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HISTÓRIA DA ELABORAÇÃO DO CONSTRUCTO DE RAÇAS: AS BASES CIENTÍFICAS DA INFERIORIDADE DOS NEGROS

Por:   •  4/5/2016  •  Artigo  •  3.231 Palavras (13 Páginas)  •  262 Visualizações

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HISTÓRIA DA ELABORAÇÃO DO CONSTRUCTO DE RAÇAS: AS BASES CIENTÍFICAS DA INFERIORIDADE DOS NEGROS

Arthur Henrique de Oliveira

RESUMO

A temática africana, quando abordada em sala de aula, tem ocorrido de maneira demasiadamente reducionista limitando-se às informações amplamente conhecidas como a contribuição dos negros na construção da sociedade brasileira. Temáticas relacionadas à cultura, arte, dança, folclore, culinária, política, economia e religião tem recebido ênfase especial, porém, sem desmerecê-las é preciso ampliar o foco do debate e tratar a questão sob o ponto de vista da afrocentricidade e não mais sob os ditames do eurocentrismo. Nesse sentido, a proposta desse trabalho visa compreender como o conceito de raça foi erigido e justificado pela ciência europeia dos séculos XVIII e XIX, e como as teorias ideológicas de cunho eurocêntrico criaram falsificações históricas e diversos mitos sobre a África e os africanos. Para tanto a metodologia adotada segue a linha de pesquisa em História e Teoria da Ciência.

Palavras-chave: Racismo Científico, Afrocentricidade, História Africana

INTRODUÇÃO

O continente “negro”, safaris, animais selvagens, apartheid, fome miséria, escravidão [...] As nossas impressões da África são muitas vezes formadas por notícias, filmes, fotos de revistas. Mas, a África - a verdadeira África - é uma terra de ricas culturas e civilizações antigas desconhecidas para muitos no mundo ocidental (Du Bois).

        A lei 10.639/2003 altera a Lei nº 9.394/ 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira". Assim nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. De acordo com a lei o conteúdo programático deverá incluir o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinente à História do Brasil. Assim os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História. Porém, nada impede que as diversas áreas ou componentes tratem a questão de maneira interdisciplinar objetivando aprofundar o estudo da temática de maneira evitar o reducionismo e a maneira simplista com que a questão vem sendo tratada. Por isso é preciso ampliar o debate e incluir nessa discussão as raízes da invisibilidade africana no campo da ciência e da tecnologia. Nesse sentido, é possível a elaboração de um currículo que dê conta dessas questões? De que maneira a ciência branca, sexista, eurocêntrica elaborou o conceito de raça? Como desconstruir tal ideia? Qual a participação ou contribuição da ciência nesse processo? Essas perguntas, bem como outras, serão respondidas no decorrer desse trabalho.                                

1 A invisibilidade africana

        A invisibilidade africana no campo das ciências foi uma construção alicerçada nas perspectivas eurocêntricas de que os negros eram espécies inferiores, estando em um estágio primitivo na história da evolução humana (CUVIER, 1819). Quando compreendemos como e porque a ideia de raça foi construída temos a possibilidade de trabalhar o currículo sob outra perspectiva. O construto de raças foi elaborado paulatinamente por diversos naturalistas, cientistas, anatomistas, filósofos do século XVIII e XIX, entre eles os franceses Georges Cuvier (1769-1832), Georges-Louis Leclerc, Conde de Buffon (1707-1788) e Joseph Arthur de Gobineau (1816-1882), os alemães Johann Friedrich Blumenbach  (1752-1840) e Ernst Haeckel (1834- 1919), o naturalista sueco Carl von Linnaeus (1707-1778), entre outros.

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        1.1 Um novo olhar sobre o currículo: como a ciência ajudou a construir as bases científicas da inferioridade dos negros.

        

Segundo Jacquard (1999), foi o francês François Bernier (1625-1688) que escreveu o primeiro texto em que o termo “raça” aparece em seu sentido atual. A sua obra Nouvelle division de la terre par les différentes espèces ou races qui l'habitent (1684), é considerada a primeira classificação moderna das distintas “raças” humanas.

Bernier agrupou os seres humanos em quatro grupos: Europeus: que se juntavam aos egípcios e aos hindus; Africanos: cuja negrura era essencial; Chineses e os japoneses, com ombros largos, rosto chato, nariz achatado, e “pequenos olhos de porco”; Lapões (grupo indígena europeu da região da Lapônia, Norte da Europa), “animais infames” (JACQUARD, 1986).

As razões para cor da pele estariam exclusivamente no sêmen e sangue, as raças não seria uma criação do clima; pois um negro casando-se com uma mulher branca poderia ter filhos de pele mais clara, um casal de negros migrando para regiões mais frias continuariam a ter filhos de pele escura, ou seja, para Bernier o clima não exerceria influência sobre a formação das “raças humanas” (JACQUARD, 1986).

Em meados do século XVIII o naturalista e anatomista francês Georges Cuvier, baseado nas diferenças geográficas e na variação da cor da pele propôs três tipos de raças: caucasiana, etiópica e mongólica (PENA, 2008).

Em 1806, alemão Johann Friedrich Blumenbach estabelece cinco raças: caucásica, mongólica, etiópica, americana e malaia.

Porém, foi a partir da publicação do livro Sistema da Natureza (1767) do naturalista sueco Carl von Linnaeus (ou simplesmente Linneu) que a ideia de raça ganha conotações científicas. Para o naturalista as causas das diferenças entre as raças seriam o clima, temperatura e condições geográficas. O sueco, de acordo com Pena (2008), propôs a seguinte classificação:

Homo sapiens europaeus: branco, sério e forte;

Homo sapiens asiaticus: amarelo, melancólico e avarento;

Homo sapiens afer: negro, impassível, preguiçoso;

Homo sapiens americanus: vermelho, mal-humorado e violento.

        Em 1766, Buffon publica no volume XIV da Histoire Naturelle, um artigo intitulado Dégénération des animaux. Nele, estabelece uma série de elucubrações acerca da origem da fauna americana. Ele apresenta, talvez, pela primeira vez na História, a teoria de que o continente sul americano estivesse, no passado, unido ao continente africano, formando um único supercontinente. Mas, foi a partir de suas reflexões sobre a degeneração dos animais que abriu espaço para tratar das variações humanas. Segundo a teoria da degeneração de Buffon, após a criação, de acordo com o livro Gênese, a espécie humana havia se dispersado pela Terra e o clima tropical teria causado uma espécie de patologia no branco, tornando sua pele negra.  Os índios americanos também seriam frutos dessa mesma patologia. Assim a mistura entre as raças causaria uma espécie de degeneração, que por sua vez poderia ser revertida. Segundo Buffon existiria a possibilidade de se inverter o processo de modificação dos caracteres somáticos se, por exemplo, experimentalmente negros fossem levados para viver em climas temperados e frios como na Dinamarca. Entre seus contemporâneos, a teoria da degeneração encontrou um campo fértil para se propagar, uma vez que os filósofos passaram a divulgá-la, entre eles o diplomata e filósofo francês Joseph Arthur de Gobineau (1816-1882).

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