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Animalização Em Graciliano Ramos

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Por:   •  3/2/2015  •  3.406 Palavras (14 Páginas)  •  336 Visualizações

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As consequências sociais e pessoais de qualquer extensão humana são resultado direto de como, individualmente, se fazem as relações com o meio a que está submetido o Homem. Desta relação surgem problemáticas bastante relevantes como a dificuldade de adequação vocabular, o não domínio de estruturas comunicativas, a desvalorização do individuo enquanto força de trabalho, e a sua decorrente desumanização, sua depreciação humana perante a máquina e os meios de produção, sua exaustão física e mental numa limiar que o aproxima dos animais de força motriz.

Pode-se afirmar que a função que a linguagem cumpre no desenvolvimento do ser humano é algo insubstituível. Como coloca Jerusalinsky:

Se bem que a criatura humana nasça com uma disposição na sua aparelhagem orgânica para funcionar no campo da linguagem, ela não nasce coma a linguagem pré-estabelecida. Ela nasce sim, tanto com a disposição como também com a necessidade imperiosa de funcionar nesse campo. Não há nada no organismo humano que venha a suprir a função imprescindível que a linguagem cumpre (2002, p.9).

A relação do sujeito com a realidade se faz sempre mediada pelo outro, através da linguagem. Vygotsky considera a linguagem como constituidora das funções mentais superiores, sendo que o conhecimento é adquirido nas relações entre as pessoas, através da linguagem e da interação social. Sendo assim, Vygotsky acredita que é no significado da palavra que o sujeito encontra as respostas referentes às questões sobre pensamento e fala.

Seguindo esta teoria, é valido questionar: Como se dá este processo de aquisição da linguagem? Qual é a relação da palavra com o pensamento? E da não detenção de uma comunicação por um ser humano? Estaria, pois aí, a resposta para o subdesenvolvimento, a parva e assustadora resposta para a constituição de sub-raças? Escravizadas, obrigadas a exercer subfunções, portar-se como animais a fim de justificar a sua sobrevivência. E sobre qual seria o papel da ciência na capacidade de emancipar o ser humano? Proporcionar-lhe, efetivamente, realizar aquilo, que aparentemente lhe é mais aprazível: pensar, criar? A sociedade atual passa por processos constantes no que compete ao uso da linguagem. Alguns, tão complexos que acabam que gerando uma massa humana incapaz de receber, refletir e processar a grande quantidade de informações que lhe alcançam nas mais diversas possibilidades que englobam a comunicação humana. Desta deficiência, gera-se uma alienação intelectual na qual o Homem sente-se incapaz de conviver em sociedade de maneira efetiva. Porém toda alienação tem uma consequência negativa, pois quando o ser humano não percebe as ações desenvolvidas ao seu redor, fica suscetível a todo e qualquer tipo de manipulação.

Eis, pois o desafio aqui imposto: partindo de um pressuposto literário (A obra de Graciliano Ramos e, seus personagens animalizados nos romances Vidas Secas e São Bernardo) discutir e refletir sobre o papel das ciências na emancipação psíquica, linguística e laboral do Homem.

Enquanto em Vidas Secas a luta é pela sobrevivência pura e simples, consequência da seca contínua que castiga o território nordestino, em São Bernardo temos um Paulo Honório cujo objetivo é subjugar todo o mundo ao seu redor, vencer a pobreza a qualquer custo, em suma, ser um adulto proprietário em substituição à criança miserável. As personalidades engendradas por Graciliano Ramos para serem os protagonistas, sendo assim, não poderiam deixar de ser radicalmente opostas. Tudo o que o Fabiano de Vidas Secas tem de fraqueza e resignação, Paulo Honório o tem de potência e objetividade:

Pois não estavam vendo que ele era de carne e osso? Tinha obrigação de trabalhar para os outros, naturalmente, conhecia o seu lugar. Bem. Nascera com esse destino, ninguém tinha culpa de ele haver nascido com um destino ruim. Que fazer? Podia mudar a sorte? Se lhe dissessem que era possível melhorar de situação, espantar-se-ia. (RAMOS, 2008, p. 97- Vidas Secas).

– Que justiça! Não há justiça nem há religião. O que há é que o senhor vai espichar trinta contos e mais os juros de seis meses. Ou paga ou eu mando sangrá-lo devagarinho. (RAMOS, 2006, p. 18- São Bernardo).

Os narradores estrategicamente escolhidos por Graciliano Ramos, também diferem muito. Em São Bernardo a narração fica a cargo do próprio protagonista, que vai, de memória, relatar sua história de vida, com todas as limitações que este método apresenta: dificuldades de lembrança, esquecimentos voluntários e involuntários, saltos temporais, emissões de juízo, revelação de preconceitos etc. Os excertos abaixo ilustram rapidamente o modo paulonoriano de revelar-se:

Se tentasse contar-lhes a minha meninice, precisava mentir. (RAMOS, 2006, p. 16).

Essa conversa, é claro, não saiu de cabo a rabo como está no papel. Houve suspensões, repetições, mal-entendidos, incongruências, naturais quando a gente fala sem pensar que aquilo vai ser lido. Reproduzo o que julgo interessante. Suprimi diversas passagens, modifiquei outras. (RAMOS, 2006, p. 87).

Por outro lado, em Vidas Secas temos um narrador em terceira pessoa, escolha que nem merece discussão, pois é certamente a única possível. Tamanha é a miséria intelectual da família de Fabiano que a entidade narrativa onisciente é fundamental para que o texto simplesmente exista, caso contrário estaria o leitor restrito aos limitadíssimos diálogos e monólogos das personagens, cujo vocabulário é menos que elementar:

Ouvira falar em juros e prazos. Isto lhe dera uma impressão bastante penosa: sempre que os homens sabidos lhe diziam palavras difíceis, ele saía logrado. Sobressaltava-se escutando-as. Evidentemente só serviam para cobrir ladroeiras. Mas eram bonitas. Às vezes decorava algumas e empregava-as fora de propósito. (RAMOS, 2008, p. 97-98).

Fabiano também não sabia falar. Às vezes largava nomes arrevesados, por embromação. Via perfeitamente que aquilo era besteira. (RAMOS, 2008, p. 36).

Em termos de espaço, também encontramos abordagens distintas. Enquanto em Vidas Secas temos abertamente declarada a opressão exercida pela natureza, que se revela ampla, dominadora, e cujos efeitos são descritos desde a primeira linha do texto, em São Bernardo são raras as descrições de paisagem, presentes apenas a serviço de um ou outro objetivo de seu narrador. Comparemos apreciando um trecho de cada livro:

Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. [...] Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala. (RAMOS, 2008, p. 9- Vidas secas).

Uma coisa que omiti

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