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LINGUAGEM DE MULHER E SILENCIAMENTO NO CONTO “ENTRE AS FOLHAS DO VERDE ´O´” DE MARINA COLASANTI

Por:   •  8/8/2018  •  Artigo  •  2.652 Palavras (11 Páginas)  •  707 Visualizações

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LINGUAGEM DE MULHER E SILENCIAMENTO NO CONTO “ENTRE AS FOLHAS DO VERDE ´O´” DE MARINA COLASANTI

Simone Campos Paulino

Simone.paulino@gmail.com

Idemburgo Pereira Frazão Félix

idfrazao@uol.com.br

RESUMO

O presente artigo parte do conto “Entre as folhas do verde ‘O’”, da autora ítalo-brasileira Marina Colasanti, para refletir sobre a ideia de uma linguagem dominante e masculina que exclui a voz e a linguagem das mulheres do centro, tornando-as marginalizadas. Desta forma, baseando-se na questão da voz do subalterno, de acordo com Spivak (2010), e na linguagem como uma forma de repressão, segundo Kristeva (1984), o presente artigo buscará levantar a reflexões sobre como a linguagem também é uma forma de poder e segregação. Outrossim, destacaremos também a (im)possibilidade de uma linguagem de mulheres.

Palavras-chaves:

Colasanti, feminismo, linguagem, comunicação, insólito, silenciamento

  1. Introdução

A autora Marina Colasanti é reconhecida por seus contos de fadas que, através de situações insólitas, abrem veredas para diversas interpretações que, muitas vezes, recaem sobre a questão do universo feminino.

Em “Entre as folhas do verde ´O´”, existem duas personagens em destaque: O príncipe e a Corça-mulher. Uma representa o masculino e a outra o feminino. É o príncipe quem encontra a Corça-mulher no meio selvagem e, apaixonando-se por ela, acaba por captura-la. Quando a criatura meio corça e meio mulher é levada para o palácio, vemos o maior conflito da relação entre as duas personagens: a comunicação impossível. Afinal, “a corça-mulher só falava a língua da floresta e o príncipe só sabia ouvir a língua do palácio” (COLASANTI, 2015, p. 26). Mantendo-a presa e sem compreender sua linguagem, o príncipe busca interpretá-la através de seu próprio conhecimento de mundo e, portanto, transforma-a em uma mulher por completo, com auxilio de um feiticeiro. “Vieram as costureiras e a cobriram de roupas. Vieram os joalheiros e a cobriram de joias. Vieram os mestres de dança para ensinar-lhe a andar. Só não tinha palavra. E o desejo de ser mulher” (COLASANTI, 2015, p. 26). O desejo dela, porém, não podia ser expresso, uma vez que ela não era capaz de falar a linguagem do palácio. Somente após aprender a andar, ela é capaz de fugir do castelo e, com o auxílio da Rainha das corças, se tornar um animal por completo, assumindo de uma vez o lado selvagem.

Roman Jakobson (2007) observa que

Falar implica a seleção de certas entidades linguísticas e sua combinação em unidades linguísticas de mais alto grau de complexidade. Isto se evidencia imediatamente ao nível lexical quem fala seleciona palavras e as combina em frases, de acordo com o sistema sintático da língua que utiliza; as frases, por sua vez, são combinadas em enuncia dos. Mas o que fala não é de modo algum um agente completamente livre na sua escolha de palavras: a seleção (exceto nos raros casos de efetivo neologismo) deve ser feita a partir do repertório lexical que ele próprio e o destinatário da mensagem possuem em comum. (p. 37)

        Diante disso, vemos que é preciso que os envolvidos no processo de comunicação, reconheçam o repertório lexical utilizado. Caso isso não ocorra, a comunicação se torna praticamente impossível, como ocorre no conto colasantiano. O grande problema da narrativa se revela, portanto, no nível da linguagem utilizada pelas personagens.

Diante do exposto, vemos que a linguagem se revela como um dos principais tópicos do conto “Entre as folhas do Verde ‘O’”. Com base nisso, buscaremos, neste artigo, levantar reflexões sobre a ideia de uma linguagem feminina própria e sobre como a linguagem também é uma forma de poder.

  1. A (im)possibilidade de uma linguagem de mulheres

        Segundo vimos na introdução deste trabalho, no conto “Entre as folhas do Verde ‘O’” temos uma impossibilidade de comunicação. O príncipe e a Corça-mulher possuem diferentes linguagens, entretanto, uma se sobressai a outra. A linguagem da personagem que se manifesta como masculino é a linguagem de ordem dominante. É através da linguagem dele que as ordens são dadas e ele assume a completa tutela da mulher que, não tendo voz, não é capaz de mandar sobre os próprios desejos, perdendo, inclusive, o domínio sobre o próprio corpo.

        Eliane Showalter, em A crítica feminista no território selvagem (1994), observa que a ideia de uma linguagem de mulheres não tem sua origem nos estudos da crítica feminista, mas aparece em antigos mitos. Essa linguagem, porém, é apresentada como uma “fantasia masculina da natureza enigmática do feminino” (SHOWALTER, 1994, p. 37). Portanto, ainda que se apontasse para uma linguagem de mulheres, ela sempre acabava sendo interpretada por uma estrutura falocêntrica.

        Se retornarmos ao conto colasantiano, veremos que a impossibilidade de comunicação entre as protagonistas da narrativa se deu por um afastamento da linguagem e uma tentativa do masculino de interpretar a linguagem de mulher através de uma estrutura estranha a ela.

        A linguagem feminina se encontra no centro dos estudos da crítica feminista francesa. Baseada nos estudos de Derrida e Lacan, essa vertente crítica busca evidenciar marcas de uma linguagem feminina, pautada nos estudos da écriture féminine. Showalter (1994) ressalta que “muitas feministas francesas defendem um linguismo revolucionário, uma ruptura oral com a ditadura do discurso patriarcal” (p.36).

        Julia Kristeva (1984), aparece como um dos principais nomes da crítica feminista francesa. Ela aborda a questão do semiótico e do simbólico, considerando que o simbólico mostra como o homem se insere na sociedade, a autora considera esse aspecto comprometido com a cultura masculina e busca no semiótico, na fase pré-linguística, antes da entrada no simbólico, o momento em que a mãe e a criança possuem uma linguagem própria. O semiótico, segundo Kristeva, guarda a matriz da linguagem que foi sequestrada da mulher. Diante disso, podemos inferir que a linguagem da mulher existe num nível semiótico, mas não sobrevive ao nível simbólico, de domínio masculino.

        Uma linguagem própria de mulheres pode ter existido em sociedades primitivas, entretanto, pensar fora da estrutura falocêntrica da linguagem se mostra como um dos maiores desafios para a linguagem da mulher. A linguagem, segundo Roman Jakobson (2007), é parte integrante da vida social e, portanto, a linguagem e a cultura se implicam mutuamente. Sendo assim, o domínio social dos homens acaba por se manifestar numa linguagem estruturada num pensamento precipuamente masculino.

        No conto de Colasanti, observamos que a linguagem da mulher é tida como inexistente e por isso as vontades dela devem ser interpretadas pelo masculino. Em Pode o subalterno falar?, a estudiosa indiana, Gayatri Chakravorty Spivak assevera que o sujeito subalterno não pode ser ouvido, pois não há desejo de se escutar a voz desse sujeito. Conforme ressaltamos, no conto colasantiano, o príncipe não sabia ouvir a linguagem selvagem da personagem feminina. Ora, se pensarmos numa relação de dominação em “Entre as folhas do Verde ‘O’”, fica evidente que o sujeito subalterno é a Corça-mulher e é ela a personagem silenciada durante a narrativa.

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