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Psicólogo no campo de concentração

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Por:   •  8/5/2014  •  Artigo  •  8.862 Palavras (36 Páginas)  •  258 Visualizações

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EM BUSCA DO SENTIDO

UM PSICOLÓGO NO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO

VIKTOR FRANKL

Um psicólogo no campo de concentração

- Este livro não trata de fatos e acontecimentos externos, mas de experiências pessoais que milhares de prisioneiros viveram de muitas formas. É a história de um campo de concentração visto de dentro, contada por um dos seus sobreviventes. Não vamos descrever os grandes horrores (já bastante denunciados; embora nem sempre se acredite neles), mas sim as inúmeras pequenas torturas. Em outras palavras, tentarei responder à seguinte pergunta: "De que modo se refletia na cabeça do prisioneiro médio a vida cotidiana do campo de concentração?"

- O não-iniciado que olha de fora, sem nunca ter estado num campo de concentração, geralmente tem uma ideia errada da situação num campo destes. Imagina a vida lá dentro de modo sentimental, simplifica a realidade e não tem a menor ideia da feroz luta pela existência, mesmo entre os próprios prisioneiros e justamente nos campos menores. É violenta a luta pelo pão de cada dia e pela preservação e salvação da vida.

- Existiam prisioneiros que viviam anos a fio em campos de concentração e eram transferidos de um para outro, passando às vezes por dezenas deles. Dentre eles, em geral, somente conseguiam manter-se com vida aqueles que não tinham escrúpulos nessa luta pela preservação da vida e que não hesitavam em usar métodos violentos ou mesmo em trair amigos. Todos nós que escapamos com vida por milhares e milhares de felizes coincidências ou milagres divinos - seja lá como quisermos chamá-los - sabemos e podemos dizer, sem hesitação, que os melhores não voltaram.

- Quando o ex-prisioneiro 119104 tenta descrever agora o que vivenciou como psicólogo no campo de concentração, é preciso observar de antemão que naturalmente ele não atuou ali como psicólogo, nem mesmo como médico

- Pois a atitude dos sobreviventes não é sempre fácil de compreender. Frequentemente ouvimos essas pessoas dizer: "Não gostamos de falar sobre a nossa experiência. Não é necessária nenhuma explicação para quem esteve num campo, e a quem não esteve jamais conseguiremos explicar o que havia dentro de nós, nem tampouco o que continuamos sentindo hoje."

- Pode ser que quem esteve completamente envolvido tivesse muito pouco distanciamento para poder chegar a um julgamento bem objetivo. Ocorre, porém, que somente ele chega a conhecer a experiência em questão. Naturalmente não só é possível mas é até muito provável que o critério que aplica às coisas esteja distorcido.

- Porque, a rigor, o perigo de uma investigação psicológica semelhante não reside em apresentar traços pessoais, mas exclusivamente em tornar-se tendenciosa. Por isso deixarei que outros destilem mais uma vez o que está sendo apresentado, tirando do extrato dessas experiências subjetivas as suas conclusões impessoais em forma de teorias objetivas.

- Neste ponto quero mencionar que inicialmente não pretendia publicar este livro com o meu nome, mas apenas indicando o meu número de prisioneiro. A razão disto estava em minha aversão a todo e qualquer exibicionismo com relação às experiências vividas.

- Numa primeira classificação da enorme quantidade de material de observações sobre si mesmo ou sobre outros, do total de experiências e vivências passadas em campos de concentração, poderíamos distinguir três frases nas reações psicológicas do prisioneiro ante a vida no campo de concentração: a fase da recepção no campo, a fase da dita vida no campo de concentração e a fase após a soltura, ou melhor, da libertação do campo.

- A primeira fase se caracteriza pelo que se poderia chamar de choque de recepção. É preciso lembrar que o efeito de choque psicológico pode preceder à recepção formal, dependendo das circunstâncias.

- Todos achávamos que o transporte se dirigia para alguma fábrica de armamento onde nos usariam para trabalhos forçados. Aparentemente o trem pára em algum lugar no meio da linha; ninguém sabe ao certo se ainda estamos na Silésia ou já na Polônia.

- De repente, do amontoado de gente esperando ansiosamente no vagão, surge um grito: "Olha a tabuleta: Auschwitz!" Naquele momento não houve coração que não se abalasse. Todos sabiam o que significava Auschwitz. Esse nome suscitava imagens confusas, mas horripilantes de câmaras de gás, fornos crematórios e execuções em massa. O trem avança lentamente, como que hesitando, como se quisesse dar aos poucos a má notícia a sua desgraçada carga humana: "Auschwitz".

- Eu e praticamente todos os integrantes do nosso transporte estávamos, portanto, tomados por essa ilusão de indulto que acredita que tudo ainda pode sair bem. Pois ainda não tínhamos condições de entender a razão daquilo que ali se desenrolava; somente à noite é que iríamos entender.

- À noite ficamos sabendo o significado desse jogo com o dedo indicador: era a primeira seleção! A primeira decisão sobre ser ou não ser. Para a imensa maioria do nosso transporte, cerca de 90%, foi a sentença de morte. Ela foi levada a cabo em poucas horas.

- Ficamos esperando agora num galpão que forma a ante-sala da "desinfecção". A SS vem com cobertores sobre os quais devem ser jogadas as posses pessoais, todos os relógios e todas as jóias. Para a diversão dos prisioneiros "antigos" que colaboram, ainda há entre nós alguns ingênuos que se arriscam a perguntar se não se poderia ficar ao menos com uma aliança, um medalhão, um talismã ou uma lembrança? Ninguém consegue acreditar que de fato tiram literalmente tudo da gente.

-Enquanto ainda esperamos pelo chuveiro, experimentamos integralmente a nudez: agora nada mais temos senão esse nosso corpo nu (sem os cabelos). Nada possuímos a não ser, literalmente, nossa existência nua e crua. Que restou em comum com nossa vida de antes? Para mim, por exemplo, ficaram os óculos e o cinto; este, entretanto, teria que ser dado em troca de um pedaço de pão, mais tarde.

- Desfez-se assim, uma após outra, qualquer ilusão que alguém do grupo eventualmente ainda estivesse nutrindo. A maioria de nós agora é tomada de algo inesperado: humor negro! Sabemos que nada mais temos a perder a não ser uma vida ridiculamente nua. Debaixo do chuveiro fazemos comentários engraçados, que pretendem ser gracejos. Em atitude meio forçada, cada qual se diverte primeiro consigo mesmo, depois também com os outros. Afinal, do chuveiro realmente sai água!

- Então nos dávamos conta da verdade daquela frase de Dostoievski, que define o ser humano como

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