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PSICANÁLISE, SEXO E GÊNERO: ALGUMAS REFLEXÕES

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Por:   •  28/11/2014  •  6.212 Palavras (25 Páginas)  •  355 Visualizações

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ensar a alteridade é, então, pensar o diferente, a relação, o conflito. Isto é mais difícil, evidentemente, do que pensar a diferença dos sexos apoiada em invariantes culturais, antropológicas ou psicanalíticas ou, ainda, graças a boas intenções sobre a complementaridade natural dos sexos, e a boa consciência sobre a perenidade do mal feminino.

Geneviève Fraisse

Introdução

Antes de abordar a questão proposta pela mesa – Psicanálise, gênero e sexualidade – gostaria de precisar aquilo que hoje se chama “estudos de gênero”. Trata-se, de um lado, dos movimentos feministas com as teorias que os sustentam; e, de outro lado, das práticas políticas às quais estes movimentos conduzem. Ao mesmo tempo, o conceito operatório de gênero não se limita aos estudos feministas e nem todo trabalho que implica a utilização de gênero engloba alguma forma de militância.

É interessante lembrar, que algumas passagens da obra de Freud abriram perspectivas inéditas e revolucionárias sobre a sexualidade, a ponto de algumas feministas verem na psicanálise uma possibilidade de emancipação. Porém, mais tarde elas passaram a acusar Freud de androcentrismo, por perpetuar o modelo patriarcal que sustentava algumas de suas posições. O problema tomou novas proporções quando, em 1925, Freud teorizou sobre a fase fálica no desenvolvimento das meninas. Ao responder as reivindicações feministas, Freud acabou patologizando suas demandas:

Não devemos nos permitir ser desviados de tais conclusões [sobre a formação do superego nas mulheres] pelas negações dos feministas, que estão ansiosos por nos forçar a encarar os dois sexos como completamente iguais em posição e valor (Freud,1925, 320).

Entretanto, a posição falocêntrica defendida por Freud começou a produzir polêmicas a partir de 1930. "Vozes isoladas", como dizia Freud, falavam da existência de sensações vaginais precoces. Dentre estas “vozes” destacam-se as de Melanie Klein, Joan Riviere, Hélène Deutsch, Karen Horney et Ernest Jones. Estes autores questionavam a concepção freudiana da fase fálica e da inveja do pênis. Melanie Klein (1959), por exemplo, defendia que a menina, desde pequena, possuía o conhecimento da vagina, embora fosse recalcado em função do clitóris.

O rompimento quase definitivo com a teoria psicanalítica por parte de algumas feministas se deu em 1927 em O Futuro de uma ilusão, e em 1929 em O mal-estar na civilização. Nestes textos, Freud fala das injustiças sociais e das classes oprimidas, sem mencionar a opressão social que sofrem as mulheres.

A utilização da palavra gênero aparece em várias áreas do conhecimento. Por exemplo, a antropologia nos mostra que as noções de gênero, das diferenças sexuais anatômicas, a criação simbólica do sexo, o modelo do masculino e do feminino, devem ser compreendidos como uma criação própria a cada cultura. Nas relações psicossociais ou interpessoais, o gênero é um modo de organização de modelos que são transmitidos aos indivíduos, e através dos quais as estruturas sociais e as relações entre os sexos se estabelecem: a divisão de trabalho, as relações de poder entre homens e mulheres, que determinam tanto os processos de subjetivação e de socialização quanto as interações sociais. Em psicologia, fala-se de identidade de gênero e de papel de gênero para designar o modo que o sujeito vive o gênero ao qual se sente pertencer, e responde aos ideais social e historicamente construídos e atribuídos ao gênero em questão.

Psicanálise e gênero

A literatura sobre a questão do gênero em psicanálise deixa claro duas perspectivas conflituais: a interseção do individual – da constituição do Eu, ou do sujeito – e as construções sociais como tributárias de processos históricos. Para alguns psicanalistas, por mais que os processos sociais possam interferir nas construções constitutivas do Eu, os conflitos observados são sempre individuais relacionados a mecanismos intrapsíquicos inconscientes, logo, independentes, com raras exceções, do social. Para estes, o conceito de gênero não traria grandes contribuições à psicanálise, e os trabalhos de Freud sobre a sexualidade, sobretudo a infantil, já trazem no seu bojo postulados bem avançados e ideias inovadoras e originais para a época sobre a questão de gênero. Outros, partindo da famosa observação freudiana segundo a qual “toda psicologia individual é, ao mesmo tempo, também psicologia social” (Freud, 1921, 91) entendem que o tema contribui para a compreensão de certos conflitos.

A utilização do termo "gênero" tem gerado mais polêmica do que consenso no universo psicanalítico. Esse termo, freqüentemente utilizado na literatura anglo-saxônica na qual encontramos expressões como: "identidade de gênero", "problemas de gênero", "disforia de gênero", é de uso bem mais recente e restrito na terminologia psicanalítica brasileira.

A distinção entre sexo e gênero foi introduzida na psicanálise pelo psicanalista norte-americano Robert Stoller para uma melhor compreensão da psicodinâmica do transexual. Stoller isola, para melhor delinear, os aspectos da psicossexualidade que, para ele, são "independentes" do biológico: gênero. Para isso, ele parte do que Freud chama de "caracteres sexuais mentais” (a(atitude masculina e feminina) que são, até certo ponto, independentes dos caracteres sexuais físicos e do "tipo de escolha de objeto" (F(Freud, 1920).

Stoller separa, então, os dois aspectos do conceito freudiano de bissexualidade – o biológico e o psíquico – para, em seguida, examinar a dimensão biológica (s(sexo) por meio do estudo dos intersexuais, e a dimensão psíquica (g(gênero) pelo estudo dos transexuais. Stoller conclui que o gênero prima sobre o sexo. Este desdobramento vai permitir-lhe apreender a aquisição do feminino e do masculino – o gênero -, por um homem [male] ou uma mulher [female] – o sexo.[1] Segundo Stoller, "gênero", tal como o gênero gramatical (m(masculino, feminino), traduz melhor as conotações psicológicas e/ou culturais que "sexo". “O gênero é a quantidade de masculinidade, ou de feminilidade, que uma pessoa possui. Ainda que existam misturas dos dois nos seres humanos, o homem (m(male) “normal” possui uma preponderância de masculinidade, e a mulher (f(female) “normal” uma preponderância de feminilidade" (S(Stoller,

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