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HISTÓRIA - O GOLPE MILITAR NAS LETRAS DE CHICO BUARQUE DE HOLANDA

Por:   •  27/4/2017  •  Projeto de pesquisa  •  3.242 Palavras (13 Páginas)  •  475 Visualizações

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Meu Caro Amigo

Meu caro amigo
Chico Buarque


Meu caro amigo me perdoe, por favor
Se eu não lhe faço uma visita
Mas como agora apareceu um portador
Mando notícias nessa fita

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

Muita mutreta pra levar a situação
Que a gente vai levando de teimoso e de pirraça
E a gente vai tomando e também sem a cachaça
Ninguém segura esse rojão

Meu caro amigo eu não pretendo provocar
Nem atiçar suas saudades
Mas acontece que não posso me furtar
A lhe contar as novidades

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

É pirueta pra cavar o ganha-pão
Que a gente vai cavando só de birra, só de sarro
E a gente vai fumando que, também, sem um cigarro
Ninguém segura esse rojão

Meu caro amigo eu quis até telefonar
Mas a tarifa não tem graça
Eu ando aflito pra fazer você ficar
A par de tudo que se passa

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

Muita careta pra engolir a transação
E a gente tá engolindo cada sapo no caminho
E a gente vai se amando que, também, sem um carinho
Ninguém segura esse rojão

Meu caro amigo eu bem queria lhe escrever
Mas o correio andou arisco
Se me permitem, vou tentar lhe remeter
Notícias frescas nesse disco

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

A Marieta manda um beijo para os seus
Um beijo na família, na Cecília e nas crianças
O Francis aproveita pra também mandar lembranças
A todo o pessoal
Adeus

Composição: Chico Buarque / Francis Hime

Meu caro Amigo foi antes de tudo uma espécie de desabafo de Chico e Francis Hime – instrumentista brasileiro renomado a quem também é creditada a autoria do clássico (escrita, seguindo a linha da sutileza para burlar os olhos atentos dos generais). É uma carta em forma de música e foi composta para o seu amigo Augusto Boal, um dos maiores dramaturgos brasileiros, quando esse estava exilado em Lisboa, Portugal. Nela, Chico retrata a situação em que se encontrava o Brasil, sob a pressão da ditadura militar. A canção foi lançada originalmente num disco de título quase igual, chamado Meus Caros Amigos, do ano de 1976.

Depois de anunciar que precisa contar ao destinatário “as novidades”, o autor lança os versos:
“Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n' roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol”.
Ora, o futebol, a predominância no Brasil de estilos como o samba e as (óbvias) variações climáticas não são exatamente novidades que mereçam ser destacadas em uma carta para um amigo distante.
Com uso da ironia, a mensagem passada é de que nada mudou no país desde a saída do exilado e que realmente “a coisa aqui tá preta”, como sugere um dos versos seguintes. Para “segurar esse rojão”, o eu-lírico (a voz que fala na letra) acaba buscando refúgio em meios de prazer momentâneo, como a “cachaça”, o “cigarro” e o “carinho”. Nesse contexto, a palavra “choro”, tida inicialmente como um estilo musical, assume outro sentido – representa a tristeza em relação à situação do país. E essa tristeza aparece disfarçada por uma suposta alegria, entremeada de “samba” e de “rock’n’roll”.
Além disso, quando ele se refere a seu lugar de origem como “Aqui na terra”, torna-se inevitável pensar em um “lá”, o local onde o destinatário da mensagem se encontra. Este lugar poderia ser um “céu” (em oposição a “terra”, com letra minúscula), reforçando a ideia de que a vida política e social do Brasil da época nem de longe lembrava a imagem idealizada de paraíso. Ou até mesmo o “espaço” (em oposição a “Terra”, planeta, com letra maiúscula), reforçando a ideia de que o amigo foi obrigado a sair do país, sumiu, ou, na linguagem informal, “foi pro espaço”.

Chico também deixa evidente em alguns trechos da música algumas das dificuldades enfrentadas pelo país, como em “Meu caro amigo eu quis até telefonar, mas a tarifa não tem graça”, trecho que ressalta a dificuldade de acesso à um serviço básico de comunicação pela taxa exorbitante do preço e/ou da dificuldade financeira. E no trecho “Meu caro amigo eu bem queria lhe escrever, mas o correio andou arisco”, onde Chico provavelmente fala não só da ineficiência operacional dos serviços de uma época conturbada, mas também da possível intervenção da censura militar em tais atividades, que retiraria a garantia de que as cartas chegassem ao destinatário.
Finalmente, na ultima estrofe, Chico Buarque cita nomes de pessoas reais: Marieta, sua esposa na época, Francis, o coautor da música, Cecília, a mulher de seu amigo.

Curioso é perceber que o artista, ao escolher a canção “Meu caro amigo” para dar nome ao disco, colocou-a no plural. Ou seja, apesar de a ideia original da canção ser mandar notícias a um determinado exilado, ela sai ainda mais do plano particular quando o álbum é batizado de “Meus caros amigos”. Isso porque havia mais “amigos” (exilados ou não) como Augusto Boal, vítimas da Ditadura. Assim, o próprio título do álbum reforça o caráter crítico que permeia não apenas esta, mas diversas de suas canções.

Chico Buarque encontra trecho inédito da canção 'Meu Caro Amigo' em carta

Diante da câmera, Chico Buarque relê a carta que havia escrito em 20 de julho de 1975 para o diretor teatral Augusto Boal e se depara com um trecho inédito da música "Meu Caro Amigo".

Ele recita os versos finais da letra que se perderam no tempo: "Meu caro amigo eu sei que é triste a situação/ Sei que a saudade está danada/ Mas se você quiser a minha opinião/ Você não está perdendo nada".

Ao concluir a leitura, ele faz uma pausa e depois comenta, surpreso, sobre a parte excluída da canção: "Engraçado essa estrofe aqui, que nunca... Sobrou, é, sobrou."

O vídeo com o depoimento de Chico Buarque foi gravado por Laura Liuzzi para a exposição "Meus Caros Amigos - Augusto Boal: Cartas do Exílio"

Nos anos em que esteve exilado fora do Brasil, Boal trocou centenas de cartas com familiares e amigos, como Fernanda Montenegro, Darcy Ribeiro, Millôr Fernandes e Chico Buarque.

"O Chico releu esta carta pela primeira vez ao gravar este depoimento, mais de 40 anos depois. E ali se emocionou ao recordar a história, além de ter esta surpresa", disse o poeta Eucanaã Ferraz, curador da exposição no IMS.

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