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De Sujeitos a Atores Sociais: A Luta pela Reforma Agrária e o Imprecativo da Miséria na Poesia Musical em Morte e Vida Severina”

Por:   •  12/9/2016  •  Artigo  •  5.710 Palavras (23 Páginas)  •  529 Visualizações

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V Colóquio de Pesquisa Sobre Instituições Escolares:

 “ENTRE O INDIVIDUAL E O COLETIVO”

De sujeitos a atores sociais: a luta pela reforma agrária e o imprecativo da miséria na poesia musical em Morte e Vida Severina

Bruno Cabral de Mello[1]
Kety Viana[2]

De sujeitos a atores sociais: a luta pela reforma agrária e o imprecativo da miséria na poesia musical em Morte e Vida Severina

Nesse artigo, pretende-se analisar a consonância entre a poesia musical inspirada no livro Duas Águas, de João Cabral de Melo Neto, com música de Chico Buarque de Holanda, apresentada no filme Morte e Vida Severina, filmado e produzido no Brasil em 1976, sob a direção de Zelito Vianna, e a inelutável emergência de haver uma efetiva reforma agrária no Brasil, em face de miséria escancarada que o filme traz, convocando-nos a uma reflexão crítica sobre o tema.

Para tanto, iniciamos o texto com um breve apanhado da obra de João Cabral de Melo Neto, que apresenta uma maneira peculiar para a construção de suas poesias, com um recorte para a análise de Morte e Vida Severina, a fim de situar o leitor ou leitora acerca da importante contribuição das obras do autor na descrição dos aspectos físicos e humanos da região Nordeste do país, evidenciando a necessidade de se pensar em novos rumos para a questão agrária no Brasil.

Posteriormente, estabelecemos um exame do filme, onde o diretor Zelito Vianna conta com a genialidade da poesia de João Cabral de Melo Neto e a musicalidade de Chico Buarque de Holanda, além das paisagens marcantes e bela atuação dos atores, com vistas à discussão sobre as implicações socioeconômicas, políticas e culturais acarretadas através das relações de poder estabelecidas na organização do trabalho na sociedade capitalista e, conseqüentemente, da má distribuição da terra.

Amarrando essa discussão, propõe-se a utilização do filme para o trabalho pedagógico sobre o tema da reforma agrária, seus impedimentos e possibilidades, com um adendo especial para o enfrentamento da fome e miséria no polígono das secas do sertão nordestino, dentro da perspectiva freireana de educação.

Para sustentar esse debate, pautamo-nos em Milton Santos no tocante à forma em que está organizado o espaço brasileiro e como deveria ser olhada essa organização: como uma espécie de campo de força, tracionada pela dinâmica social; Karl Marx para delinear, sucintamente, as implicações da natureza, “essencialmente humana”, do trabalho e a organização dos modos de produção, contemplado no filme com a síntese dos resultados desastrosos que a lógica capitalista imprime na sociedade e, por fim, em Paulo Freire que, em suas obras e projetos educacionais, legitima a necessidade de haver uma educação popular emancipadora, libertadora e que oportunize mudanças políticas, culturais e socioeconômicas favoráveis às classes oprimidas, em detrimento das relações autoritárias de poder estabelecidas dentro da configuração sócio-capitalista.

  1. A construção de Morte e Vida Severina por João Cabral de Melo Neto

A extensa obra de João Cabral de Melo Neto reúne poemas que tratam, de maneira peculiar, das mazelas e vivências cotidianas nordestinas, escritos esses que foram divididos em duas fases que se completam e intituladas de “duas águas” por conta da similaridade encontrada com a estruturação do telhado de uma casa: de um lado uma poesia mais erudita, com uma composição rebuscada que, de certa maneira, apresenta acesso restrito aos leitores e, de outro, sem perder a qualidade da composição e tampouco sua rigidez no que se refere à metrificação e rimas dos versos, – características marcantes do autor – poesias que convergem ao gosto e entendimento popular, principalmente por narrar, de maneira sublime, o espaço, tempo e cultura nordestina, dando “asas à imaginação” do leitor, ou ouvinte, que tem, em suas obras, o privilégio enternecer-se com poemas tão pontuais e críticos.

Morte e Vida Severina foi escrito em 1954/55 e publicada do livro “Duas Águas”, com o intuito de alicerçar o roteiro de uma peça teatral dirigida por Maria Clara Machado, peça essa que, ao ser vetado pela censura estabelecida durante o regime militar, só foi encenada em 1966, com a música de Chico Buarque, também protagonizada no filme, a peça rendeu sucesso mundial, o que solidificou o título de “poeta engenheiro” a João Cabral de Melo Neto e consagrou Morte e Vida Severina como sua mais importante obra.

1.1. Poesia musical e crítica incisiva: o limite entre vida e morte no filme de Zelito Vianna

O filme traz, com fidelidade, os trechos da poesia de João Cabral de Melo Neto que são, paulatinamente, cantadas pelos atores, entre os quais José Dumont, protagoniza ‘Severino’, mais um em meio aos tantos, em total anonimato, sobreviventes e finados diante da seca truculenta do Nordeste brasileiro.

Pode-se estabelecer uma divisão do filme, em comparação ao poema de João Cabral de Melo Neto, em dezoito partes que correspondem à seqüência eleita pelo poeta em seu livro.

A trama inicia-se através de um solilóquio travado por Severino, um retirante que se apresenta e tenta expor argumentos que possibilitem a diferenciação entre ele e os demais ‘Severinos’ do sertão, já que, segundo a poesia, os ‘Severinos’ são "iguais em tudo na vida". No entanto, o protagonista do filme vem representar todos os demais. Em sua viagem, o sertanejo se depara, sucessivamente, com a morte representada de diversas maneiras, principalmente, pelo fruto do descaso da sociedade e governo com o povo do sertão.

Tomando como guia o rio Capibaribe, seco em função do verão, Severino teme se perder pelo caminho e decide procurar emprego ali mesmo. Dirige-se a uma rezadeira (Elba Ramalho), debruçada na janela de sua casa e a questiona sobre a possibilidade de encontrar emprego. Após iniciar uma sabatina acerca dos possíveis ofícios do retirante, a rezadeira elucida que, naquela localidade, com tanta miséria, só há emprego para os que pretender lidar com a morte.

Desenganado, Severino continua sua caminhada, até que chega à Zona da Mata e, espantado com a riqueza da vegetação,  decide interromper novamente sua viagem, na ilusão de que naquele lugar onde chegara é que estava sua sorte. Para sua decepção, mais adiante, Severino assiste ao funeral de um lavrador cujo corpo é carregado por amigos e uma trabalhadora do campo (Tânia Alves), que cantam a tristeza por sua morte e a indignação por conta dos maus tratos sofridos em vida, maus tratos estes que se estende a todos que ali residem e lutam pela reforma agrária.

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