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NA BASE DE DIREITOS HUMANOS

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Por:   •  28/9/2014  •  Relatório de pesquisa  •  7.917 Palavras (32 Páginas)  •  473 Visualizações

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PRIMEIRA PARTE - SOBRE OS FUNDAMENTOS DOS DIREITOS DO HOMEM

1. Neste ensaio, proponho-me a discutir três temas:

a) qual é o sentido do problema que nos pusemos acerca do fundamento absoluto dos direitos do homem;

b) se um fundamento absoluto é possível;

c) se, caso seja possível, é também desejável.

2. O problema do fundamento de um direito apresenta-se diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem ou de um direito que se gostaria de ter . No primeiro caso, investigo no ordenamento jurídico positivo, do qual faço parte como titular de direitos e de deveres, se há uma norma válida que o reconheça e qual é essa norma; no segundo caso, tentarei buscar boas razões para defender a legitimidade do direito em questão e para convencer o maior numero possível de pessoas (sobretudo as que detêm o poder direto ou indireto de produzir normas válidas naquele ordenamento) a reconhecê-lo.

Não há dúvida de que, quando, num seminário de filósofos e não de juristas (como é o nosso), colocamos o problema do fundamento dos direitos do homem, pretendemos enfrentar um problema do segundo tipo, ou seja, não um problema de direito positivo, mas de direito racional ou critico (ou, se quiser , de direito natural, no sentido restrito, que é para mim o único aceitável, da palavra). Partimos do pressuposto de que os direitos humanos são coisas desejáveis, isto é, fins que me recém ser perseguidos, e de que, apesar de sua desejabilidade, não foram ainda todos eles (por toda a parte e em igual medida) reconhecidos; e estamos convencidos de que lhes encontrar um fundamento, ou seja, aduzir motivos para justificar a escolha que fizemos e que gostaríamos fosse feita também pelos outros, é um meio adequado para obter para eles um mais amplo reconhecimento.

3. Da finalidade visada pela busca do fundamento, nasce a ilusão do fundamento absoluto, ou seja, a ilusão de que de tanto acumular e elaborar razões e argumentos — terminaremos por encontrar a razão e o argumento irresistível, ao qual ninguém poderá recusar a própria adesão. O fundamento absoluto é o fundamento irresistível no mundo de nossas idéias, do mesmo modo como o poder absoluto é o poder irresistível (que se pense em Hobbes) no mundo de nossas ações. Diante do fundamento irresistível, a mente se dobra necessariamente, tal como o faz a vontade diante do poder irresistível. O fundamento último não pode mais ser questionado, assim como o poder último deve ser obedecido sem questionamentos. Quem resiste ao primeiro se põe fora da comunidade das pessoas racionais, assim como quem se rebela contra o segundo se põe fora da comunidade das pessoas justas ou boas.

Essa ilusão foi comum durante séculos aos jusnaturalistas, que supunham ter colocado certos direitos (mas nem sempre os mesmos) acima da possibilidade de qualquer refutação, de rivando-os diretamente da natureza do homem. Mas a natureza do homem revelou-se muito frágil como fundamento absoluto de direitos irresistíveis.

Não é o caso de repetir as infinitas críticas dirigidas à doutrina dos direitos naturais, nem de mostrar mais uma vez o caráter capcioso dos argumentos empregados para provar o seu valor absoluto. Bastará recordar que muitos direitos, até mesmo os mais diversos entre si, até mesmo os menos fundamentais — fundamentais somente na opinião de quem os defendia —, foram subordinados à generosa e complacente natureza do homem. Para dar um exemplo: ardeu por muito tempo entre os jusnaturalistas a disputa acerca de qual das três soluções possíveis quanto à sucessão dos bens (o retorno à comunidade, a transmissão familiar de pai para filho ou a livre disposição pelo proprietário) era a mais natural e, portanto, devia ser preferida num sistema que aceitava como justo tudo o que se fundava na natureza. Podiam disputar por muito tempo: com efeito, todas as três soluções são perfeitamente compatíveis com a natureza do homem, conforme se considere este último como membro de uma comunidade (da qual, em última instância, sua vida depende), como pai de família (voltado por instinto natural para a continuação da espécie) ou como pessoa livre e autônoma (única responsável pelas próprias ações e pelos próprios bens).

Kant havia racionalmente reduzido os direitos irresistíveis (que ele chamava de “inatos”) a apenas um: a liberdade. Mas o que é a liberdade?

4. Essa ilusão Já não e possível hoje; toda busca do fundamento absoluto é, por sua vez, infundada. Contra essa ilusão, levanto quatro dificuldades (e passo assim ao segundo tema).

A primeira deriva da consideração de que “direitos do homem ” é uma expressão muito vaga. já tentamos alguma vez defini-los? E, se tentamos, qual foi o resultado? A maioria das definições são tautológicas: “Direitos do homem são os que cabem ao homem enquanto homem.” Ou nos dizem algo apenas sobre o estatuto desejado ou proposto para esses direitos, e não sobre o seu conteúdo: “Direitos do homem são aqueles que pertencem, ou deveriam pertencer , a todos os homens, ou dos quais nenhum homem pode ser despojado.”

Finalmente, quando se acrescenta alguma referência ao conteúdo, não se pode deixar de introduzir termos avaliativos: “Direitos do homem são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoa-mento da pessoa humana, ou para o desenvolvimento da civilização, etc., etc.” E aqui nasce uma nova dificuldade: os termos avaliativos são interpretados de modo diverso conforme a ideologia assumida pelo intérprete; com efeito, é objeto de muitas polêmicas apaixonantes, mas insolúveis, saber o que se entende por aperfeiçoamento da pessoa humana ou por desenvolvimento da civilização. O acordo é obtido, em geral, quando os polemistas — depois de muitas concessões recíprocas — consentem em aceitar uma fórmula genérica, que oculta e não resolve a contradição: essa fórmula genérica conserva a definição no mesmo nível de generalidade em que aparece nas duas definições precedentes. Mas as contradições que são assim afastadas renascem quando se passa do momento da enunciação puramente verbal para o da aplicação.

O fundamento de direitos — dos quais se sabe apenas que são condições para a realização de valores últimos — e o apelo a esses valores últimos. Mas os valores últimos, por sua vez, não se justificam; o que se faz é assumi-los. O que é último, precisamente por ser último, não tem nenhum fundamento. De resto, os valores últimos são antinômicos: não podem ser todos realizados globalmente e ao mesmo tempo. Para realizá-los,

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