar a novas inscrições, as antigas podem ser lidas graças à qualidade gordurosa do suporte. Assim também, técnicas sensíveis permitem decifrar vestígios imperceptíveis registrados nas diferentes estratificações da paisagem. Técnicas tão sutis que possibilitam fotografar até o brilho residual da radiação de microondas ainda presentes no universo, deixadas pela grande explosão que lhe teria dado origem e que permitem avaliar sua idade.

O que Lilian Helman disse sobre as pinturas a óleo, aplica-se às paisagens. À medida que passa o tempo, a tinta velha da tela muitas vezes se torna transparente sendo possível ver em alguns quadros, os traços originais. Através do vestido de uma mulher aparece uma árvore. A figura de uma criança dá lugar a um cachorro. Um grande barco não está mais em mar aberto porque o pintor se arrependeu, mudou de idéia.

Dimensões tão contrastantes quanto o espaço cósmico, o vale de um rio entre montanhas, um cemitério indígena, um grão de pólen fossilizado, um átomo, permitem a reconstituição da história do universo e a compreensão de mundos materiais e imateriais, em suas dimensões físicas, biológicas, humanas, metafísicas, espirituais.

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