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O Trabalho de Psicologia

Por:   •  6/9/2015  •  Relatório de pesquisa  •  2.419 Palavras (10 Páginas)  •  174 Visualizações

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O BIXO DE 7 CABEÇAS

Qualquer estudo literário, por mais profundo que seja - e não importa quão sutil e preciso o instrumental utilizado -, alcançará apenas a superfície da obra. Esta é insondável e as tentativas de a revelar, ampliando-a, multiplicam igualmente o seu mistério. Compreender melhor uma obra não significa decifrá-la, os seus corredores são infindos.

Não tencionamos também enveredar pelo viés da psiquiatria, disciplina que tem a loucura como objeto de estudo. Todavia, faz-se necessário discutir um conceito nuclear a grande parte das teorias psiquiátricas: o conceito de “doença mental”.

Tradicionalmente, o doente mental era o sujeito que possuía uma patologia natural, manifestada por meio de sintomas, em analogia às doenças orgânicas. Hipócrates considerava a loucura como uma desordem da natureza orgânica e corporal do homem. Segundo sua doutrina, a loucura como desrazão ou descontrole emocional, como era concebido por Homero e pelos textos trágicos, é resultante de desarranjos orgânicos.5 Hipócrates inaugura, assim, a teoria organicista da loucura, que terá seu ápice na medicina dos séculos XVII e XIX.

Na contemporaneidade, duas perspectivas diferentes da tradicional se destacam: uma, formulada por Carl Wernicke, postula que “as doenças mentais são doenças cerebrais”, ou seja, o doente mental não está organicamente doente e sim acometido por um distúrbio cerebral. Outra vertente; fundada por E. Kraepelin, considerado o pai da moderna medicina mental, considera a loucura como resultado de um distúrbio originado no interior do indivíduo.

A “doença mental” pode também refletir uma desorganização da chamada “personalidade individual”. Dentro desse campo, surgem duas grandes categorias, as psicoses e as neuroses. Não vamos nos deter nos conceitos dessas vertentes. O importante é que, para classificar um indivíduo como neurótico ou psicótico, deve-se pressupor, logicamente, uma norma que é inscrita em uma determinada sociedade e que esses indivíduos violam. A doença mental assume, então, uma postura relacional e não orgânica, como se pensava. O indivíduo é considerado louco em relação a um outro, tido como normal, ou seja, a definição de loucura está relacionada a relações de “normalidade”, “racionalidade” ou “saúde”.

Dentro desse contexto, outra questão surge: uma pessoa que recebe o rótulo de “louco” é efetivamente um louco ou simplesmente possui um comportamento desviante do estabelecido pela sociedade?

Esse é o ponto de partida para este trabalho. Pretendemos mostrar através de meios semióticos diferentes, a obra literária Armadilha para Lamartine e o filme Bicho de sete cabeças, que os personagens considerados como loucos simplesmente possuem um comportamento diferenciado e, devido a isso, foram taxados como doentes. Não estamos dizendo que não exista o louco, o que pretendemos mostrar é que nas obras analisadas, o papel de louco foi atribuído aos personagens, Neto e Lamartine, por apresentarem comportamentos desviantes, e por quebrarem certas “regras de normalidade”.

Em Armadilha para Lamartine temos, a priori, uma narrativa simples. São justapostos dois relatos: o primeiro é do próprio Lamartine que, fazendo-se passar por Ricardinho (um outro interno) narra toda a sua aventura, de dentro do sanatório. O segundo relato é o do pai de Lamartine, um minucioso diário escrito entre os anos de 1954 e 1955, que começa com o abandono da casa por Lamartine e termina com o retorno “do filho pródigo” para o lar, após dois meses de internação no sanatório Três Cruzes, do Rio de Janeiro.

Em Bicho de sete cabeças, um jovem de classe média baixa, pertencente a uma família totalmente desestruturada, é encontrado com um cigarro de maconha no bolso de uma jaqueta e, a partir disso, internado numa clínica para doentes mentais.

Percebemos nas duas obras a loucura como sinal da (des) estruturação da vida familiar, da perda de controle dos filhos. Percebemos também certa máquina social, a família patriarcal, funcionando como uma “tecnologia do poder”. Poder que atua diretamente sobre os corpos desse grupo familiar, modelando-os, manipulando-os.

No caso do filme, Neto é o paciente desse poder exercido por seu pai, que funciona como máquina controladora. O cigarro de maconha no bolso do filho mostra ao pai uma realidade que ele não queria ver, pois revela que o poder não está sendo exercido como ele o desejaria e mostra que ele já não controla mais seu filho. O que fazer diante dessa situação? Como continuar exercendo o poder de pai?

A solução encontrada por Wilson, pai de Neto, foi interná-lo num hospício, transferindo seu poder a outra máquina controladora: a instituição de saúde mental.

Dentro do hospital psiquiátrico Neto vê-se diante de dois mecanismos de controle: a vigilância e a disciplina.

A primeira está encarnada na figura do médico e dos enfermeiros, agentes responsáveis pela manutenção da disciplina entre os internos. Segundo Foucault6, a disciplina é resultado de métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade e utilidade. O uso constante de remédios vai, pouco a pouco, transformando os “doentes” em animais dóceis, seres que vivem perambulando pelos cantos do sanatório como se estivessem alucinados. O eletrochoque, outro método disciplinar, é usado nos pacientes, não com fim terapêuticos, mas com função punitiva. O paciente, a cada sessão, perde sua personalidade e o seu “eu” é reconstruído nos moldes das instituições psiquiátricas.

O louco torna-se, nesse contexto, algo que se fabrica. Neto possui, inicialmente, um corpo inapto para a instituição, não possui a aparência nem o comportamento que o sistema deseja. Desse corpo inapto faz-se a máquina de que se precisa. A cada comprimido e a cada sessão de eletrochoque, Neto vai perdendo as suas características particulares e se tornando um ser robotizado, um “homem -máquina”, dócil, adestrado, “que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”.7

Vemos, então, a partir do filme Bicho de sete cabeças, a utilização do corpo como objeto e como alvo de poder. Poder corroborado pelo discurso médico que define quem está com a razão e quem está privado dela. Através da palavra falada, Dr. Cintra constrói e apresenta à família um Neto com status de louco, que possui corpo e mente mutilados pelo discurso e pelas ações dos pais e da sociedade como um todo. De acordo com Foucault, “a grande atenção dedicada ao corpo - ao corpo que se manipula, se modela, se treina,

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