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Poética de Carlos Drummond

Por:   •  15/6/2015  •  Relatório de pesquisa  •  1.687 Palavras (7 Páginas)  •  281 Visualizações

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O presente texto tem por objetivo analisar os procedimentos envolvidos na construção da lírica de Carlos Drummond de Andrade, valendo-se, para tanto, do Poema de sete faces, o qual aponta para um movimento que anima toda  poesia do poeta, a relação eu versus mundo.

De início, é importante observarmos que a modernidade trouxe novas configurações do sujeito lírico, mostrando que este não pode ficar fechado em si mesmo, haja vista a concepção de que todo sujeito é inacabado. Assim, uma projeção para fora de si passa a ser entendida como uma porta que desaloja o sujeito lírico de sua interioridade, e o coloca de encontro ao mundo, ao tempo, aos seres e à linguagem. Dessa forma, os elementos exterios não podem ser, simplesmente, pretextos para a expressão do sujeito lírico, mas sim meios que permitem ao poeta sair de si e materalizar-se na poesia. Tomando esta como um espaço de concretização da linguagem e da noção de outridade, o poeta pode tocar a verdadeira existência, aquela que, numa ação recíproca, permite conhecer a si e ao outro, já que o poema é, ao mesmo tempo, mundo sensitivo e palavra, e neste espaço de sensações não é possível desconsiderar a presença das coisas, dos objetos, dos outros, ou seja, daquilo que nos cerca. Diante disso, devemos entender o poema como o nosso objeto verbal que permite à modernidade ultrapassar a subjetividade pessoal, indo de encontro a uma alteridade necessária à tentativa de compreensão e realização do eu-poético, pois é por meio da poesia que o sujeito dá vasão e consistência a sua emoção. Assim, como aponta Michel Collot,

Colocar o objeto contra o sujeito, o corpo contra o espírito, a letra contra a significação, é perder o essencial e o mais difícil de ser pensado, que é a implicação recíproca de tais termos. Para tentar compreender que o sujeito lírico só pode se constituir na sua relação com o objeto, que passa pelo corpo e pelo sentido, lançando-nos e lançando seu sentido através da matéria do mundo e das palavras, a poesia moderna nos leva a ultrapassar todas essas dicotomias.

(O sujeito lírico fora de si, p.168)

        Drummond é, portanto, para a poesia moderna, um grande exemplo desse sujeito projetado para fora de si, fazendo do espaço da poesia sua morada, sua verdade, sua vida, lançando mão de recursos que ora olham para fora ora olham para dentro, num constante jogo poético de alteridade. No Poema de sete faces, observamos procedimentos que vêm de encontro à definição posta acima, a qual mostra que o sujeito moderno só pode se realizar numa tomada de posição que analisa, ao mesmo tempo, a si e ao mundo. Assim, o próprio título do poema já aponta para a constituição de um sujeito que deve ser tomado em sete momentos, fases, ou mesmo facetas distintas, indo do nascimento à caracterização de um ser aberto às correspondências do mundo. “Quando nasci, um anjo torto / desses que vivem na sombra / disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida.”, aqui o gauchismo, a inadequação de um sujeito que não se encontra, já se faz presente, denunciando a recíproca relação de um eu versus mundo que norteia toda a poesia do escritor; tal desenquadramento é anunciado, ainda, por um anjo torto que vive nas sombras, ou seja, podemos tomar esse anjo e esse Carlos como os olhos líricos projetados num mundo desconcertado, o qual, desde Camões, anda ébrio, alinear e fornece ao eu-lírico as bases para uma relexão do seu pertencimento a ele. Assim, essa primeira face nos apresenta esse sujeito estranho, desajustado e que deve ser dessa maneira, pois vive em um mundo que também carece de ajustes; logo, é a projeção de um olhar para a vida e a constatação de sua sinuosidade que desaloja o sujeito de si, levando este a compreender-se como torto. “As casas espiam os homens / que correm atrás de mulheres. / A tarde talvez fosse azul, / não houvesse tantos desejos.”, na sequência, a segunda estrofe volta seu olhar para as casas, pequeno mundo dos homens, espaço que permite nossos primeiros contatos com a erotização, bem retratada no correr dos homens em direção às mulheres, sutil, mas suficiente para nos trazer nossas primeiras sensaçãoes sexuais; interessante notar, ainda, que quem olha é a casa personificada, sendo esta nada mais que uma projeção do ato de espiar, ato estático e feito às espreitas e que, semanticamente, já nos leva para algo proibido, rementendo ao próprio exercício da erotização tão castrado socialmente. Nos dois últimos versos, esse conflito de desejos torna-se evidente, haja vista a dúvida de uma tarde azul, ou seja, de um ambiente que não se quer tranquilo, assim, é importante percebermos que tais sensações só foram possíveis de serem atingidas, no espaço do poema, graças à projeção de um olhar para fora de si do eu-lírico, que exprime de forma elaborada e sintetizada seus estar no mundo.

        Na terceira estrofe nos deparamos com um recorte cinematográfico, veja: “O bonde passa cheio de pernas: / pernas brancas pretas amarelas. / Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração. / Porém meus olhos / não perguntam nada.”, nestes versos encontramos novamente um movimento que vai beber do mundo e volta para o eu-lírico, são pernas que passam, é a evolução do bonde e a estaticidade do sujeito frente a uma constatação baudelariana, como não se lembrar de A uma passante, que retoma os desejos presentes na estrofe anterior, e aponta para a perdição do eu-lírico que, fraco frente aos desejos da carne, recorre a um Deus em tom de culpabilidade. Já na quarta estrofe, observamos, nos dizeres de alguns críticos, uma aparente anulação da instância lírica, pois temos o uso exclusivo da terceira pessoa do discurso, mas é aqui que a ideia de sujeito lírico projetado para fora de si se faz com mais força, pois é na contramão de uma subjetividade pessoal que o poeta traz à superfície sua interioridade, pois “O homem atrás do bigode / é sério, simples e forte. / Quase não conversa. / Tem poucos, raros amigos / o homem atrás dos óculos e do bigode.” , nada mais é que uma imagem projetada para a sociedade, servindo como baliza às relações entre esse sujeito e o mundo, sujeito que, altivo e cerimonioso, contrasta com o gauche da primeira estrofe, caracterizando, assim, a multiplicidade de faces desse eu-lírico, o qual entende como necessária essa mesma multiplicidade, pois se sabe torto, erótico, atônito,  equilibrado e fraco: “Meu Deus, por que me abandonaste / se sabias que eu não era Deus / se sabias que eu era fraco.”. Acentua-se, nesta estrofe, o efeito de contraste já presente nos versos anteriores, agora não se trata de um ser equilibrado, mas de um ser frágil, sozinho e abandonado frente às mazelas do mundo, um ser que precisa de amparo, um ser que diz muito sobre todos nós, pois estamos, sempre, em busca de um porto seguro, seja este porto nossa casa, nossa família, nosso emprego, nosso casamento, ou tudo aquilo que nos dá uma falsa sensação de segurança, mas a inquietação e o vazio são latentes. Observa-se, portanto, que essa quinta face faz uma ponte entre o sujeito lírico e o divino, matizando, dessa forma, mais um elemento de constituição desse ser. Já na sexta estrofe, “Mundo mundo vasto mundo / se eu me chamasse Raimundo, / seria uma rima, não seria uma solução. / Mundo mundo vasto mundo, / mais vasto é meu coração.”, observamos uma acentuação entre um sujeito projetaso para um mundo grande, grande em possibilidades, grande em palcos, grande em encenações, e, na mesma medida, vemos um derramamento sentimental, reforçando o movimento de olhar para fora e para dentro, movimento este que caracteriza as mudanças da poesia moderna , no que tange à constituição do sujeito lírico, assim nos deparamos, novamente, com um sujeito colhendo informações do mundo e desalojando sua interioridade em busca de uma solução, que o poeta sabe difícil, haja vista o predomínio das sensações e subjetividades ligadas ao comboio de cordas que se chama coração, mais uma vez o contraste se faz presente, sendo este uma marca dessas faces construídas pelo lirismo do poeta. Já no fechamento do poema, “Eu não devia te dizer / mas essa lua / mas esse conhaque / botam a gente comovido como o diabo.”, abre-se, novamente, para uma projeção eu versus mundo (tu), estabelecendo, aqui, uma aproximação que torna evidente o que fora anunciado no início: Drummond é um poeta moderno que faz uso da projeção para fora de si, tendo em vista a constituição de um sujeito lírico. Assim, o tom de diálogo da última estrofe nos traz uma face conciliadora, que atua de forma a amaneirar as contradiçoes das faces anteriores, o conhaque e a lua tornam familiar a conversa, temos um tom de amizade e desculpas que pacifica os sujeitos constituídos nos versos anteriores.

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