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Evolução histórica do direito comercial

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Por:   •  10/10/2014  •  Pesquisas Acadêmicas  •  9.449 Palavras (38 Páginas)  •  526 Visualizações

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ATIVIDADE EMPRESARIAL

Fábio Ulhoa Coelho

1. OBJETO DO DIREITO COMERCIAL

Os bens e serviços de que todos precisaram para viver – isto é, os que atendem às nossas necessidades de vestuário, alimentação, saúde, educação, lazer, etc. – são produzidos em organizações econômicas especializadas e negociadas no mercado. Quem estrutura essas organizações são pessoas vocacionadas à tarefa de combinar determinados componentes (os "fatores de produção") e fortemente estimuladas pela possibilidade de ganhar dinheiro, muito dinheiro, com isso. São os empresários.

A atividade dos empresários pode ser vista como a de articular os fatores de produção, que no sistema capitalista são quatro: capital, mão de obra, insumo e tecnologia. As organizações em que se produzem os bens e serviços necessários ou úteis à vida humana são resultado da ação dos empresários, ou seja, nascem do aporte de capital – próprio

ou alheio –, compra de insumos, contratação de mão de obra e desenvolvimento ou aquisição de tecnologia que realizam. Quando alguém com vocação para essa atividade

identifica a chance de lucrar, atendendo à demanda de quantidade considerável de pessoas – quer dizer, uma necessidade, utilidade ou simples desejo de vários homens e mulheres –, na tentativa de aproveitar tal oportunidade, ele deve estruturar uma organização que produza a mercadoria ou serviço correspondente, ou que os traga aos consumidores.

Estruturar a produção ou circulação de bens ou serviços significa reunir os recursos financeiros (capital), humanos (mão de obra), materiais (insumo) e tecnológicos que

viabilizem oferecê-los ao mercado consumidor com preços e qualidade competitivos. Não é tarefa simples. Pelo contrário, a pessoa que se propõe realizá-la deve ter competência

para isso, adquirida mais por experiência de vida que propriamente por estudos. Além disso, trata-se sempre de empreitada sujeita a risco. Por mais cautelas que adote o empresário, por mais seguro que esteja do potencial do negócio, os consumidores podem simplesmente não se interessar pelo bem ou serviço oferecido. Diversos outros fatores inteiramente alheios à sua vontade – crises políticas ou econômicas no Brasil ou exterior, acidentes ou deslealdade de concorrentes, por exemplo – podem também obstar o desenvolvimento da atividade. Nesses casos, todas as expectativas de ganho se frustram e os recursos investidos se perdem. Não há como evitar o risco de insucesso, inerente a

qualquer atividade econômica. Por isso, boa parte da competência característica dos empresários vocacionados diz respeito à capacidade de mensurar e atenuar riscos.

O Direito Comercial cuida do exercício dessa atividade econômica organizada de fornecimento de bens ou serviços, denominada empresa. Seu objeto é o estudo dos meios

socialmente estruturados de superação dos conflitos de interesses envolvendo empresários ou relacionados às empresas que exploram. As leis e as formas pelas quais são interpretadas pela jurisprudência e doutrina, os valores prestigiados pela sociedade, bem assim o funcionamento dos aparatos estatal e paraestatal, na superação desses conflitos de interesses, formam o objeto da disciplina.

A denominação deste ramo do direito ("comercial") explica-se por razões históricas, examinadas na sequência; por tradição, pode-se dizer. Outras designações têm sido

empregadas na identificação desta área do saber jurídico (por exemplo: direito empresarial, mercantil, dos negócios, etc.), mas nenhuma ainda substituiu por completo a tradicional. Assim, embora seu objeto não se limite à disciplina jurídica do comércio, Direito Comercial tem sido o nome que identifica – nos currículos de graduação e pós-graduação em Direito, nos livros e cursos, no Brasil e em muitos outros países – o ramo jurídico voltado às questões próprias dos empresários ou das empresas; à maneira como se

estrutura a produção e negociação dos bens e serviços de que todos precisam para viver.

2. COMÉRCIO E EMPRESA

Como mencionado acima, os bens e serviços que homens e mulheres necessitam ou desejam para viver (isto é, vestir, alimentar-se, dormir, divertir-se, etc.) são produzidos

em organizações econômicas especializadas. Nem sempre foi assim, porém. Na Antiguidade, roupas e víveres eram produzidos na própria casa, para os seus moradores; apenas os excedentes eventuais eram trocados entre vizinhos ou na praça. Na Roma antiga, a família dos romanos não era só o conjunto de pessoas unidas por laços de sangue (pais e filhos), mas também incluía os escravos, assim como a morada não era apenas o lugar de convívio íntimo e recolhimento, mas também o de produção de vestes, alimentos, vinho e

utensílios de uso diário.

Alguns povos da Antiguidade, como os fenícios, destacaram-se intensificando as trocas e, com isto, estimularam a produção de bens destinados especificamente à venda. Esta atividade de fins econômicos, o comércio, expandiu-se com extraordinário vigor. Graças a ela, estabeleceram-se intercâmbios entre culturas distintas, desenvolveram-se tecnologias e meios de transporte, fortaleceram-se os estados, povoou-se o planeta de homens e mulheres; mas, também, em função do comércio, foram travadas guerras, escravizaram-se povos, recursos naturais se esgotaram. Com o processo econômico de globalização desencadeado após o fim da Segunda Guerra Mundial (na verdade, o último conflito bélico por mercados coloniais), o comércio procura derrubar as fronteiras nacionais que atrapalham sua expansão. Haverá dia em que o planeta será um único mercado.

O comércio gerou e continua gerando novas atividades econômicas. Foi a intensificação das trocas pelos comerciantes que despertou em algumas pessoas o interesse

de produzirem bens de que não necessitavam diretamente; bens feitos para serem vendidos e não para serem usados por quem os fazia. É o início da atividade que, muito tempo

depois, será chamada de fabril ou industrial. Os bancos e os seguros, em sua origem, destinavam-se a atender necessidades dos comerciantes. Deve-se ao comércio eletrônico a popularização da rede mundial de computadores (internet), que estimula diversas novas atividades econômicas.

Na Idade Média, o comércio já havia deixado de ser atividade característica só de algumas culturas ou povos. Difundiu-se por todo o mundo civilizado. Durante o Renascimento Comercial, na Europa, artesãos e comerciantes europeus reuniam-se em corporações de ofício, poderosas entidades burguesas (isto é, sediadas em burgos) que gozavam de significativa autonomia em face do poder real e dos senhores feudais. Nas corporações de ofício, como expressão dessa autonomia, foram paulatinamente surgindo normas destinadas a disciplinar as relações entre os seus filiados. Na Era Moderna estas normas pseudo-sistematizadas serão chamadas de Direito Comercial. Nesta sua primeira fase de evolução, ele é o direito aplicável aos membros de determinada corporação dos comerciantes. Os usos e costumes de cada praça ou corporação tinham especial importância na sua aplicação.

No início do século XIX, em França, Napoleão, com a ambição de regular a totalidade das relações sociais, patrocina a edição de dois monumentais diplomas jurídicos: o Código Civil (1804) e o Comercial (1808). Inaugura-se, então, um sistema para disciplinar as atividades dos cidadãos, que repercutirá em todos os países de tradição romana, inclusive o Brasil. De acordo com este sistema, classificavam-se as relações que hoje em dia são chamadas de direito privado em civis e comerciais. Para cada regime, estabeleceram-se regras diferentes sobre contratos, obrigações, prescrição, prerrogativas, prova judiciária e foros. A delimitação do campo de incidência do Código Comercial era feita, no sistema francês, pela teoria dos atos de comércio. Sempre que alguém explorava atividade econômica que o direito considera ato de comércio (mercancia), submetia-se às obrigações do Código Comercial (escrituração de livros, por exemplo) e passava a usufruir da proteção por ele liberada (direito à prorrogação dos prazos de vencimento das obrigações em caso de necessidade, instituto denominado concordata).

Na lista dos atos de comércio não se encontravam algumas atividades econômicas que, com o tempo, passaram a ganhar importância equivalente às de comércio, banco, seguro e indústria. É o caso da prestação de serviços, cuja relevância é diretamente proporcional ao processo de urbanização. Também da lista não constavam atividades econômicas ligadas à terra, como a negociação de imóveis, agricultura ou extrativismo. Na Europa Continental, principalmente em França, a burguesia foi levada a travar uma acirrada luta de classes contra o feudalismo, e um dos reflexos disso na ideologia jurídica é a desconsideração das atividades econômicas típicas dos senhores feudais no conceito aglutinador do Direito Comercial do período (o segundo, na evolução histórica da disciplina).

De qualquer modo, ultrapassados por completo os condicionantes econômicos, políticos e históricos que ambientaram sua formulação, a teoria dos atos de comércio

acabou revelando suas insuficiências para delimitar o objeto do Direito Comercial. Na maioria dos países em que foi adotada, a teoria experimentou ajustes que, em certo sentido, a desnaturaram. Na Alemanha, em 1897, o Código Comercial definiu os atos de comércio como todos os que o comerciante, em sua atividade, pratica, alargando enorme-

mente o conceito. Mesmo onde havia sido concebida, não se distinguem mais os atos de comércio dos civis segundo os parâmetros desta teoria. De fato, no direito francês, hoje,

qualquer atividade econômica, independentemente de sua classificação, é regida pelo Direito Comercial se explorada por qualquer tipo de sociedade.

A insuficiência da teoria dos atos do comércio forçou o surgimento de outro critério identificador do âmbito de incidência do Direito Comercial: a teoria da empresa.

3. TEORIA DA EMPRESA

Em 1942, na Itália, surge um novo sistema de regulação das atividades econômicas dos particulares. Nele, alarga-se o âmbito de incidência do Direito Comercial, passando as atividades de prestações de serviços e ligadas à terra a se submeterem às mesmas normas aplicáveis às comerciais, bancárias, securitárias e industriais. Chamou-se o novo sistema de disciplina das atividades privadas de teoria da empresa. O Direito Comercial, em sua terceira etapa evolutiva, deixa de cuidar de determinadas atividades (as de mercancia) e passa a disciplinar uma forma específica de produzir ou circular bens ou serviços, a empresarial. Atente para o local e ano em que a teoria da empresa se expressou pela

primeira vez no ordenamento positivo. O mundo estava em guerra e, na Itália, governava o ditador fascista Mussolini.

A ideologia fascista não é tão sofisticada como a comunista, mas um pequeno paralelo entre ela e o marxismo ajuda a entender a ambientação política do surgimento da

teoria da empresa. Para essas duas concepções ideológicas, burguesia e proletariado estão em luta; elas divergem sobre como a luta terminará. Para o marxismo, o proletariado tomará o poder do estado, expropriará das mãos da burguesia os bens de produção e porá fim às classes sociais (e, em seguida, ao próprio estado), reorganizando-se as relações de

produção.

Já para o fascismo, a luta de classes termina em harmonização patrocinada pelo estado nacional. Burguesia e proletariado superam seus antagonismos na medida em que

se unem em tomo dos superiores objetivos da nação, seguindo o líder (duce), que é intérprete e guardião destes objetivos. A empresa, no ideário fascista, representa justamente a organização em que se harmonizam as classes em conflito. Vale notar que Asquini, um dos expoentes da doutrina comercialista italiana, ao tempo do governo fascista, costumava apontar como um dos perfis da empresa o corporativo, em que se expressava a comunhão dos propósitos de empresário e trabalhadores.

A teoria da empresa acabou se desvencilhando das raízes ideológicas fascistas. Por seus méritos jurídico-tecnológicos, sobreviveu à redemocratização da Itália e permanece delimitando o Direito Comercial daquele país até hoje. Também por sua operacionalidade, adequada aos objetivos da disciplina da exploração de atividades econômicas por particulares no nosso tempo, a teoria da empresa inspirou a reforma da legislação comercial de outros países de tradição jurídica romana, como a Espanha em 1989.

No Brasil, o Código Comercial de 1850 (cuja primeira parte é revogada com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 – art. 2.045) sofreu forte influência da teoria dos atos de comércio. O regulamento 737, também daquele ano, que disciplinou os procedimentos a serem observados nos então existentes Tribunais do Comércio, apresentava a relação de atividades econômicas reputadas mercancia. Em linguagem atual, esta relação compreenderia: a) compra e venda de bens móveis ou semoventes, no atacado ou varejo, para revenda ou aluguel; b) indústria; c) bancos; d) logística; e) espetáculos públicos; f) seguros; g) armação e expedição de navios.

As defasagens entre a teoria dos atos de comércio e a realidade disciplinada pelo Direito Comercial- sentidas especialmente no tratamento desigual dispensado à prestação

de serviços, negociação de imóveis e atividades rurais – e a atualidade do sistema italiano de bipartir o direito privado começam a ser apontadas na doutrina brasileira nos anos

1960. Principalmente depois da adoção da teoria da empresa pelo Projeto de Código Civil de 1975 (ela tinha sido também lembrada na elaboração do Projeto de Código das Obrigações, de 1965, não convertido em lei), os comercialistas brasileiros dedicam-se ao seu estudo, preparando-se para as inovações que se seguiriam à entrada em vigor da codificação unificada do direito privado, prometida para breve.

Mas, o projeto tramitou com inesperada lentidão. Durante um quarto de século, enquanto pouca coisa ou nada acontecia no Congresso e a doutrina comercialista já desenvolvia suas reflexões à luz da teoria da empresa, alguns juízes começaram a decidir processos desconsiderando o conceito de atos de comércio – embora fosse este ainda o do

direito positivo, porque ainda em vigor o antigo Código Comercial. Estes juízes concederam a pecuaristas um favor legal então existente apenas para os comerciantes (a concordata), decretaram a falência de negociantes de imóveis, asseguraram a renovação compulsória do contrato de aluguel em favor de prestadores de serviço, julgando, enfim, as demandas pelo critério da empresarialidade. Durante este largo tempo, também, as principais leis de interesse do direito comercial editadas já se inspiraram no sistema italiano, e não mais no francês. São exemplos o Código de Defesa do

Consumidor de 1990, a Lei de Locação Predial Urbana de 1991 e a Lei do Registro de Empresas de 1994.

Em suma, pode-se dizer que o direito brasileiro já incorporara – nas lições da doutrina, na jurisprudência e em leis esparsas – a teoria da empresa, mesmo antes da entrada em vigor do Código Civil. Quando esta se verifica, conclui-se a demorada transição.

4. CONCEITO DE EMPRESÁRIO

Empresário é definido na lei como o profissional exercente de "atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços" (CC, art. 966). Destacam-se da definição as noções de profissionalismo, atividade econômica organizada e produção ou circulação de bens ou serviços.

Profissionalismo. A noção de exercício profissional de certa atividade é associada, na doutrina, a considerações de três ordens. A primeira diz respeito à habitualidade. Não se

considera profissional quem realiza tarefas de modo esporádico. Não será empresário, por conseguinte, aquele que organizar episodicamente a produção de certa mercadoria,

mesmo destinando-a à venda no mercado. Se está apenas fazendo um teste, com o objetivo de verificar se tem apreço ou desapreço pela vida empresarial ou para socorrer situação emergencial em suas finanças, e não se toma habitual o exercício da atividade, então ele não é empresário. O segundo aspecto do profissionalismo é a pessoalidade. O empresário, no exercício da atividade empresarial, deve contratar empregados. São estes que, materialmente falando, produzem ou fazem circular bens ou serviços. O requisito da pessoalidade explica por que não é o empregado considerado empresário. Enquanto este último, na condição de profissional, exerce a atividade empresarial pessoalmente, os empregados, quando produzem ou circulam bens ou serviços, fazem-no em nome do empregador.

Estes dois pontos normalmente destacados pela doutrina, na discussão do conceito de profissionalismo, não são os mais importantes. A decorrência mais relevante da noção está no monopólio das informações que o empresário detém sobre o produto ou serviço objeto de sua empresa. Este é o sentido com que se costuma empregar o termo no âmbito das relações de consumo. Como o empresário é um profissional, as informações sobre os bens ou serviços que oferece ao mercado – especialmente as que dizem respeito às suas condições de uso, qualidade, insumos empregados, defeitos de fabricação, riscos potenciais à saúde ou vida dos consumidores – costumam ser de seu inteiro conhecimento. Porque profissional, o empresário tem o dever de conhecer estes e outros aspectos dos bens ou serviços por ele fornecidos, bem como o de informar amplamente os consumidores e usuários.

Atividade. Se empresário é o exercente profissional de uma atividade econômica organizada, então empresa é uma atividade; a de produção ou circulação de bens ou serviços. É importante destacar a questão. Na linguagem cotidiana, mesmo nos meios jurídicos, usa-se a expressão "empresa" com diferentes e impróprios significados. Se alguém diz "a empresa faliu" ou "a empresa importou essas mercadorias", o termo é utilizado de forma errada, não técnica. A empresa, enquanto atividade, não se confunde com o sujeito de direito que a explora, o empresário. É ele que fale ou importa mercadorias. Similarmente, se uma pessoa exclama "a empresa está pegando fogo!" ou constata "a empresa foi reformada, ficou mais bonita", está empregando o conceito equivocadamente. Não se pode confundir a empresa com o local em que a atividade é desenvolvida. O conceito correto nessas frases é o de estabelecimento empresarial; este sim pode incendiar-se ou ser embelezado, nunca a atividade. Por fim, também é equivocado o uso da expressão como sinônimo de sociedade. Não se diz "separam-se os bens da empresa e os dos sócios

em patrimônios distintos", mas "separam-se os bens sociais e os dos sócios"; não se deve dizer "fulano e beltrano abriram uma empresa", mas "eles contrataram uma sociedade".

Somente se emprega de modo técnico o conceito de empresa quando for sinônimo de empreendimento. Se alguém reputa "muito arriscada a empresa", está certa a forma

de se expressar: o empreendimento em questão enfrenta consideráveis riscos de insucesso, na avaliação desta pessoa. Como ela se está referindo à atividade, é adequado falar

em empresa. Outro exemplo: no princípio da preservação da empresa, construído pelo moderno Direito Comercial, o valor básico prestigiado é o da conservação da atividade (e

não do empresário, do estabelecimento ou de uma sociedade), em virtude da imensa gama de interesses que transcendem os dos donos do negócio e gravitam em tomo da continuidade deste; assim os interesses de empregados quanto aos seus postos de trabalho, de consumidores em relação aos bens ou serviços de que necessitam, do fisco voltado à

arrecadação e outros.

Econômica. A atividade empresarial é econômica no sentido de que busca gerar lucro para quem a explora. Note-se que o lucro pode ser o objetivo da produção ou circulação de bens ou serviços, ou apenas o instrumento para alcançar outras finalidades. Religiosos podem prestar serviços educacionais (numa escola ou universidade) sem visar especificamente o lucro. É evidente que, no capitalismo, nenhuma atividade econômica se mantém sem lucratividade e, por isso, o valor total das mensalidades deve superar o das despesas também nesses estabelecimentos. Mas as escola ou universidades religiosas podem ter objetivos não lucrativos, como a difusão de valores ou criação de postos de emprego para os seus sacerdotes. Neste caso, o lucro é meio e não fim da atividade econômica.

Organizada. A empresa é atividade organizada no sentido de que nela se encontrem articulados, pelo empresário, os quatro fatores de produção: capital, mão de obra, insumos e tecnologia. Não é empresário quem explora atividade de produção ou circulação de bens ou serviços sem alguns desses fatores. O comerciante de perfumes que leva ele mesmo, à sacola, os produtos até os locais de trabalho ou residência dos potenciais consumidores explora atividade de circulação de bens, fá-lo com intuito de lucro, habitualidade

e em nome próprio, mas não é empresário, porque em seu mister não contrata empregado, não organiza mão de obra. A tecnologia ressalte-se, não precisa ser necessariamente

de ponta, para que se caracterize a empresarialidade. Exige-se apenas que o empresário se valha dos conhecimentos próprios aos bens ou serviços que pretende oferecer ao mercado – sejam estes sofisticados ou de amplo conhecimento – ao estruturar a organização econômica.

Produção de bens ou serviços. Produção de bens é a fabricação de produtos ou mercadorias. Toda atividade de indústria é, por definição, empresarial. Produção de serviços, por sua vez, é a prestação de serviços. São exemplos de produtores de bens: montadoras de veículos, fábricas de eletrodomésticos, confecções de roupas; e de produtores de serviços: bancos, seguradoras, hospitais, escolas, estacionamentos, provedores de acesso à internet.

Circulação de bens ou serviços. A atividade de circular bens é a do comércio, em sua manifestação originária: ir buscar o bem no produtor para trazê-lo ao consumidor. É a

atividade de intermediação na cadeia de escoamento de mercadorias. O conceito de empresário compreende tanto o atacadista como o varejista, tanto o comerciante de insumos

como o de mercadorias prontas para o consumo. Os de supermercados, concessionárias de automóveis e lojas de roupas são empresários. Circular serviços é intermediar a prestação de serviços. A agência de turismo não presta os serviços de transporte aéreo, traslados e hospedagem, mas, ao montar um pacote de viagem, os intermedeia.

Bens ou serviços. Até a difusão do comércio eletrônico via internet, no fim dos anos 1990, a distinção entre bens ou serviços não comportava, na maioria das vezes,

maiores dificuldades. Bens são corpóreos, enquanto os serviços não têm materialidade. A prestação de serviços consistia sempre numa obrigação de fazer. Com a intensificação do uso da internet para a realização de negócios e atos de consumo, certas atividades resistem à classificação nesses moldes. A assinatura de jornal-virtual, com exatamente o mesmo conteúdo do jornal-papel, é um bem ou serviço? Os chamados bens virtuais, como programas de computador ou arquivos de músicas baixados pela internet, em que

categoria devem ser incluídos? Mesmo sem resolver essas questões, não há dúvidas, na caracterização de empresário, de que o comércio eletrônico, em todas as suas várias manifestações (páginas B2B, B2C ou C2C), é atividade empresarial (ver Cap. 5, item 6).

5. ATIVIDADES ECONÔMICAS CIVIS

A teoria da empresa não acarreta a superação da bipartição do direito privado, que o legado jurídico de Napoleão tomou clássica nos países de tradição romana. Altera o critério de delimitação do objeto do Direito Comercial – que deixa de ser os atos de comércio e passa a ser a empresarialidade –, mas não suprime a dicotomia entre o regime jurídico civil e comercial. Assim, de acordo com o Código Civil, continuam excluídas da disciplina juscomercialista algumas atividades econômicas. São atividades civis, cujos

exercentes não podem, por exemplo, requerer a recuperação judicial, nem falir.

São quatro hipóteses de atividades econômicas civis. A primeira diz respeito às exploradas por quem não se enquadra no conceito legal de empresário. Se alguém presta serviços diretamente, mas não organiza uma empresa (não tem empregados, por exemplo), mesmo que o faça profissionalmente (com intuito lucrativo e habitualidade), ele não é empresário e o seu regime será o civil. Aliás, com o desenvolvimento dos meios de transmissão eletrônica de dados, estão surgindo atividades econômicas de relevo' exploradas sem empresa, em que o prestador dos serviços trabalha sozinho em casa.

As demais atividades civis são as dos profissionais intelectuais, dos empresários rurais não registrados na Junta Comercial e a das Cooperativas.

5.1 Profissional intelectual

Não se considera empresário, por força do parágrafo único do art. 966 do CC, o exercente de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, mesmo que

contrate empregados para auxiliá-lo em seu trabalho. Estes profissionais exploram, portanto, atividades econômicas civis, não sujeitas ao Direito Comercial. Entre eles se encontram os profissionais liberais (advogado, médico, dentista, arquiteto, etc.), os escritores e artistas de qualquer expressão (plásticos, músicos, atores, etc.).

Há uma exceção, prevista no mesmo dispositivo legal, em que o profissional intelectual se enquadra no conceito de empresário. Trata-se da hipótese em que o exercício da profissão constitui elemento de empresa.

Para compreender o conceito legal, convém partir de um exemplo. Imagine o médico pediatra recém-formado, atendendo seus primeiros clientes no consultório. Já contrata pelo menos uma secretária, mas se encontra na condição geral dos profissionais intelectuais: não é empresário, mesmo que conte com o auxílio de colaboradores. Nesta fase, os pais buscam seus serviços em razão, basicamente, de sua competência como médico. Imagine, porém, que, passando o tempo, este profissional amplie seu consultório, contratando, além de mais pessoal de apoio (secretária, atendente, copeira, etc.), também enfermeiros e outros médicos. Não chama mais o local de atendimento de consultório, mas de clínica. Nesta fase de transição, os clientes ainda procuram aqueles serviços de medicina pediátrica, em razão da confiança que depositam no trabalho daquele médico, titular da

clínica. Mas a clientela se amplia e já há, entre os pacientes, quem nunca foi atendido diretamente pelo titular, nem o conhece. Numa fase seguinte, cresce mais ainda aquela unidade de serviços. Não se chama mais clínica, e sim hospital pediátrico. Entre os muitos funcionários, além dos médicos, enfermeiros e atendentes, há contador, advogado, nutricionista, administrador hospitalar, seguranças, motoristas e outros. Ninguém mais procura os serviços ali oferecidos em razão do trabalho pessoal do médico que os organiza. Sua

individualidade se perdeu na organização empresarial. Neste momento, aquele profissional intelectual tornou-se elemento de empresa. Mesmo que continue clinicando, sua

maior contribuição para a prestação dos serviços naquele hospital pediátrico é a de organizador dos fatores de produção. Foge, então, da condição geral dos profissionais intelectuais e deve ser considerado, juridicamente, empresário.

Também os outros profissionais liberais e artistas sujeitam-se à mesma regra. O escultor que contrata auxiliar para funções operacionais (atender ao telefone, pagar contas

no banco, fazer moldes, limpar o ateliê) não é empresário. Na medida em que expande a procura por seus trabalhos, e ele contrata vários funcionários para imprimir maior celeridade à produção, pode ocorrer a transição dele da condição jurídica de profissional intelectual para a de elemento de empresa. Será o caso, se a reprodução de esculturas assinaladas com sua assinatura não depender mais de nenhuma ação pessoal direta dele. Tornar-se-á, então, juridicamente empresário.

5.2 Empresário rural

Atividade econômica rural é a explorada normalmente fora da cidade. Certas atividades produtivas não são costumeiramente exploradas em meio urbano, por razões de diversas ordens (materiais, culturais, econômicas ou jurídicas). São rurais, por exemplo, as atividades econômicas de plantação de vegetais destinadas a alimentos, fonte energética ou matéria-prima (agricultura, reflorestamento), a criação de animais para abate, reprodução, competição ou lazer (pecuária, suinocultura, granja, equinocultura) e o extrativismo vegetal (corte de árvores), animal (caça e pesca) e mineral (mineradoras e garimpo).

As atividades rurais, no Brasil, são exploradas em dois tipos radicalmente diferentes de organizações econômicas. Tomando-se a produção de alimentos, por exemplo, encontra-se na economia brasileira, de um lado, a agroindústria (ou agronegócio) e, de outro, a agricultura familiar. Naquela, emprega-se tecnologia avançada, mão de obra assalariada (permanente e temporária), especialização de culturas, grandes áreas de cultivo; na familiar, trabalham o dono da terra e seus parentes, um ou outro empregado, e são relativamente menores as áreas de cultivo. Convém registrar que, ao contrário de outros países, principalmente na Europa, em que a pequena propriedade rural tem importância econômica no encaminhamento da questão agrícola, entre nós, a produção de alimentos é altamente industrializada e se concentra em grandes empresas rurais. Por isso, a reforma agrária,

no Brasil, não é solução de nenhum problema econômico, como foi para outros povos; destina-se a solucionar apenas problemas sociais de enorme gravidade (pobreza, desemprego no campo, crescimento desordenado das cidades, violência urbana etc.).

Atento a esta realidade, o Código Civil reservou para o exercente de atividade rural um tratamento específico (art. 971). Se ele requerer sua inscrição no registro das empresas (Junta Comercial), será considerado empresário e submeter-se-á às normas de Direito Comercial. Esta deve ser a opção do agronegócio. Caso, porém, não requeira a inscrição neste registro, não se considera empresário e seu regime será o do Direito Civil. Esta última deverá ser a opção predominante entre os titulares de negócios rurais familiares.

5.3 Cooperativas

Desde o tempo em que a delimitação do objeto do Direito Comercial era feita pela teoria dos atos de comércio, há duas exceções a assinalar no contexto do critério identifica-

dor desse ramo jurídico. De um lado, a sociedade por ações, que será sempre comercial, independentemente da atividade que explora (LSA, art. 2º, § 2º; CC, art. 982). De outro, as

cooperativas, que são sempre sociedades simples, independentemente da atividade que exploram (art. 982).

As cooperativas, normalmente, dedicam-se às mesmas atividades dos empresários e costumam atender aos requisitos legais de caracterização destes (profissionalismo, atividade econômica organizada e produção ou circulação de bens ou serviços), mas, por expressa disposição do legislador, que data de 1971, não se submetem ao regime jurídico-

-empresarial. Quer dizer, não estão sujeitas à falência e não podem requerer a recuperação judicial. Sua disciplina legal específica encontra-se na Lei n. 5.764/71 e nos arts. 1.093 a

1.096 do CC, e seu estudo cabe ao Direito Civil.

6. EMPRESÁRIO INDIVIDUAL

O empresário pode ser pessoa física ou jurídica. No primeiro caso, denomina-se empresário individual; no segundo, sociedade empresária.

Deve-se desde logo acentuar que os sócios da sociedade empresária não são empresários. Quando pessoas (naturais) unem seus esforços para, em sociedade, ganhar dinheiro com a exploração empresarial de uma atividade econômica, elas não se tornam empresárias. A sociedade por elas constituída, uma pessoa jurídica com personalidade autônoma, sujeito de direito independente, é que será empresária, para todos os efeitos legais. Os sócios da sociedade empresária são empreendedores ou investidores, de acordo com a colaboração dada à sociedade (os empreendedores, além de capital, costumam devotar também trabalho à pessoa jurídica, na condição de seus administradores, ou as controlam; os investidores limitam-se a aportar capital). As regras que são aplicáveis ao empresário individual não se aplicam aos sócios da sociedade empresária – é muito importante apreender isto.

O empresário individual, em regra, não explora atividade economicamente importante. Em primeiro lugar, por – que negócios de vulto exigem naturalmente grandes investimentos. Além disso, o risco de insucesso, inerente a empreendimento de qualquer natureza e tamanho, é proporcional às dimensões do negócio: quanto maior e mais complexa a atividade, maiores os riscos. Em consequência, as atividades de maior envergadura econômica são exploradas por sociedades empresárias anônimas ou limitadas, que são os tipos societários que melhor viabilizam a conjugação de capitais e limitação de perdas. Aos empresários individuais sobram os negócios rudimentares e marginais, muitas vezes ambulantes. Dedicam-se a atividades como varejo de produtos estrangeiros adquiridos em zonas francas (sacoleiros), confecção de bijuterias, de doces para restaurantes ou bufês, quiosques de miudezas em locais públicos, bancas de frutas ou pastelarias em feiras semanais, etc.

Em relação às pessoas físicas, o exercício de atividade empresarial é vedado em duas hipóteses (relembre-se que não se está cuidando, aqui, das condições para uma pessoa

física ser sócia de sociedade empresária, mas para ser empresária individual). A primeira diz respeito à proteção dela mesma, expressa em normas sobre capacidade (CC, arts.

972, 974 a 976); a segunda refere-se à proteção de terceiros e se manifesta em proibições ao exercício da empresa (CC, art. 973). Desta última, tratarei mais à frente (Cap. 2, item 3). Para ser empresário individual, a pessoa deve encontrar-se em pleno gozo de sua capacidade civil. Não têm capacidade para exercer empresa, portanto, os menores de 18

anos não emancipados, ébrios habituais, viciados em tóxicos, deficientes mentais, excepcionais e os pródigos, e, nos termos da legislação própria, os índios. Destaque-se que o menor emancipado (por outorga dos pais, casamento, nomeação para emprego público efetivo, estabelecimento por economia própria, obtenção de grau em curso superior),

exatamente por se encontrar no pleno gozo de sua capacidade jurídica, pode exercer empresa como o maior.

No interesse do incapaz, prevê a lei hipótese excepcional de exercício da empresa: pode ser empresário individual o incapaz autorizado pelo juiz. O instrumento desta autorização denomina-se alvará. A circunstância em que cabe essa autorização é especialíssima. Ela só poderá ser concedida pelo Judiciário para o incapaz continuar exercendo empresa que ele mesmo constituiu, enquanto ainda era capaz, ou que foi constituída por seus pais ou por pessoa de quem o incapaz é sucessor. Não há previsão legal para o juiz autorizar o incapaz a dar início a novo empreendimento.

O exercício da empresa por incapaz autorizado é feito mediante representação (se absoluta a incapacidade) ou assistência (se relativa). Se o representante ou o assistido for

ou estiver proibido de exercer empresa, nomeia-se, com aprovação do juiz, um gerente. Mesmo não havendo impedimento, se reputar do interesse do incapaz, o juiz pode, ao conceder a autorização, determinar que atue no negócio o gerente. A autorização pode ser revogada pelo juiz, a qualquer tempo, ouvidos os pais, tutores ou representantes legais

do menor ou do interdito. A revogação não prejudicará os interesses de terceiros (consumidores, empregados, fisco, fornecedores, etc.).

Os bens que o empresário incapaz autorizado possuía, ao tempo da sucessão ou interdição, não respondem pelas obrigações decorrentes da atividade empresarial exerci da

durante o prazo da autorização, a menos que tenham sido nela empregados, antes ou depois do ato autorizatório. Do alvará judicial constará a relação destes bens.

7. PREPOSTOS DO EMPRESÁRIO

Como organizador de atividade empresarial, o empresário (pessoa física ou jurídica) necessariamente deve contratar mão de obra, que é um dos fatores de produção. Seja

como empregado pelo regime do Direito do Trabalho (CLT) ou como representante, autônomo ou pessoal terceirizado vinculados por contrato de prestação de serviços, vários trabalhadores desempenham tarefas sob a coordenação do empresário. Para efeitos do direito das obrigações, esses trabalhadores, independentemente da natureza do vínculo contratual mantido com o empresário, são chamados prepostos (CC, arts. 1.169 a 1.178).

Em termos gerais, os atos dos prepostos praticados no estabelecimento empresarial e relativos à atividade econômica ali desenvolvida obrigam o empresário preponente. Se

alguém adentra a loja e se dirige a pessoa uniformizada que lá se encontra, e com ela inicia tratativas negociais (quer dizer, pede informações sobre produto exposto, indaga sobre preço e garantias, propõe forma alternativa de parcelamento, etc.), o empresário dono daquele comércio (pessoa física ou jurídica) está sendo contratualmente responsabilizado. As informações prestadas pelo empregado ou funcionário terceirizado, bem como os compromissos por eles assumidos, atendidos aqueles pressupostos de lugar e objeto,

criam obrigações para o empresário (art. 1.178).

Os prepostos, por evidente, respondem pelos seus atos de que derivam obrigações do empresário com terceiros. Se agirem com culpa, devem indenizar em regresso o preponente titular da empresa; se com dolo, respondem eles também perante o terceiro, em solidariedade com o empresário.

Está o preposto proibido de concorrer com o seu preponente. Quando o faz, sem autorização expressa, responde por perdas e danos. O empresário prejudicado tem

também direito de retenção, até o limite dos lucros da operação econômica irregular de seu preposto, sobre os créditos deste. Configura-se, também, eventualmente o crime de

concorrência desleal (LPI, art. 195).

Dois prepostos têm sua atuação referida especificamente no Código Civil: o gerente e o contabilista. O gerente é o funcionário com funções de chefia, encarregado da organização do trabalho num certo estabelecimento (sede, sucursal, filial ou agência). Os poderes do gerente podem ser limitados por ato escrito do empresário. Para produzir efeitos

perante terceiros, este ato deve estar arquivado na Junta Comercial ou comprovadamente informado para estes. Não havendo limitação expressa, o gerente responsabiliza o preponente em todos os seus atos e pode, inclusive, atuar em juízo pelas obrigações resultantes do exercício de sua função. Por sua vez, o contabilista é o responsável pela escrituração dos livros do empresário. Só nas grandes empresas este preposto

costuma ser empregado; nas pequenas e médias, normalmente, é profissional com quem o empresário mantém contrato de prestação de serviços.

Entre o gerente e o contabilista, além das diferenças de funções e responsabilidades, há também duas outras que devem ser destacadas: enquanto é facultativa a função do

gerente (o empresário pode, simplesmente, não ter este tipo de preposto), a do contabilista é obrigatória (salvo se nenhum houver na localidade – CC, art. 1.182); ademais,

qualquer pessoa pode trabalhar como gerente, mas apenas os regularmente inscritos no órgão profissional podem trabalhar como contador ou técnico em contabilidade.

8. AUTONOMIA DO DIREITO COMERCIAL

O Direito Comercial (Mercantil, Empresarial ou de Negócios) é área especializada do conhecimento jurídico. Sua autonomia, como disciplina curricular ou campo de atuação

profissional específico, decorre dos conhecimentos extrajurídicos que professores e advogados devem buscar, quando o elegem como ramo jurídico de atuação. Exige-se do comercialista não só dominar conceitos básicos de economia, administração de empresas, finanças e contabilidade, como principalmente compreender as necessidades próprias do empresário e a natureza de elemento de custo que o direito muitas vezes assume para este. Quem escolhe o Direito Comercial como sua área de estudo ou trabalho deve estar disposto a contribuir para que o empresário alcance o objetivo fundamental que o motiva na empresa: o lucro. Sem tal disposição, será melhor – para o estudioso e profissional do direito, para os empresários e para a sociedade – que ele dedique seus esforços a outra das muitas e ricas áreas jurídicas.

No Brasil, a autonomia do Direito Comercial é referida até mesmo na Constituição Federal, que, ao listar as matérias da competência legislativa privativa da União, menciona "direito civil" em separado de "comercial" (CF, art. 22, I).

Não compromete a autonomia do Direito Comercial a opção do legislador brasileiro de 2002 no sentido de tratar a matéria correspondente ao objeto desta disciplina no Código Civil (Livro 11 da Parte Especial). A autonomia didática e profissional não é minimamente determinada pela legislativa. Afinal, Direito Civil não é Código Civil; assim como

Direito Comercial não é Código Comercial. À forma considerada mais oportuna de organizar os textos e diplomas legais não corresponde necessariamente a melhor de estudar e ensinar o direito.

Também não compromete a autonomia da disciplina a adoção, no direito privado brasileiro, da Teoria da Empresa. Como visto, a bipartição dos regimes jurídicos disciplinadores de atividades econômicas não deixa de existir, quando se adota o critério da empresarialidade para circunscrever os contornos do âmbito de incidência do Direito Comercial. Aliás, a Teoria da Empresa não importa nem mesmo a unificação legislativa do direito privado. Na Espanha, desde 1989, o Código do Comércio incorpora os fundamentos desta teoria, permanecendo diploma separado do Código Civil.

A demonstração irrespondível de que a autonomia do Direito Comercial não é comprometida nem pela unificação legislativa do direito privado nem pela Teoria da Empresa encontra-se nos currículos dos cursos jurídicos de faculdades italianas. Já se passaram 60 anos da unificação legislativa e da adoção da Teoria da Empresa na Itália, e Direito Comercial continua sendo tratado lá como disciplina autônoma, com

professores e literatura especializados. Até mesmo em reformas curriculares recentes, como a empreendida na Faculdade de Direito de Bolonha a partir do ano letivo de 1996/1997, a

autonomia do Direito Comercial foi amplamente prestigiada.

3. COMERCIANTE E ATOS DE COMÉRCIO

Ricardo Negrão

3.1 Introdução

O conceito de comerciante sempre foi uma das questões mais trabalhosas no âmbito do Direito Comercial, inexistindo, até os dias de hoje, concepção que atenda a todos os juristas. À falta de uma definição moderna aceitável, os cientistas do direito debatem-se em questões históricas ou em definições legais que foram surgindo durante o desenvolvimento da mercancia e sua aplicação jurídica.

Historicamente se procurou ligar o comerciante ao exercício de atos de comércio, e estes à manufatura e à distribuição das mercadorias. No conceito de Vidari, por exemplo, citado por Rubens Requião, encontra-se: "É o complexo de atos de intromissão entre o produtor e o consumidor que, exercidos habitualmente e com o fim de lucros, realizam, promovem ou facilitam a circulação dos produtos da natureza e da indústria, para tomar mais fácil e pronta a procura e a oferta", Nesse conceito se encontram três ideias ou elementos jurídicos integrantes: mediação, fim lucrativo e profissionalidade.

Analisando de perto cada um desses elementos, entretanto, numa consideração isolada ou mesmo conjunta de todos eles, nenhum em particular oferece uma noção exata do que seja ato de comércio ou comerciante.

A mediação, se, historicamente, era considerada característica própria do comerciante, já não o é hoje. Há atividades de mediação nos atos da vida civil que não constituem atos de comércio, e há atos definidos como de comércio em atividades sem mediação alguma, por exemplo, a manufatura ou a prestação de serviços.

O lucro, igualmente, não é elemento distinguidor dos atos comerciais.

Há atividades eminentemente comerciais, regi das pelas leis comerciais, nas quais pode não haver fim lucrativo, como ocorre ao se firmar um aval cambiário ou nos atos desenvolvidos por empresa pública.

A profissional idade ou habitualidade desses atos de mediação entre produtor e consumidor caracterizam, de fato, alguns comerciantes, mas não abrangem outros, como se pode observar no objeto de uma sociedade, sob a forma de ações, que explore atividade hospitalar: essa sociedade não realiza qualquer ato de mediação, mas ainda assim é mercantil por força de lei.

3.2 Origens históricas

As dificuldades para estabelecer um conceito particular de comércio e encontrar elementos aceitáveis que o distingam da atividade produtiva não comercial remontam ao nascimento e sucessiva evolução do Direito Comercial. O fundamento dos conceitos se organiza primeiro historicamente e, depois, ganha contornos nas legislações nacionais. Foram, portanto, a história e a lei que traçaram a verdadeira distinção característica entre o ato de comércio e o ato civil.

O desenvolvimento do Direito Comercial – a gênese do tratamento diferenciador dado pelas legislações – pode ser dividido em três fases: o primórdio, caracterizado por uma tônica subjetiva, que ligava o mercador a uma corporação de ofício mercantil, denominada fase subjetiva-corporativista; um segundo momento, que definiu os atos praticados por esses mercadores como caracterizadores de sua profissão, denominado fase objetiva (neste o traço marcante é o objeto da ação do agente - o próprio ato do comércio); finalmente, a chamada fase empresarial, cujo conteúdo vem sendo construído ao longo dos últimos cem anos, adotado por diversas legislações europeias e que se vê abraçado pelo novo Código Civil brasileiro. Do ponto de vista de suas origens, os três sistemas podem ser classificados como histórico (subjetivo-corporativista), francês (objetivo) e italiano (empresarial).

Na primeira fase se entendia que o Direito Comercial era um direito da classe dos comerciantes, em função de seu nascimento coincidir com a associação dos mercadores em poderosas ligas e corporações de ofício. Estas, como já anotado nos capítulos anteriores, se fortaleceram a partir das comunas, alijando do mercado qualquer pessoa que a elas não se associasse e obtendo poder político equiparado ao dos antigos senhores feudais. Leo Huberman descreve o poder da associação de mercadores, imbatível diante de mercadores não associados e, mesmo, no conflito com outras corporações:

"Na luta pela conquista da liberdade da cidade, os mercadores assumiram a liderança. Constituíam o grupo mais poderoso e lograram para as suas associações e sociedades todos os tipos e privilégios. As associações de mercadores exerciam, com frequência, um monopólio sobre o comércio por atacado das cidades. Quem não era um membro da liga de mercadores não fazia bons negócios. Em 1280, por exemplo, na cidade de Newcastle, na Inglaterra, um homem chamado Richard queixou-se ao rei que 10 tosquias de lã lhe foram tomadas por alguns mercadores. Queria sua lã de volta. O rei mandou chamar os tais mercadores e perguntou-lhes por que haviam tomado a lã de Richard. Estes alegaram, em sua defesa, que o rei Henrique III concedera que 'os cidadãos da referida cidade poderiam ter uma Corporação de Mercadores no dito burgo, com todos os privilégios e isenções habituais. Indagados acerca dos privilégios que reivindicavam como pertencentes à Corporação citada, declararam que ninguém, a menos que gozasse das imunidades da Corporação, poderia cortar as peças de fazenda para vender na cidade, nem carne ou peixe, nem comprar couros frescos, nem adquirir lã pela tosquia" [...] "Richard, decerto, não era membro da sociedade, que desfrutava o direito exclusivo de comerciar com lã".

As pendências comerciais eram decididas por magistrados (cônsules mercatorum) eleitos entre os próprios mercadores, aplicadores de seus estatutos, conjuntos de normas escritas e consuetudinárias. Com a expansão universal do comércio e o surgimento de novas atividades, mostrou-se necessária, para fixação da competência dos cônsules, a delimitação da matéria do comércio para além do ato de meramente intermediar mercadorias. Entendeu-se que havia outras situações que deviam ser consideradas comerciais para o fim de se sujeitarem a esses tribunais, tais como a atividade de câmbio, a bancária, as letras cambiais e outros negócios que mantinham conexão com os atos de pura mercancia. Já não era, portanto, a qualidade de comerciante que importava (conceito subjetivo), mas sim sua atividade (conceito objetivo), dando origem à segunda fase evolutiva. A esse período intermediário entre a fase subjetiva e a objetiva denominou-se fase eclética, na qual os tribunais comerciais, destinados a julgar questões em razão da

qualidade das pessoas (comerciantes), passaram a julgar questões em razão dos atos praticados (atos reputados comerciais).

A fase napoleônica, chamada objetiva, teve início com o liberalismo econômico, ocasião em que a atividade comercial era facultada a todos os cidadãos, desde que praticassem determinados atos previstos em lei. Já não era mais a natureza do agente (do sujeito da ação), mas a prática de determinados atos, denominados comerciais, que importava na qualificação do comerciante. Extinguem-se todas as corporações de ofício, por se considera- rem resquícios de uma sociedade feudal (Lei Le Chapelier, de 14 de junho de 1791, na França), e, ainda, porque assumiram grande poder nas cidades em toda a Europa, suscitando descontentamento, além de que os burgueses mais abastados dificultavam a ascensão de jornaleiros à condição de mestres, gerando intensas disputas salariais. Segundo Huberman, "as classes inferiores verificaram que haviam simplesmente mudado de senhor – antes, o governo estava formalmente nas mãos de um senhor feudal e agora passa às mãos dos burgueses mais ricos". A Revolução Francesa havia acabado com todos os privilégios de nascimento, e a burguesia assumira o poder político. O Código de

Napoleão teve por finalidade a proteção da propriedade burguesa; de quase 2.000 artigos, cerca de 800 trataram da propriedade privada". Foi sob a influência desse período que se instituíram o Código Comercial brasileiro (Lei n. 556, de 25-6-1850) e o Regulamento n. 737, de 1850. Este último estabelecia quais eram os atos comerciais por natureza ou profissionais: a compra e venda ou troca para vender a grosso ou a retalho, operações de câmbio, banco e corretagem, empresas de fábrica, de comissões, de depósito, etc.

A fase subjetiva-moderna ou empresarial encontra-se em elaboração.

Nesse período as legislações não definem a empresa, mas, levando em conta a pessoa do empresário, conceituam-no como aquele que exerce profissionalmente qualquer atividade econômica organizada, exceto a intelectual, para a produção ou circulação de bens ou serviços. A atividade histórica do comerciante não é considerada (aquele que intermedeia a produção e o consumo), nem a prática de determinados atos definidos como comerciais (conceito objetivo), mas a qualidade daquele que exerce atividade empresarial.

Num esquema simples, pode-se demonstrar a existência de três sistemas evolutivos de qualificação do comerciante, sendo que, no último, a mudança do conceito leva à alteração do próprio nomen iuris (agora empresário):

Conceito subjetivo-corporativista: comerciante é aquele que pratica a mercancia, subordinando-se à corporação de mercadores e sujeitando-se às decisões dos cônsules dessas corporações.

Conceito objetivo: “Comerciante é aquele que pratica com habitualidade e profissionalidade atos do comércio” (Vivante).

Conceito moderno (empresarial e subjetivo-empresarial): Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, excluída a profissão intelectual, de natureza científica, literária e ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa (novo Código Civil, art. 966 e parágrafo único).

No sistema objetivo, a distinção dos campos civil e comercial se faz pela adoção de adjetivos qualificadores: atos civis e atos de comércio, atividade civil e atividade comercial, sociedades comerciais e sociedades civis, demonstrando existir compartimentos estanques de atividades e soluções legais distintas. No sistema empresarial adotado pelo novo Código Civil desaparecem os qualificativos: a atividade será empresarial ou não empresarial; as sociedades constituídas segundo a nova legislação ou são empresárias ou, não o sendo, serão denominadas como sociedades simples, expressão inócua que se buscou para evitar sua adjetivação como sociedade civil.

3.3 Atos de comércio

Percebe-se claramente que o estudo dos atos de comércio decorre da adoção do conceito objetivo de comerciante. O Direito Comercial brasileiro recepcionou o sistema francês para definir comerciante, e, consequentemente, a legislação comercial de 1850 impôs a dicotomia do direito obrigacional e a adoção de soluções distintas em litígios contratuais entre comerciantes e não comerciantes.

Atualmente, a legislação brasileira vive uma fase de transição entre o conceito objetivo de comerciante e o novo conceito de empresa, acolhida pelo Livro II da Parte Especial do novo Código Civil. Com a adequação de todas as leis extravagantes à Teoria da Empresa, a antiga Teoria dos Atos de Comércio deixará de ter qualquer valia para a qualificação de comerciante, porque não mais existirá a relação dicotômica civil-comercial. O sistema moderno não mais classifica os atos jurídicos em civis e comerciais, mas

simplesmente em empresariais e não empresariais.

Nesse novo contexto, o estudo de atos de comércio mostra-se relevante em razão de seu valor didático-histórico, permitindo ao estudioso acompanhar a evolução operada, transpondo com segurança o sistema da comercialidade e avançando com segurança à Teoria da Empresa.

3.4 Questões preliminares - a importância do estudo diante da Teoria da Empresa

A Teoria dos Atos de Comércio tem maior interesse nos países onde se conservam, por tradição, os Tribunais de Comércio, adotados no Brasil até 9 de outubro de 1875 e extintos pelo Decreto n. 2.662, quando se atribuíram suas funções administrativas às Juntas Comerciais.

A partir do conceito objetivo, originário do sistema e do Código de Comércio francês, permitiu-se a qualquer pessoa capaz o exercício de atividade comercial, independente de sua prévia aceitação como membro da corporação de comerciantes; surgiu o direito a obter a qualidade de comerciante tão somente pela prática habitual e profissional de atos de comércio.

Assim, somente se qualifica alguém como comerciante se sua atividade profissional e habitual é a prática de atos de comércio.

Segue-se a essa constatação uma tormentosa questão: que são atos de comércio? A esta se sobrepõe outra: qual o interesse em saber quem é comerciante?

Sobre a segunda questão, há que se ponderar o fato de que, embora inexistindo problemas de competência para a solução de lides mercantis, uma vez que, desde a extinção dos Tribunais do Comércio, em 1875, o mesmo Juízo para as questões civis tem competência para as mercantis, a lei ainda faz distinção na aplicação de determinado instituto para o comerciante e para o não comerciante.

Exemplos de onde a lei distingue se encontram na lei falimentar recentemente revogada. Diz o art. 1º do Decreto-lei n. 7.661/45 que se considera falido o comerciante que, sem relevante razão de direito, não paga no vencimento obrigação líquida, constante de título que legitime a ação executiva. Já a lei processual civil afirma: dá-se a insolvência toda vez que as dívidas excederem à importância dos bens do devedor (art. 748 do Código de Processo Civil).

Portanto, conforme a qualidade do devedor – comerciante ou não – aplicavam-se, na vigência do Decreto-lei n. 7.661/45, distintas legislações para a execução coletiva de seus bens. Em se tratando de comerciante, incidia o instituto da falência, e, não o sendo, o da insolvência.

A nova Lei Falimentar (Lei n. 11.101/2005) tem origem no anteprojeto publicado em 27 de março de 1992 no Diário Oficial da União. Seus primeiros postulados fixados pela comissão elaboradora e divulgados em nota explicativa de encaminhamento ao então Ministro da Justiça Jarbas Passarinho eram:

a) introdução de fórmulas de recuperação da empresa;

b) revisão dos pressupostos da concordata e da falência;

c) extensão desses institutos para abrangerem a empresa em suas diferentes manifestações;

d) submissão da empresa estatal à concordata e à falência;

e) reestudo dos fundamentos para o requerimento da falência, com inovações salutares;

f) extensão da falência a sócios solidários;

g) supressão da concordata suspensiva, substituída por soluções de recuperação da empresa;

h) aprimoramento da sistemática de administração da empresa em crise;

i) simplificação do processo de verificação dos créditos;

j) novo sistema de administração da massa falida;

l) redução dos recursos e prazos processuais;

m) introdução do rito sumaríssimo em diferentes situações;

n) aperfeiçoamento na elaboração dos quadros gerais dos credores;

o) disciplina das liquidações visando a sua aceleração e segurança.

O novo texto recebeu, na Câmara dos Deputados, inúmeras emendas, e, em 2 de agosto de 1995, por ato da Presidência daquela Casa Legislativa, foi constituída comissão especial destinada a apreciar e dar parecer sobre o projeto, sendo designado o Deputado Osvaldo Biolchi como relator. Em 22 de abril de 1999 o Presidente da Câmara dos Deputados decidiu criar comissão especial, composta de trinta e um membros, dedicada a avaliar e proferir parecer às emendas. Em 30 de novembro de 1999 o projeto foi encaminhado ao plenário, sendo finalmente aprovada, em 15 de outubro de 2003, a redação final oferecida pelo relator, Deputado Osvaldo Biolchi, que institui novos regimes – recuperação judicial e recuperação extrajudicial – ao lado do instituto da falência, determinando sua aplicação não somente à sociedade empresária e ao empresário individual, mas também à sociedade simples.

Entre as inúmeras versões que antecederam as últimas – a acima mencionada aprovada pela Câmara dos Deputados, a que foi, em julho de 2004, aprovada pelo Senado Federal e a redação final – encontra-se o texto alterado até 14 de abril de 1998 que já não se referia à falência e à concordata, mas tão somente aos novos institutos denominados "recuperação judicial" e "liquidação judicial", aplicando-se tanto às sociedades comerciais como às civis de fins econômicos, bem como às pessoas físicas que exerciam atividade econômica em nome próprio e de forma organizada, com o objetivo de lucro.

Esse texto considerava a recuperação judicial "a ação judicial destinada a sanear a situação de crise econômico-financeira do devedor, salvaguardando a manutenção da fonte produtora, do emprego de seus trabalhadores e os interesses dos credores, viabilizando, dessa forma, a realização da função social da empresa". A liquidação judicial mantinha grande semelhança com os atuais arts. 1º e 2º da Lei de Falências em vigor.

A redação final retoma os conceitos de falência e de recuperação judicial e extrajudicial, determinando sua aplicação ao empresário e à sociedade empresária, excetuando, contudo, sua incidência à empresa pública, às sociedades de economia mista, à instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.

A nova terminologia e o alcance das novas regras vêm ao encontro da tendência do atual direito internacional: busca-se a preservação da empresa e, por consequência, a preservação dos meios econômicos e dos empregos, e unifica-se o tratamento obrigacional, não mais existindo distinção entre comerciantes e não comerciantes quando a empresa se encontra em situação econômica deficitária.

Dentro desse espírito, de evitar o perecimento da empresa como atividade econômica geradora de riqueza e empregos, situar-se-á a nova legislação brasileira, em conformidade com a economia globalizada instalada entre as nações.

É certo, como adverte o Professor Waldirio Bulgarelli, que a mudança introduzida pelo novo Código Civil, adotando a teoria da empresa em substituição ao sistema objetivo de comércio, acarreta profundos efeitos "não só à unidade do Direito Obrigacional, sem distinção entre atos civis e mercantis, mas, também, ao fato de que o comerciante deixará de ser o centro nuclear do sistema, igualando-se os tipos de atividades econômicas produtivas (principalmente os da indústria e de serviços), passando todos a figurar em um mesmo plano.

3.5 Sistemas de classificação - a adotada por Carvalho de Mendonça

O núcleo do sistema objetivo de classificação do comerciante é, de fato, o ato de comércio, e, para estudá-lo, são consideradas duas ordens de classificação: a enumerativa, sob influência do Código Napoleônico de 1807, que trazia taxativamente a relação de atividades consideradas mercantis, e a descritiva, que resume numa relação meramente exemplificativa as atividades consideradas mercantis.

Conforme anota Rubens Requião, tem-se entendido que o sistema brasileiro é descritivo ou meramente exemplificativo, admitindo extensão por analogia, desde que mantidas, entre as atividades, certas características comuns.

Em qualquer dos dois sistemas, o estudioso de Direito Comercial encontrará dificuldades para classificar, teorizar e, a partir de então, moldar um conceito unitário, aceitável universalmente. Isto porque não se conseguiu, até hoje, distinguir os elementos identificadores do ato de comércio.

Há os que entendem que os ingredientes marcantes do ato de comércio são a mediação e a especulação, conforme ensina Waldemar Ferreira; outros, como o jurista italiano Rocco, entendem que a característica preponderante é a interposição de pessoas na troca, seja esta a compra para ulterior revenda, seja a troca mediata de dinheiro presente contra dinheiro futuro (operações bancárias) ou a troca mediata dos resultados do trabalho contra outros bens econômicos (operação empresarial) ou, finalmente, a troca mediata de um risco individual contra uma cota proporcional de um risco coletivo (seguros). Em suas palavras, citadas por Dylson Doria têm-se: "Na compra para revenda e ulterior revenda temos uma troca mediata de mercadorias e títulos de crédito e imóveis contra bens econômicos, geralmente contra dinheiro. Nas operações bancárias, temos uma troca mediata de direito presente contra dinheiro futuro, ou dinheiro contra dinheiro a crédito. Nas empresas, temos uma troca mediata dos resultados do trabalho contra outros bens econômicos, especialmente contra dinheiro. E, enfim, nos seguros, uma troca mediata de

um risco

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