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DANO MORAL COLETIVO E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Por:   •  21/5/2018  •  Artigo  •  1.656 Palavras (7 Páginas)  •  248 Visualizações

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DANO MORAL COLETIVO E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Juliana Vassallo Costa

Analísta Jurídica do MPSP

A dignidade da pessoa humana foi tratada de forma inovadora pela Constituição Federal de 1988. Com efeito, foi erigida à condição de fundamento da República (artigo 1º, inciso III), demonstrando assim a necessidade de que todo o aparato estatal a tenha por baliza ao empreender as suas políticas e ações.

É precisamente neste novo contexto sobre o enquadramento jurídico da dignidade da pessoa humana que vem se formando uma nova orientação doutrinária e jurisprudencial sobre o dano moral.

O Código Civil estabelece a reparação do dano moral no seu artigo 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

A Lei 7347/85, por sua vez, no artigo 1º, anuncia que: “regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da Ação Popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:” aos mais diversos interesses transindividuais.

O Código de Defesa do Consumidor prevê como direito básico, no artigo 6º, inciso VI, “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.

A Constituição da República, por sua vez, em seu artigo 5º, V, assegura “o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.

Nesse sentido caminhou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que editou o enunciado da súmula 37: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.

Primeiro, a orientação era no sentido da oposição firme à própria existência do dano moral. Posteriormente, registra-se um abrandamento daquela posição, admitindo-se a reparação desde que o dano deixasse reflexos na órbita patrimonial do sujeito. Por fim, vem prevalecendo a teoria positivista, segundo a qual há necessidade de reparação decorrente de um dano exclusivamente moral, sem conotação ou reflexos patrimoniais.

Positivista porque em todos os dispositivos acima mencionados o dano moral é colocado, de forma autônoma, ao lado do dano material ou patrimonial. Daí o tratamento distinto e, inclusive, a admissibilidade de sua cumulação em sede de reparação.

Tradicionalmente, para a corrente afirmativa, há dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra) e o dano que diz respeito a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza). Contudo, hodiernamente, a construção do conceito de dano moral tem se alicerçado em baliza mais firme: a dignidade da pessoa humana.

O Direito se preocupou durante séculos com os conflitos intersubjetivos. A sociedade de massas, a complexidade das relações econômicas e sociais, a percepção da existência de outros bens jurídicos vitais para a existência humana, deslocaram a preocupação jurídica do setor privado para o setor público; do interesse individual para o interesse difuso ou coletivo; do dano individual para o dano difuso ou coletivo; do dano moral relacionado à honra e dor do indivíduo em si para o dano moral que atinge a própria dignidade da pessoa humana.

Analisando: (i) o artigo 1º da Lei de Ação Civil Pública; (ii) a inserção da moralidade administrativa como princípio de observância obrigatória no artigo 37, caput, da Constituição Federal; (iii) a previsão no §4º do art. 37 de que o desrespeito à moralidade constitui ato de improbidade e administrativa, que reclama sua integral reparação e punição conforme a lei; (iv) a amplitude dada à Ação Popular para tutelar também a moralidade administrativa; (v) a expressa previsão da moralidade como dever de todos os agentes públicos no artigo 4º da Lei de improbidade administrativa, deixam claro que o Direito Coletivo, também na esfera administrativa, não se preocupa apenas com lesões econômicas ao erário, mas igualmente com danos à moralidade pública.

Segundo Hugo Nigro Mazzilli, nesse sentido, afirma categoricamente que os danos morais devem expressamente ser objeto da ação de responsabilidade, devendo-se considerar todas as consequências decorrentes da quebra da moralidade administrativa.

Assim, dois paradigmas se formaram: de um lado, inegável que as relações jurídicas caminham para uma massificação, e a lesão aos interesses de massa não pode ficar sem reparação; de outro, o conceito do dano moral está sendo construído no mesmo passo, transcendendo do aspecto individual para o coletivo. Daí porque o seu conteúdo há de ser preenchido sob o mando da dignidade da pessoa humana.

Nessa senda, a improbidade administrativa, vista como ato de corrupção em sentido amplo, que alberga não só a desonestidade, deslealdade, mas também o desleixo e despreparo no trato da coisa pública, na maioria das vezes acaba por atingir de forma direta a dignidade da pessoa humana.

Por exemplo, a falta de vagas em creches e pré-escolas. Trata-se de um direito público subjetivo de toda criança de zero a cinco anos (art. 208, inciso IV c.c. §1º). Há vinculação de verba para a educação (art. 212).

Eventual desvio de recursos destinados à educação poderá caracterizar ato de improbidade administrativa, em inegável afronta à dignidade da pessoa humana e lesão ao núcleo duro do direito fundamental social à educação.

Vê-se que o dano moral decorre não da falta de vagas para uma ou outra criança que procure se matricular e seja impedida de exercer o direito universal de acesso em iguais condições à escola (art. 206, I).

Trata-se de dano que atinge toda a esfera intangível desse direito público subjetivo, de natureza fundamental, pois uma vez desobedecida a regra de vinculação de aplicação dos recursos destinados à educação, todas as crianças foram, da mesma forma, atingidas.

Além disso, um ato ímprobo acarreta na desvirtuação da maior tarefa do agente público que é a concretização da dignidade da pessoa humana em todas as suas dimensões, inclusive no exercício da cidadania, eis que afeta a crença da população na capacidade do Poder Público na consecução de seus fins.

Um exemplo nítido é o desânimo do eleitor que vai às urnas simplesmente por ser o voto obrigatório, o que estimula, muitas vezes, o círculo vicioso da corrupção: se antes a motivação do eleitor era a fé na capacidade do candidato cumprir com seu programa de governo, hoje os motivos podem ser vários outros, inclusive interesses particulares e vantagens indevidas.

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