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UM PROJETO DE PESQUISA SOBRE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E CURRÍCULO

Por:   •  8/5/2017  •  Projeto de pesquisa  •  4.710 Palavras (19 Páginas)  •  532 Visualizações

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UM PROJETO DE PESQUISA SOBRE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E CURRÍCULO Fábio Ricardo Mizuno Lemos (EF/CEUCLAR – SEE/SP – PPGE/UFSCar – SPQMH) RESUMO Na atual LDB, aos docentes de Educação Física é atribuída a mesma responsabilidade educacional dos demais professores, todavia, posturas voltadas para a preparação física com o fim em si mesma, ou seja, para o condicionamento físico, apenas, tem colaborado para um certo desprestígio dos profissionais da área. A partir deste contexto, o presente estudo, tem como objetivo: compreender a percepção de docentes de Educação Física, do Ensino Médio de escolas estaduais da cidade de São Carlos, acerca da importância e desprestígio educacionais deste componente curricular; construir (reconstruir) uma proposta que favoreça o aspecto educacional da Educação Física, visando uma educação humanizante. Para isso, a metodologia utilizada estará pautada na investigação qualitativa. Palavras-Chaves: Educação Física Escolar; Currículo; Processos Educativos. Introdução/Justificativa A Educação Física escolar brasileira teve seu início oficial em 1851, com a Reforma Couto Ferraz, quando foram apresentadas à Assembléia as bases para a reforma do ensino primário e secundário no Município da Corte. Após três anos, em 1854, a sua regulamentação foi expedida e entre as matérias a serem obrigatoriamente ministradas estavam, no primário, a ginástica, e no secundário, a dança (BETTI, 1991). Especificamente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), principal lei relacionada à Educação, já na primeira (lei no 4.024, de 20 de dezembro de 1961), a Educação Física estava presente. Nesta, era considerada obrigatória nos cursos de graus primário e médio até a idade de 18 anos (BRASIL, 1961), porém, tinha como preocupação primordial a preparação física dos jovens para o ingresso no mercado de trabalho de forma produtiva (SILVA e VENÂNCIO, 2005). Com a reformulação na LDB, ocorrida em 1971 (lei no 5.692, de 11 de agosto de 1971), a obrigatoriedade da Educação Física foi ampliada a todos os níveis e ramos de escolarização, mas, ainda, com a intenção de preparação física de trabalhadores. Isto se evidencia com as opções de facultabilidade apresentadas pela lei: estudar em período noturno e trabalhar mais de 6 horas diárias; ter mais de 30 anos de idade; estar prestando serviço militar; estar fisicamente incapacitado (BRASIL, 1971). 387 Nesse contexto, houve um favorecimento para a consideração da Educação Física enquanto mera atividade extracurricular, como um elemento sem nenhum comprometimento formativo educacional (SILVA e VENÂNCIO, 2005). No plano legal, tal formulação começa a ser desconstruída com a LDB de 1996 (lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996), na qual a Educação Física passa a ser considerada um componente curricular como os demais. A LDB de 1996, em seu artigo 26o , parágrafo 3o , determina: “A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos” (BRASIL, 1996). Entretanto, tal alteração não surtiu o efeito esperado, pois, com o caráter genérico desse artigo, não ficou garantida a presença das aulas de Educação Física em todas as etapas da Educação Básica, bem como, que os profissionais que ministrassem essas aulas contassem com formação específica, principalmente nas séries iniciais do Ensino Fundamental e na Educação Infantil (SILVA e VENÂNCIO, 2005). Visando a garantia da Educação Física em toda a Educação Básica, em 2001 foi aprovada uma alteração no parágrafo 3o do artigo 26o da LDB, que inseriu a expressão “obrigatório” ao “componente curricular” (BRASIL, 2001). Em 2003, com a Lei no 10.793, de 1o de dezembro de 2003, que alterou, novamente, o 3o parágrafo do artigo 26o da LDB, a facultabilidade às aulas de Educação Física foi modificada, não se restringindo a todas as pessoas que estudam em período noturno, mas àquelas que, independente do período de estudo, se enquadram nas seguintes condições: mulheres com prole, trabalhadores, militares e pessoas com mais de 30 anos (BRASIL, 2003). Tem-se, então, atualmente, em termos legais, a Educação Física como componente curricular obrigatório, o que atribui aos docentes deste, a mesma responsabilidade educacional dos demais professores. Todavia, interpretando a facultabilidade às aulas, a preparação física com o fim em si mesma, direcionada para o condicionamento físico, apenas, ainda, aparenta estar fortemente atrelada à Educação Física escolar, principalmente se for pensada no âmbito do Ensino Médio, última etapa da Educação Básica, na qual, estudantes que já se inseriram em atividades físicas “desgastantes” podem requerer a dispensa das aulas, afinal, a Educação Física, agora, não teria mais serventia, pois caracterizaria uma jornada dupla de “cansaço físico”. É oportuno salientar que o Ensino Médio, com duração mínima de 3 anos, é voltado, idealmente, para pessoas entre 15 e 17 anos e tem como objetivos gerais: aprimorar o educando como pessoa humana e prepará-lo basicamente para o trabalho e cidadania 388 (BRASIL, 1996). Entendendo-o deste modo, a Educação Física escolar tem a colaborar com o aprimoramento do educando como pessoa humana, como cidadão e não, apenas, com a preparação física de pessoas. Neste ambiente de incoerências, a possível igualdade educacional com os demais componentes curriculares não é tão efetiva assim, o que indica um certo desprestígio dos profissionais da área. Esse desprestígio educacional está registrado, até mesmo, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). No caso da Educação Física no Ensino Médio: “em diversas escolas, a disciplina encontra-se desprestigiada e relevada a segundo plano. Tal fato é de fácil verificação, basta notar que nem sempre somos chamados a opinar sobre alterações nos assuntos escolares” (BRASIL, 1998, p.50). Os motivos deste desprestígio também estão indicados nos PCN, entre eles: “as aulas do ‘mais atraente’ dos componentes limita-se aos já conhecidos fundamentos do esporte e do jogo” (BRASIL, 1998, p.45) e pouco tem contribuído para a compreensão dos fundamentos, para o desenvolvimento da habilidade de aprender ou sequer para a formação ética dos alunos, objetivos que, também, deveriam orientar esta área (BRASIL, 1998). Ainda, na busca dos motivos para o desprestígio educacional da Educação Física escolar, nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006), são encontrados outros indícios, na crítica sobre a formação do professor que, até os anos 1980 “esteve ligada a uma visão social de Educação Física voltada para a disciplinarização e o condicionamento do corpo, com pressupostos teóricos e justificativas de ações no campo biofisiológico.” (p.213). É importante salientar que, embora seja feita uma referência sobre um “modelo” de formação de professores adotado, em tese, até os anos 1980, o que se encontra, ainda nos dias de hoje, a partir do conhecimento experiencial, de um saber de experiência feito (FREIRE, 2006) sobre o ambiente escolar, é que, tal visão, continua a influenciar o exercício docente da Educação Física. O docente de Educação Física, educador, não pode ater-se à reprodução de movimentos físicos. Antes da especificidade do componente curricular, esse profissional é educador, e não somente do físico (o ser humano é uma unidade). Não se torna oportuno, então, ignorar reflexões presentes aos indivíduos participantes do processo educativo escolar, tais como, “esportivização” das atividades corporais; influências da mídia sobre o corpo/imagem corporal (LEMOS, SOUZA e LEMOS, 2008). Em recente publicação da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, 389 intitulada Proposta Curricular do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2008), a qual está estruturada a fim de propor a todos os componentes curriculares, aula a aula, situações de aprendizagem a serem desenvolvidas com os discentes, da Educação Física espera-se a atenção ao repertório de conhecimentos que os alunos já possuem sobre diferentes manifestações corporais e de movimento, bem como a busca pela sua ampliação, aprofundamento e qualificação críticos, o que indica uma intenção de superação da visão reducionista comumente encontrada na prática pedagógica da Educação Física escolar. Também, intenta-se a oferta de melhores oportunidades de participação e usufruto no jogo, esporte, ginástica, luta e atividades rítmicas, assim como “possibilidades concretas de intervenção e transformação desse patrimônio humano relacionado à dimensão corporal e ao movimentar-se – o qual tem sido denominado ‘cultura de movimento’” (SÃO PAULO, 2008, p.42). Ainda no que tange aos conteúdos, São Paulo (2008) indica cinco grandes eixos (jogo, esporte, ginástica, luta, atividade rítmica) para o Ensino Médio, que se cruzam com os seguintes eixos temáticos: Corpo, Saúde e Beleza; Contemporaneidade; Mídias; Lazer e Trabalho. No eixo temático Corpo, Saúde e Beleza, atenta-se para as doenças relacionadas ao sedentarismo e ao chamamento para determinados padrões de beleza corporal, em associação com produtos e práticas alimentares e de exercício físico, o que colocam os jovens na ‘linha de frente’ dos cuidados com o corpo e a saúde; em Contemporaneidade, a ênfase é nos conceitos e nas relações que as pessoas mantêm com seus corpos e com as outras pessoas, advindos das grandes transformações da atualidade, tais como, aumento do fluxo de informações que geram, por vezes, reações preconceituosas em relação a diferenças de gênero, etnia, características físicas, dentre outras; no eixo Mídias, estão os meios de comunicação, televisão, rádio, jornais, revistas e sites da internet, como influenciadores do modo como os discentes percebem, valorizam e constroem suas experiências com os conteúdos, muitas vezes atendendo a modelos que apenas dão suporte a interesses mercadológicos e que precisam ser submetidos à análise crítica; em Lazer e Trabalho, está a intenção de incorporar os conteúdos da Educação Física como possibilidades de lazer no tempo escolar e pós escolar, de modo autônomo e crítico, além de propiciar a compreensão da importância do controle sobre o próprio esforço físico e o direito ao repouso e lazer no mundo do trabalho (SÃO PAULO, 2008). Diante dessa visão para os conteúdos, ao menos no plano teórico, possibilidades educacionais, com a inserção estruturada de outros temas, estão sendo “oferecidas” ao 390 componente curricular Educação Física no ensino público estadual paulista, o que pode estar gerando um processo educativo mais efetivo, tendo em vista, conforme está estruturada a proposta, também, a realização de reflexões e críticas sobre o feito. Tal ponderação, acerca das possibilidades educacionais, advém do entendimento de que, por exemplo, se o esporte, conteúdo hegemônico da área, ensinado nas escolas enquanto cópia irrefletida do esporte de competição ou de rendimento, só pode fomentar vivências de sucesso para a minoria e o fracasso ou a vivência de insucesso para a maioria e, deste modo, não apresenta elementos de formação geral (nem mesmo para a saúde física, mais preconizado para essa prática) para se constituir uma realidade educacional, em outra perspectiva, havendo uma transformação didático-pedagógica, o esporte, que, atualmente, é uma das objetivações culturais expressas pelo movimento humano mais conhecidas e mais admiradas, até mesmo entre as mais diferentes manifestações culturais existentes, pode tornarse uma realidade educacional potencializadora de uma educação crítico-emancipatória (KUNZ, 2006). Outro exemplo de possibilidade de colaboração para um processo educativo mais efetivo é a abordagem, estruturada, do tema lazer e trabalho. O lazer, que surgiu da conquista de um tempo liberado do trabalho, pode ser discutido em suas possibilidades de se constituir em um tempo de reflexão e crítica desse e dos interesses econômicos envolvidos, sendo assim, estímulo para os sujeitos empenhados na luta pela conquista de autonomia e pela garantia de um viver digno, ultrapassando as barreiras dos discursos ideológicos opressores e injustos (WERNECK, 2000). Nessa perspectiva, para Marcellino (2000), o lazer pode assumir um caráter “revolucionário” e portador de duplo papel: veículo e objeto de educação. Veículo (educação pelo lazer) porque as possibilidades de desenvolvimento pessoal e social que a prática de lazer oferece estão próximas ou se confundem com os objetivos mais gerais da educação. só tem sentido se falar em aspectos educativos do lazer, se esse for considerado (...) como um dos possíveis canais de atuação no plano cultural, tendo em vista contribuir para uma nova ordem moral e intelectual, favorecedora de mudanças no plano social. Em outras palavras: só tem sentido se falar em aspectos educativos do lazer, ao considerá-lo como um dos campos possíveis de contra-hegemonia (MARCELLINO, 2000, p.63-64). E objeto de educação (educação para o lazer) porque o próprio lazer pode ser o motivo da ação educativa para que se desenvolva, por exemplo, a criticidade e seletividade de opções, ao invés da restrição ao lazer funcionalista [lazer dotado de emissão de valores 391 funcionalistas que buscam, sobretudo, “a manutenção do ‘status quo’, procurando mascarar essa verdadeira intenção, através de um falso humanismo” (MARCELLINO, 2000, p.39)] e ao “lazer mercadoria” (mercadorização do lazer enquanto entretenimento rentável), largamente disseminados na sociedade. Por todo o exposto, torna-se coerente se pensar em uma pesquisa que compreenda os possíveis benefícios educativos advindos com a implantação da proposta curricular para o Estado de São Paulo, que podem trazer alterações de visões sobre o desprestígio educacional sofrido pela área, tanto em nível de senso-comum, quanto no seio dos próprios profissionais que estão inseridos na Educação Física escolar para o Ensino Médio. A escolha do Ensino Médio público estadual se deve, entre outras razões, a freqüente desconsideração da especificidade desta etapa. Acaba-se, comumente, repetindo os programas do Ensino Fundamental, esquecendo-se das características próprias dessa fase vivenciada pelos estudantes. Costuma-se investir esforços às etapas anteriores, afinal, nestas, como indicado por São Paulo (2008), os alunos vivenciam (ou deveriam vivenciar) um amplo conjunto de experiências, incluindo o contato com as culturas esportiva, gímnica, rítmica e de luta, as quais, no Ensino Médio, vão ser inter-relacionadas com eixos temáticos interdisciplinares, gerando sub-temas a serem tratados como conteúdos ao longo das três séries. Deste modo, pensando que, em muitos casos, a Educação Física escolar se restringe ao desenvolvimento físico acrítico dos estudantes, ao Ensino Médio, acaba “sobrando” a repetição dos “treinamentos” oferecidos nas etapas anteriores. O município de São Carlos foi eleito para a presente pesquisa, principalmente, pelo seu vigor na esfera acadêmica, que juntamente às áreas tecnológica e industrial conferiram à cidade o título de “Capital da Tecnologia”. Nesta, suas universidades e centros de pesquisa, destacando-se a Universidade de São Paulo (USP), implantada na década de 1950, e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), criada na década de 1970, são reconhecidos pela excelência e diversidade. A ênfase à educação e à pesquisa fez com que a cidade, na última década, chegasse a relação de um pesquisador doutor para cada 230 habitantes e um pesquisador para cada 42 habitantes, assim como uma taxa de alfabetização de 94,8% (IBGE, 2009). Neste contexto, aparentemente favorável à educação, a compreensão da importância e do desprestígio educacionais do componente curricular Educação Física pode ser facilitada. Buscando, desde já, apontar a linha de compreensão do fenômeno desprestígio de 392 todo um componente curricular, neste, de toda uma etapa, o Ensino Médio e, nesta, de uma grande parte dos conteúdos possíveis de serem desenvolvidos, considerar a educação a partir de processos educativos (FREIRE, 2005) que podem tanto advir de uma educação em um contexto de uma cultura autêntica, como de uma educação em um contexto de uma cultura alienada, pode elucidar essa situação. Assim, o entendimento da educação como cultura autêntica é que esta é participação ativa, verdadeiro aprendizado, comprometido com o processo histórico cultural, por isso mesmo conscientização, cultura que se sabe, saber que critica e promove, em um processo educativo em que aprender não é receber, repetir e ajustar-se, mas sim participar, desadaptar-se e recriar. Sobre a educação como cultura alienada, esta passa a ser um reflexo ideológico, mitificante, da dominação das consciências, o ser humano desumaniza-se, porque se conforma, porque renuncia à historicização. O aprendizado se transforma em domesticação, o ensino transmite o feito e impõe os valores dominantes. A educação se define como adaptação, articulada na funcionalidade do sistema (FIORI, 1986). Em se pensando nos sujeitos das ações, de uma educação como cultura autêntica ou de uma educação enquanto cultura alienada, Ianni (1993), partindo da perspectiva de nação pertencente à América Latina, indica que há várias nações dentro da nação latino-americana e refere-se à “nação burguesa, dominante, que profere o discurso do poder” e à “nação popular, camponesa e operária, dispersa na sociedade e na geografia”. As diversidades escondem profundas desigualdades e relações de dominação entre elas (p.35). Tem-se então a constituição de dois pólos, de um lado os que aprisionam, oprimem e dominam e, do outro, os que são aprisionados, oprimidos e dominados. Neste conjunto, a Educação Física, para o Ensino Médio público, pode estar servindo, mesmo que esteja em situação aprisionada, oprimida e dominada, em relação aos outros componentes curriculares, aos que proferem o discurso do poder, em suma, pode se tratar de um “oprimido”, “aderido ao opressor”, “oprimindo” outros, no caso, os discentes (FREIRE, 2006). Surge, compreendendo o contexto apresentado anteriormente, algumas indagações, dentre elas: Questão de Pesquisa Qual seria, para os professores de Educação Física do Ensino Médio, de escolas públicas estaduais da cidade de São Carlos, a percepção sobre a importância educacional, bem como, o desprestígio deste componente curricular? E, qual a construção (reconstrução) 393 necessária, frente à proposta curricular do Estado de São Paulo, para essa etapa do ensino, a fim de propiciar uma educação humanizante? Objetivo O objetivo do presente estudo, de acordo com a questão de pesquisa, é o de compreender a percepção de docentes de Educação Física, do Ensino Médio de escolas estaduais da cidade de São Carlos, acerca da importância e desprestígio educacionais deste componente curricular. Também se objetiva, a construção (reconstrução) de uma proposta que favoreça o aspecto educacional do componente curricular Educação Física, visando uma educação humanizante. Metodologia A metodologia utilizada estará pautada na investigação qualitativa, a qual compreende os fenômenos em toda sua complexidade e privilegia, essencialmente, a compreensão dos fenômenos a partir da perspectiva dos sujeitos da investigação (BOGDAN e BIKLEN, 1994). Assim, com o fim de desvelar as compreensões relacionadas à importância e desprestígio educacionais do componente curricular Educação Física, para professores do Ensino Médio de escolas estaduais da cidade de São Carlos, o uso da fenomenologia, principalmente por considerar as subjetividades e intersubjetividades das experiências e nestas a relevância das relações com-os-outros, torna-se oportuno. O mundo fenomenológico é não o ser puro, mas o sentido que transparece na intersecção de minhas experiências, e na intersecção de minhas experiências com aquelas do outro, pela engrenagem de umas nas outras; ele é portanto inseparável da subjetividade e da intersubjetividade que formam sua unidade pela retomada de minhas experiências passadas em minhas experiências presentes, da experiência do outro na minha (MERLEAU-PONTY, 2006, p.18). A fenomenologia é o estudo das essências, não se trata de explicar, nem de analisar, mas sim de descrever, compreender, retornar “às coisas mesmas”. “É a tentativa de uma descrição direta de nossa experiência tal como ela é, e sem nenhuma deferência à sua gênese psicológica e às explicações causais” (MERLEAU-PONTY, 2006, p.1). Segundo Machado (1994): “Compreender diz respeito a uma forma de cognição que diverge da explicação. Compreender é tomar o objeto a ser investigado na sua intenção 394 total, é ver o modo peculiar específico do objeto existir. Explicá-lo é tomá-lo na sua relação causal” (p.35-36). Na fenomenologia, A preocupação se dirige para aquilo que os sujeitos da pesquisa vivenciam como um caso concreto do fenômeno investigado. As descrições e os agrupamentos dos fenômenos estão diretamente baseados nas descrições dos sujeitos, e os dados são tratados como manifestações dos fenômenos estudados. O objeto da investigação é coletar descrições e trabalhar a essência do fenômeno (MARTINS e BICUDO, 1989, p.30). Não se realizam análises prematuras ou construções explicativas a priori nas descrições dos fenômenos, não há formulação de hipóteses sobre o buscado, mas apenas a visualização do fenômeno tal como se mostra, através de descrições ingênuas ou não interpretadas do mesmo (MARTINS e BICUDO, 1989). Ao que se refere à construção (reconstrução) de uma proposta curricular para a Educação Física no Ensino Médio, pautada no desejo de colaboração para uma educação humanizante, uma construção metodológica que valoriza o ser humano, que requer a reivindicação, para este, da posição de sujeito do processo histórico e, para isso, requer a opção pelo ser humano e a luta por sua desalienação (FIORI, 1986), igualmente, é indispensável. Nesta perspectiva, autores como Dussel (s/d), Fiori (1986) e Freire (2001; 2005; 2006) se dedicam a pensar a América Latina em um contexto de exploração e anunciam uma necessária busca de libertação. Ao encontro a esta exposição, Dussel (s/d), a partir da construção de um conhecimento filosófico e científico enraizado na experiência, na cultura, na história e nas utopias dos povos periféricos, reconhecendo e apresentando a dominação sofrida pelos povos da América Latina, a partir da opressão – pela matança, pela aculturação –, indica a tomada de consciência para a ruptura, a libertação. Nesse sentido, Fiori (1986) que entende a consciência como existência e história, num movimento no qual o homem se constitui e assume, ao produzir-se e reproduzir-se, num refazer-se que consiste seu fazer-se e seu fazer, apresenta a emergência de uma autoconsciência crítica dos povos da América Latina, sendo para isso, de vital importância uma reflexão comprometida com a práxis da libertação, que nos permita captar, com lucidez e coragem, o sentido último deste processo de conscientização. Só assim será possível repor os termos dos problemas de uma educação autenticamente libertadora: força capaz de ajudar a desmontar o sistema de 395 dominação, e promessa de um homem novo, dominador do mundo e libertador do homem (p.3). Pois, "inclusive a mais feroz dominação não é capaz de coisificar totalmente o homem” (FIORI, 1986, p.6). "As estruturas podem aprisionar o homem ou propiciar sua libertação, porém, quem se liberta é o próprio homem” (FIORI, 1986, p.3), quando toma sua existência em suas mãos, quando protagoniza sua história. Para a tomada ou retomada da existência, para o protagonismo Freire (2006) indica o caminho: a relação dialógica com o outro. Um diálogo igualitário, que supõe que as falas e proposições de cada participante serão tomadas por seus argumentos e não pelas posições que ocupam (idade, profissão, sexo, classe social, grau de escolaridade, etc.). Deste modo, o ser humano vai constituindo sua humanidade e conquistando o mundo, para libertar-se. Mesmo porque, contribui Freire (2006), “dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens. Precisamente por isto, ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros, num ato de prescrição, com o qual rouba a palavra aos demais” (p.90-91). Compartilhar com uma postura individualista seria negar que estamos no mundo e com o mundo e para isso com os outros, significando-o e significando-se através das relações (FREIRE, 2001). Neste sentido, não cabe conceber o ser humano como mero objeto – ele se recusaria a aceitar. “A natureza social deste processo faz da dialogicidade uma relação natural a ele. Nesse sentido, o anti-diálogo autoritário ofende a natureza do ser humano, seu processo de conhecer e contradiz a democracia” (FREIRE, 2001, p.80). Freire (2005), diz do conhecimento além dos conteúdos, o conhecimento para “pensar certo”, que supera o ingênuo, é um ato comunicante, de entendimento co-participado – “Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem do mundo, com o mundo e com os outros” (FREIRE, 2006, p.67). Um pensar antidogmático, anti-superficial, um pensar crítico. Ainda em relação ao saber, Fiori (1986) aborda a conscientização como necessária à educação e compreende que estas se implicam mutuamente. “A conscientização é o ‘retomar reflexivo do movimento da constituição da consciência como existência’” (p.3). E ao produzir-se e reproduzir-se neste movimento, o ser humano constitui-se e assume sua existência. “Neste refazer-se consiste seu fazer-se e seu fazer” (FIORI, 1986, p.3). 396 Assim, a verdadeira educação requer participação ativa neste processo de constituição do ser humano: “Educar, pois, é conscientizar, e conscientizar equivale a buscar essa plenitude da condição humana” (FIORI, 1986, p.3). Nesta busca, ao ser humano cabe assumir a responsabilidade de educar-se em comunhão e não simplesmente de ser educado por alguém. No âmbito específico da Educação Física, seguindo na busca da transcendência para a valorização do ser humano, a ciência da Motricidade Humana (SÉRGIO, 1999), também, tem muito a contribuir, pois é consciência de “um ser práxico, carente dos outros, do mundo e da transcendência” (p.274), é uma ciência do ser humano considerado em sua globalidade, na qual o físico está nela, integral, superado. Nas palavras de Sérgio (1999): A motricidade humana é a expressão do anseio de transcendência que em nós habita, como factor inalienável de transformação e de realização pessoal e social. A motricidade humana é assim portadora de Futuro, porque é o não ao que está-aí, através do movimento livre e libertador (...) motricidade humana, transcendência e liberdade são inseparáveis (p.245). Procedimentos Metodológicos Na busca pela compreensão acerca da importância e desprestígio educacionais do componente curricular Educação Física será utilizada a entrevista, porque, de acordo com Larrosa Bondía (2002), pensamos a partir de nossas palavras e não a partir de uma suposta genialidade ou inteligência. Não pensamos com pensamentos, mas com palavras, assim, com o uso da entrevista, a percepção da experiência dos sujeitos pode ser desvelada. Para a construção (reconstrução) de uma proposta para o componente curricular Educação Física, estão inicialmente incluídas: 9 Pesquisa bibliográfica sobre Educação Física escolar, Motricidade Humana, Fenomenologia, Educação Popular (inserida no contexto de América Latina, multicultural, dialógica, humanizante e libertadora); 9 Pesquisa documental a respeito da Educação escolar e da Educação Física escolar; 9 Pesquisa participante – intervenção no contexto concreto do componente curricular Educação Física, visando a mudança, a transformação para melhorar a realidade. 397 REFERÊNCIAS BETTI, M. Educação física e sociedade. São Paulo: Editora Movimento, 1991. BOGDAN, R.; BIKLEN, S.K. Investigação qualitativa em Educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994. BRASIL. Presidência da República. Lei no 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Diário Oficial, Brasília, 27 dez. 1961. BRASIL. Presidência da República. Lei no 5.692, de 11 de agosto de 1971. 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