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Por:   •  8/5/2013  •  9.304 Palavras (38 Páginas)  •  532 Visualizações

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LÍNGUA, EXPRESSÕES LINGUÍSTICAS E DIVERSIDADE CULTURAL Maria Filomena Capucho VI

VI LÍNGUA, EXPRESSÕES LINGUÍSTICAS E DIVERSIDADE CULTURAL

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Itinerários de viagem

Era uma vez…. a língua portuguesa e as pessoas que a falam.

Início de uma narrativa indefinida e demasiado ambiciosa, porquanto, muito embora situada num presente de sincronia(s), deixa em aberto duas ques tões fundamentais: o que se entende por «língua portuguesa»? e «quem são exactamente as pessoas que a falam e onde vivem»?

No quadro do presente capítulo, será relativamente fácil responder à seg un- da pergunta, se, à partida, nos colocar- mos no contexto de um Estado defi- ni do, delimitando espacialmente o uso da língua portuguesa no seio do object o da obra em que nos inserimos: o Por tugal multicultural. No entan- to, definir a problemática levantada pela primeira interrogação (cf. Fig. 1), levar-me-á a equacionar questões epis- temológicas que se prendem com a conc epção do que é uma língua, ins- crevendo-me no quadro de uma abor- dagem específica, a da sociolinguística. Se tal posição pode ser questionável, ela parece-me adequada ao desenvolvi- mento do título proposto, que relaciona a língua com os seus usos, correla- cionando estes com a(s) diversidade(s) cultural(-ais) verificável(-eis) no espaço e no tempo de um Portugal do século XXI. Tomar esta opção significa, também, considerar a língua como um fenómeno cultural e sociológico e questionar, desde o início, as relações que se estabelecem entre língua e cul- tura, ou melhor, entre usos linguísticos e culturas diversificadas.

Estes corolários de base afastam, desde o início, questões tão em voga nos nossos dias, como o da definição normativa da língua ou das suas formas grá ficas (o tão discutido tópico do Acordo Ortográfico!... ), e situam-me num espaço descritivo crítico do olhar a língua portuguesa – na(s) sua(s) va r ian- te(s) continental (-ais) europeia(s) –, enquanto testemunho vivo da sua diver-

Figura 1 Que Português?

Maria Filomena Capucho

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sid ade cultural, resultado de movimentos sociológicos que marcaram o nosso espaço ao longo de séculos, numa dinâmica que tentarei caracterizar e ilustrar num momento preciso: o hoje, o aqui e agora. Assim, a língua por- tuguesa será observada sob dois ângulos distintos: o da matriz de base – esta- belecida ao longo de séculos e resultado da sua evolução diacrónica, que compreende movimentos políticos, económicos, sociais e culturais – e o das configurações variadas dos seus usos comunicacionais concretos, tão díspa- res quanto díspares são os falantes do Português em Portugal.

No que diz respeito à matriz, distinguirei, metodologicamente 2, três momen- tos-chave, correspondendo a três grandes ciclos: o da construção da matriz de base (o período de elaboração e afirmação do Português, enquanto língua distinta); o período da expansão (que se inicia por volta do século XVI, e du - rante o qual a língua foi «exportada», dando origem a toda uma diversidade de crioulos e de variantes extra-europeias da língua); o período da (re)integra- ção, que situarei sobretudo no último quarto do século XX e até aos dias de hoje, onde a matriz linguística recupera ou importa elementos que exportou, agora modificados, integra elementos internacionais, reflexo de dinâmicas de intercâmbios que correspondem a fenómenos de mundialização, ou se abre a novas influências exteriores, reflexo da integração de imigrantes.

Contudo, a existência de uma matriz de base – objecto que se caracteriza, por si mesmo, por uma carácter não estático, aberto a constantes modifica- ções e sofrendo alterações sucessivas, resultado das próprias leis dos sistemas ling uísticos, entre as quais a lei da economia linguística, referida por Mar- tinet (1960), subjacente à tendência para a simplificação – não significa uni- cidade nem homogeneidade, antes a possibilidade da co-existência de confi- gurações tão diversas quanto os usos dialectais, sociolectais e ideolectais. E são exactamente essas configurações que revelam a riqueza multicultural de uma língua, as suas possibilidades de integração de diversidades sociais e cul- turais, numa (con)vivência indispensável à construção de uma sociedade aberta, em que a diferença é integrada e desejada, mais do que simplesmente possível ou tolerada.

Neste contexto, apresentarei e analisarei o exemplo de uma forma discursiva que revela, hoje, a coexistência de usos díspares da língua portuguesa, numa área representativa de uma confluência de diversidades que nos permitem concluir da multiculturalidade de Portugal: o rap.

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Assim, no final da viagem, que percorrerei com o leitor, poderemos juntos concluir da existência de uma língua multifacetada, de uma língua dinâ- mica, de uma língua tal como somos (e como queremos continuar a ser).

Ponto prévio: as relações língua-cultura

É já consensual dizer-se que língua e cultura são entidades inseparáveis, que a língua é ao mesmo tempo um reflexo e um instrumento de cultura, que se transmite de geração em geração e, assim, garante a sua permanente evolu- ção. No entanto,

aucune figure de dualité – complémentarité, opposition ou différence – ne sa - tis fait le rapport d’inclusion réciproque qui fait qu’un phénomène de culture fonctionne aussi comme processus de communication, qu’un mode de com- munication soit également une manifestation de la culture (Caune, 1995, 7).

Um olhar sobre realidades linguísticas e culturais da actualidade leva-nos, todavia, a questionar o binómio «uma língua/uma cultura». De facto, a língua constitui um dia-sistema que abarca usos culturais diversificados (mesmo se a considerarmos apenas do ponto de vista nacional), e ela própria também não constitui um todo homogéneo. Poder-se-á dizer que o facto de partilhar a mesma língua leva a que o Prof. Cavaco Silva e Sam the Kid par- tilhem a mesma cultura? Uma língua é, por natureza, multicultural e o facto de não termos consciência disso leva certamente a muitos mal-entendidos. Ou, ainda, a situações de imperialismo linguístico-cultural que não devere- mos tolerar na sociedade plural e democrática que queremos (re)construir. O multiculturalismo passa, assim, em primeiro lugar, pela consciência de que uma língua

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