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O problema econômico

Por:   •  20/5/2015  •  Artigo  •  7.441 Palavras (30 Páginas)  •  206 Visualizações

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Capítulo 1 O PROBLEMA ECONÔMICO

Agora que decidimos o rumo de nossa investigação, seria conveniente iniciar, de imediato, o exame de nosso passado econômico. Antes, porém, de recompor a história econômica, precisamos saber o que é história econômica, e isso pede esclarecimentos sobre o que entendemos por economia e problema econômico em si. Não é uma resposta complicada. Em seu sentido mais amplo, economia é o estudo de um processo encontrado em todas as sociedades humanas – o processo de oferecer bem-estar material à sociedade. Em termos mais simples, economia é o estudo de como a humanidade garante o pão de cada dia. Isso não parece um assunto empolgante para uma análise histórica. De fato, quando revemos o espetáculo do que costumamos chamar de “história”, falar de pão causa pouco impacto. Poder e glória, fé e fanatismo, idéias e ideologias são os aspectos da crônica da humanidade que enchem as páginas dos livros de história. Se a simples luta por pão é uma força motriz no destino da humanidade, esse fator está bem escondido por trás do que um filósofo chamou de “aquela história de crime internacional e assassinato em massa, anunciada como a história da humanidade”.1 Mas não só de pão vive a humanidade, ainda que saibamos que não podemos viver sem ele. Como todos os seres vivos, o homem precisa se alimentar – a primeira regra que domina a continuidade da existência. Esse primeiro pré-requisito pode parecer algo garantido; todavia, o organismo humano não é, por si só, um mecanismo de sobrevivência altamente eficiente. Cada 100 calorias consumidas geram somente 20 calorias de energia mecânica. Alimentando-se bem, o homem consegue produzir apenas um HP(horse-power)-hora de energia de trabalho diário, e com isso deve nutrir seu corpo exaurido. Com o que sobra depois disso, pode então construir uma civilização. Como resultado, em muitos países a frágil continuidade da existência humana está longe de garantida. No imenso continente asiático e no africano, no Oriente Médio, e mesmo em alguns países sul-americanos, a sobrevivência é o problema mais evidente da humanidade. Milhões de indivíduos morrem de inanição ou desnutrição na era atual, da mesma maneira que centenas de milhões morreram no passado. Nações inteiras co- 1 Karl Popper. The Open Society and its Enemies, 3rd ed. (London, Routledge, 1957), II, 270. _Heilbroner_Book.indb 21 Heilbroner_Book.indb 21 31.01.08 16:26:05 1.01.08 16:26:05 22 A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE ECONÔMICA nhecem bem o significado do enfrentamento da fome como condição para uma vida simples; diz-se, por exemplo, que um camponês de Bangladesh, do nascimento ao dia de sua morte, provavelmente jamais saberá o que é ter o estômago cheio. Em vários países conhecidos como subdesenvolvidos, o ciclo de vida da pessoa mediana é inferior à metade do nosso. Poucos anos atrás, um demógrafo indiano fez o cálculo assustador de que de 100 bebês asiáticos e 100 bebês americanos, mais americanos estariam vivos aos 65 anos que asiáticos aos 5! As estatísticas não de vida, mas de morte prematura, em quase todo o mundo, são avassaladoras e esmagadoras. O INDIVÍDUO E A SOCIEDADE Assim, vemos que a história econômica deve começar pelo problema fundamental da sobrevivência e de como a humanidade resolveu esse problema. Para a maioria dos americanos isso pode fazer a economia parecer algo mais distante. Poucos têm consciência de algo que se assemelhe a uma luta de vida ou morte pela existência. A experiência de querer muito alguma coisa, de nosso corpo passar pelas agruras da fome, à semelhança de um cidadão de um vilarejo na Índia ou de um trabalhador na Bolívia, é uma idéia quase impossível de ser levada a sério por alguns.2 A não ser por uma guerra de proporções catastróficas, é escassa a probabilidade de sabermos o significado pleno da luta pela existência. No entanto, mesmo em nossa sociedade próspera e segura, passa despercebido um aspecto da precariedade da vida, um lembrete do problema subjacente da sobrevivência. É o nosso desamparo como indivíduos econômicos. É curioso que, à medida que abandonamos os povos mais primitivos do mundo, mais nos deparamos com a insegurança econômica do indivíduo, inúmeras vezes multiplicada. O esquimó, o aborígene, o indonésio ou o nigeriano, simples e solitários, se deixados à mercê do que possuem, sobreviverão por um período considerável. Próximos à terra ou a possíveis animais, essas pessoas conseguem manter suas vidas, pelo menos por algum tempo, apenas com sua destreza manual. Comunidades de apenas algumas centenas de pessoas são capazes de viver indefinidamente. Não há dúvidas de que uma parcela considerável da raça humana vive hoje assim – em comunidades pequenas, praticamente contidas em si mesmas, que garantem sua própria sobrevivência, com um mínimo de contato com o mundo exterior. Essa parte da humanidade pode sofrer pobreza extrema, embora, sabidamente, tenha certa independência econômica. Se não fosse assim, há muitos séculos esses povos teriam desaparecido.3 Quando voltamos a atenção ao morador de Nova York ou Chicago, por outro lado, somos abalados pela condição oposta – o predomínio de uma facilidade de vida material, acompanhada de extrema dependência dos outros. Já não podemos mais vislumbrar a pessoa solitária ou a pequena comunidade, sobrevivendo sem auxílio, nas grandes áreas metropolitanas habitadas pela maioria dos norte-americanos, a não ser que saqueiem depósitos ou lojas em busca de alimento e artigos necessários. A esmagadora maioria dos americanos jamais plantou ou caçou alimento, criou gado, moeu grãos para fazer farinha ou fez pão. Diante do desafio de fabricar roupas ou construir a moradia, estariam 2 Apesar de que a visão de pessoas sem teto aglomeradas nas calçadas de nossas principais cidades nos mostra que mesmo países ricos podem apresentar pobreza. 3 Pesquisas antropológicas evidenciam que sociedades tradicionais, pequenas, podem também se beneficiar de uma espécie de riqueza, no sentido de que, de maneira voluntária, passam muitas horas em momentos de lazer e não caçando ou pescando. Ver Marshall Sahlins, Stone Age Economics (New York: Aldine, 1972). _Heilbroner_Book.indb 22 Heilbroner_Book.indb 22 31.01.08 16:26:05 1.01.08 16:26:05 CAPÍTULO 1  O PROBLEMA ECONÔMICO 23 desamparados, sem preparo e treinamento. Simples consertos de máquinas ao seu redor levam as pessoas a contarem com outros membros da comunidade, os mecânicos ou encanadores, por exemplo. Como um paradoxo, talvez possamos dizer que quanto mais rico um país, mais aparente a incapacidade de seus habitantes de sobreviverem sem auxílio e solitários. A divisão do trabalho Existe, sem dúvida, resposta ao paradoxo. Sobrevivemos em países ricos porque nossas tarefas são feitas para nós por uma gama de outros indivíduos, com cuja ajuda podemos contar. Compramos o alimento se não o plantamos; se somos incapazes de satisfazermos às nossas necessidades, contratamos os serviços de alguém capaz disso. Essa imensa divisão de trabalho reforça nossa capacidade em milhares de vezes, já que conseguimos nos beneficiar das habilidades dos outros, além das nossas. O próximo capítulo tem isso como foco. Esse enorme ganho traz um certo risco. É sabido, por exemplo, que dependemos dos serviços de apenas 200.000 pessoas, numa força de trabalho nacional de 130 milhões, no que se refere àquele bem básico, o carvão. Uma quantidade bastante menor – por volta de 60.000 – compõe a totalidade de nossos pilotos de avião. Um número ainda mais insignificante de trabalhadores dirige nossos trens que transportam a produção nacional. Uma falha de algum desses grupos na realização de sua função deixaria a nação aleijada. Diante de uma greve, toda a máquina econômica pode enfraquecer porque uns poucos indivíduos em posição estratégica – mesmo os lixeiros – interrompem a execu- ção das suas tarefas habituais. A abundância da existência material esconde uma vulnerabilidade: nossas garantias estão asseguradas à medida que podemos contar com a cooperação organizada de vá- rios grupos. Não há dúvidas de que a continuidade de nossa existência repousa na pré- condição tácita de que o mecanismo da organização social continuará a funcionar com eficiência. Somos ricos não como indivíduos, mas como membros de uma sociedade rica, e nossa certeza tácita de suficiência material é confiável somente na medida dos vínculos que nos estruturam em um todo social. Economia e escassez Daí a estranheza de acharmos que devemos à humanidade, e não à natureza, a origem da maior parte de nossos problemas econômicos, pelo menos acima do nível de subsistência. Certamente, o problema econômico em si – isto é, a necessidade de lutarmos pela vida – tem origem, em última instância, na natureza. Se os bens fossem livres como o ar, a economia – pelo menos em um sentido da palavra – pararia de existir como preocupação social. Se, entretanto, as limitações da natureza compõem o cenário do problema econômico, elas não impõem as únicas amarras contra as quais as pessoas precisam lutar. Isso porque escassez, algo que sentimos, não é culpa apenas da natureza. Se hoje os norte-americanos, por exemplo, se satisfizissem com uma vida igual à dos camponeses mexicanos, todos os nossos desejos materiais poderiam ser completamente atendidos com somente uma ou duas horas de trabalho diário. Teríamos pouca ou nenhuma escassez, e nossos problemas econômicos desapareceriam. Mas, pelo contrário, descobrimos nos Estados Unidos – e em todas as sociedades industriais – que a capacidade de aumentar a produção está acompanhada do aumento dos desejos individuais. Na verdade, em sociedades como a nossa, se dá que a “escassez”, como experiência _Heilbroner_Book.indb 23 Heilbroner_Book.indb 23 31.01.08 16:26:05 1.01.08 16:26:05 24 A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE ECONÔMICA psicológica, fica mais acentuada à medida que ficamos mais ricos: nossos desejos em relação aos produtos da natureza ultrapassam em muito nossa crescente capacidade de produzir bens. Os “desejos” que devem ser satisfeitos pela natureza não são de forma alguma fixos. Em relação a isso, entretanto, a própria produção natural não é uma constante; varia muito, dependendo da aplicação social de energia e habilidades humanas. Não é apenas à natureza que creditamos a escassez; ela é também passível de ser atribuída à “natureza humana”. A economia preocupa-se, em última análise, não apenas com as carências do ambiente físico, mas, da mesma forma, com o apetite do ser humano e a capacidade produtiva da comunidade. As tarefas da sociedade econômica Iniciemos, então, a análise sistemática da economia, isolando as funções que devem ser realizadas pela organização social para que a natureza humana tenha coesão social. E, ao voltarmos a atenção a esse problema fundamental, rapidamente percebemos que ele envolve a solução de duas tarefas elementares relacionadas, ainda que separadas. Uma sociedade deve 1. organizar um sistema que assegure a produção de bens e serviços suficientes para sua própria sobrevivência, e 2. estruturar a distribuição de seus resultados para que possa ocorrer mais produção. Essas duas tarefas de continuidade econômica parecem bastante simples, num primeiro momento, mas trata-se de uma simplicidade enganosa. Grande parte da história econômica preocupou-se com a forma como várias sociedades buscaram o enfrentamento desses problemas elementares. O que nos surpreende na pesquisa dessas tentativas é o fato de a maioria das sociedades ter parcialmente fracassado. (Não foram fracassos completos; nesse caso, nossa sociedade não teria sobrevivido.) É melhor então que analisemos com critério as duas maiores tarefas econômicas na busca das dificuldades ocultas em cada uma. PRODUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO Mobilização de esforços Com que obstáculos uma sociedade se depara ao organizar um sistema que produza os bens e serviços necessários? Uma vez que a natureza, em seu estado mais puro, raramente oferece-nos exatamente aquilo de que necessitamos, o problema da produção geralmente significa aplicar habilidades de fabricação ou técnicas aos recursos disponíveis, evitar desperdício e utilizar os esforços da sociedade da maneira mais eficiente possível. Esta é, sem dúvida, uma tarefa importante para qualquer sociedade, e muito do pensamento econômico formal, tal como sugere a própria palavra, dedica-se ao ato de economizar, embora não seja esse o elemento central do problema da produção. Muito antes de uma sociedade preocupar-se com o uso “econômico” de suas energias, ela deve, em primeiro lugar, arrolar e organizar as energias para executar o próprio processo produtivo. Isto é, o problema básico da produção é a criação de instituições sociais que mobilizem a energia das pessoas com fins produtivos. Esta exigência básica nem sempre é atendida com facilidade. Por exemplo, no ano de 1933, nos Estados Unidos, as energias de quase um quarto de nossa força de trabalho _Heilbroner_Book.indb 24 Heilbroner_Book.indb 24 31.01.08 16:26:06 1.01.08 16:26:06 CAPÍTULO 1  O PROBLEMA ECONÔMICO 25 foram, de certa maneira, impedidas de envolvimento no processo de produção. Ainda que milhões de homens e mulheres desempregados desejassem muito trabalhar, ainda que fábricas vazias estivessem disponíveis para seu trabalho, apesar da existência de desejos imperiosos, um colapso terrível e misterioso chamado depressão resultou no desaparecimento de um terço da produção anual anterior de bens e serviços. Não somos a única nação que, uma vez ou outra, fracassou em encontrar trabalho para grandes quantidades de trabalhadores entusiasmados. Nos países mais pobres, onde a produção é necessária de maneira desesperada, ficamos sabendo, com freqüência, que o desemprego em massa é uma condição crônica. As ruas de muitas cidades na Ásia estão congestionadas por pessoas que não encontram trabalho; isso, no entanto, não é uma condição imposta pela escassez da natureza. Afinal, há uma interminável quantidade de trabalho a ser feito se nos concentrarmos apenas nas ruas imundas que precisam ser limpas, nas casas dos pobres que necessitam de reparos, na construção de estradas ou na escavação de poços. O que falta é um mecanismo social de mobilização da energia humana para produzir. Vemos muito isso, tanto quando os desempregados compõem apenas uma pequena parcela da força de trabalho, como quando eles formam um verdadeiro exército. Esses são exemplos que mostram que o problema da produção não significa apenas um embate físico e técnico com a natureza. Desses aspectos do problema dependerá a facilidade com que um país é capaz de moldar o futuro e o nível de bem-estar que pode alcançar com determinado esforço. Mas a mobilização do esforço produtivo, por si só, é um desafio à organização social do país, e do sucesso ou fracasso dessa organização social dependerá o volume dos esforços individuais capaz de ser direcionado para a natureza. Alocação de esforços Viabilizar trabalho para homens e mulheres é apenas a primeira etapa do problema produtivo. Eles não devem apenas ser postos a trabalhar, mas devem trabalhar para produzir bens e serviços necessários à sociedade. Assim, além da garantia de uma quantidade suficientemente grande de esforço social, as instituições econômicas da sociedade precisam também garantir uma alocação viável desse esforço social. Em países como a Índia e a Bolívia, em que a grande maioria da população nasce em vilarejos, a solução desse problema é de fácil compreensão. As necessidades básicas da sociedade – alimento e fibras para tecidos – são, precisamente, os bens que os camponeses nessa sociedade “naturalmente” produzem. Numa sociedade industrial, entretanto, a adequada alocação de esforços passa a ser tarefa bastante complexa. As pessoas nos Estados Unidos necessitam de muito mais que pão e algodão. Precisam de artigos como automóveis, ainda que ninguém, “de forma natural”, produza um automóvel. Pelo contrário, para que um seja produzido, um extraordinário espectro de tarefas especializadas precisa ser realizado. Algumas pessoas devem fabricar o aço; outras, a borracha. Há os que devem coordenar o próprio processo de montagem. O que temos aqui é uma pequena amostra das tarefas nada naturais que precisam ser realizadas diante da necessidade de se produzir um carro. Tal como na mobilização de seu esforço produtivo total, a sociedade nem sempre é bem-sucedida na alocação adequada de esforços. Pode ocorrer, por exemplo, a produção de carros em demasia ou em menor quantidade que a necessária. Ainda mais importante, ela pode dedicar suas energias à produção de artigos de luxo, enquanto um imenso número de pessoas sofre de inanição. A sociedade pode inclusive causar catás- _Heilbroner_Book.indb 25 Heilbroner_Book.indb 25 31.01.08 16:26:06 1.01.08 16:26:06 26 A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE ECONÔMICA trofes pela incapacidade de canalizar seu esforço produtivo para áreas de importância essencial. Fracassos na alocação podem influenciar o problema da produção de forma tão séria quanto o fracasso na mobilização de uma grande quantidade de esforços, porque uma sociedade viável precisa produzir não somente bens, mas os bens certos, e o problema da alocação constitui um alerta para uma conclusão ainda mais ampla. Ele nos mostra que o ato de produzir, por si só, não atende completamente às exigências da sobrevivência. Tendo produzido o suficiente dos bens corretos, a sociedade deve agora distribuir esses bens para que o processo produtivo possa continuar. Distribuição do produto Mais uma vez, no caso da família de camponeses que produz o próprio alimento, essa exigência de distribuição adequada pode parecer suficientemente simples; quando, entretanto, passamos além da sociedade mais tradicional e de pequena escala, o problema nem sempre tem solução rápida. Em muitas nações mais empobrecidas, trabalhadores urbanos com freqüência são incapazes de trabalhar de forma efetiva devido à minguada compensação. Ainda pior, eles costumam enfraquecer no trabalho, enquanto os celeiros se enchem de grãos e os ricos queixam-se da lerdeza incurável das massas. Do outro lado do quadro, o mecanismo de distribuição pode falhar porque as compensações que oferece não funcionam para persuadir as pessoas a realizarem suas tarefas. Logo após a Revolução Russa de 1917, algumas fábricas foram organizadas em comunas, onde administradores e serventes recebiam salários iguais. O resultado foi uma avalanche de ausências no trabalho entre os funcionários que antes eram mais bem pagos, além da ameaça de colapso na produção industrial. Só após o retorno das diferenças de salário é que o processo produtivo foi retomado assim como era antes. Tal como as falhas no processo produtivo, falhas na distribuição não necessariamente desencadeiam um colapso econômico completo. As sociedades conseguem existir – e a maioria realmente existe – com esforços produtivos e distributivos ruins. Só raramente, como no caso acima, a má distribuição interfere na capacidade da sociedade de alocar recursos humanos para seu processo produtivo. O mais freqüente é uma solução inadequada ao problema da distribuição revelar-se num estado de agitação política e social, ou mesmo numa revolução. Temos, ainda assim, um aspecto do problema econômico total. Se a sociedade deve garantir uma reposição material equilibrada, precisa administrar com parcimônia sua produção de modo a manter não somente a capacidade, mas ainda o desejo de continuar trabalhando. Mais uma vez, deparamo-nos com o foco do questionamento econômico voltado ao estudo das instituições humanas. Uma sociedade economicamente viável precisa, como vimos, não apenas vencer as limitações naturais, mas ainda conter e controlar a intransigência da natureza humana. TRÊS SOLUÇÕES PARA O PROBLEMA ECONÔMICO A sociedade, para o economista, apresenta-se na forma de algo que, para nós, não é habitual. Sob os problemas da pobreza, poluição ou inflação, o economista vê um processo em curso que precisa ser compreendido antes de voltarmos nossa atenção às questões do dia, ainda que urgentes. Esse processo é o mecanismo básico da sociedade para a realização das tarefas complicadas de produção e distribuição, necessárias à sua própria continuidade. _Heilbroner_Book.indb 26 Heilbroner_Book.indb 26 31.01.08 16:26:06 1.01.08 16:26:06 CAPÍTULO 1  O PROBLEMA ECONÔMICO 27 O economista também enxerga algo mais, que, a princípio, parece bastante surpreendente. Um exame superficial das sociedades contemporâneas e um retorno para uma análise de toda a história leva-o a ver que a humanidade teve sucesso na solução dos problemas de produção e distribuição em apenas três modalidades. Isso significa que, na enorme diversidade de instituições sociais atuais que orientam e modelam o processo econômico, o economista intui apenas três tipos mais abrangentes de sistemas que, em separado ou combinados, possibilitam à humanidade a solução do desafio econô- mico. Esses grandes tipos de sistemas podem ser chamados de economia regulada pela tradição, economia regulada pelo comando e economia regulada pelo mercado. Resumidamente, caracterizaremos cada um deles. Tradição Provavelmente a forma mais antiga e, até poucos anos, sem sombra de dúvida, a mais predominante de solução ao desafio econômico, é a tradição. Trata-se de uma modalidade de organização social em que produção e distribuição se baseiam em procedimentos criados no passado distante, ratificados por um longo processo de tentativas e erros históricos, e mantidos pelas forças poderosas dos costumes e da crença. Provavelmente, em suas raízes, o que encontramos é a necessidade universal dos jovens de seguirem as pegadas dos mais velhos – uma fonte profunda de continuidade social. As sociedades baseadas na tradição resolvem os problemas econômicos de maneira bastante administrável. Primeiro, costumam lidar com o problema da produção – o de garantir que sejam realizadas as tarefas mais necessárias – designando o trabalho de pais para filhos. Assim, uma cadeia de hereditariedade assegura que as habilidades sejam passadas adiante e os cargos preenchidos a cada geração. No antigo Egito, conforme Adam Smith, o primeiro grande economista, “todos os homens tinham a obrigação, derivada de um princípio religioso, de seguirem o trabalho dos pais, cometendo o pior sacrilégio se o trocassem por outro”.4 Mas não foi somente a Antigüidade que mostrou a tradição como elemento conservador do ordenamento produtivo na sociedade. A própria cultura ocidental, até o século 15 ou 16, teve a alocação hereditária de tarefas como a principal força estabilizante na sociedade. Ainda que tenham ocorrido mudanças do campo para as regiões urbanas e trocas de trabalho, o nascimento costumava determinar os papéis na vida. Nascia-se para o cultivo ou para os negócios; em cada um, eram seguidos os passos antes dados pelos familiares. A tradição, como se vê, tem sido a força estabilizante e motriz por trás de um grande ciclo repetitivo social, garantindo que o trabalho da sociedade seja realizado diariamente, quase que da mesma forma que no passado. Mesmo em nossos dias, entre os países menos industrializados, a tradição ainda desempenha esse enorme papel organizador. Na Índia, por exemplo, até recentemente os indivíduos nasciam numa casta para exercerem determinada ocupação. “Melhor ter o próprio trabalho, ainda que realizado com falhas”, pregava o Bhagavad Gita, o grande poema filosófico indiano, “que fazer o trabalho de outros, mesmo que com excelência”. A tradição não somente oferece uma solução ao problema produtivo na sociedade, mas ainda regula o da distribuição. Tomemos, por exemplo, os bosquímanos (bushmen) do deserto de Kalahari, na África do Sul, dependentes de sua habilidade como caçadores. Em seu relato clássico, da década de 50, Elizabeth Marshall Thomas, observadora sensível desses povos, relatou como a tradição solucionava o problema da distribuição da caça por meio das “regras” de parentesco: 4 Adam Smith, The Wealth of Nations (New York: Modern Library, 1937), 62. _Heilbroner_Book.indb 27 Heilbroner_Book.indb 27 31.01.08 16:26:06 1.01.08 16:26:06 28 A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE ECONÔMICA O antílope desapareceu...Gai tomou para si duas pernas posteriores e uma anterior. Tsetchwe conseguiu a carne das costas. Ukwane ficou com a outra perna dianteira, sua esposa, com um dos pés e o estômago; os meninos conseguiram alguns pedaços do intestino. Twikwe recebera a cabeça e Dasina, as mamas. Parece bastante desigual quando observamos os bosquímanos dividindo a caça, porém é o seu sistema, e acaba que ninguém come mais que o outro. Naquele dia Ukwane deu a Gai mais um pedaço por motivos de parentesco; Gai deu carne para Dasina por se tratar da mãe de sua esposa. Ninguém, naturalmente, contestou a porção maior de Gai, pois ele fora o caçador, e suas leis diziam que tudo aquilo lhe pertencia. Ninguém duvidou de que ele compartilharia sua parte maior com os demais, o que foi confirmado, naturalmente; ele assim o fez.5 A forma como a tradição é capaz de repartir um produto social pode ser, de acordo com o exemplo, bastante sutil e inteligente. Pode também ser menos sofisticada e, pelos nossos padrões, cruel. A tradição sempre deu às mulheres, nas sociedades não-industrializadas, a parte pior do produto social. Ainda assim, independente do quanto as conseqüências da tradição concordem com nossas visões morais, ou delas se afastam, temos que ver que se trata de um método eficiente de divisão daquilo que a sociedade produz. O custo da tradição As soluções tradicionais para os problemas econômicos da produção e distribuição são mais encontradas nas sociedades primitivas agrárias ou não-industrializadas, onde, além de atender a uma função econômica, a aceitação inquestionável do passado proporciona a perseverança e a resistência necessárias para amenizar destinos cruéis. Em nossa sociedade, ainda percebemos a tradição desempenhando um papel na solução do problema econômico. Tem menor papel na determinação da distribuição de nossos resultados sociais, embora a persistência de pagamentos tradicionais, como gorjetas aos garçons, mesadas aos filhos menores, ou bônus baseados no tempo de serviço, sejam resquício de formas mais antigas de distribuição de bens, tal como as diferenças no pagamento de homens e mulheres pelo mesmo serviço prestado. Mais importante é a confiança continuada na tradição, mesmo nos Estados Unidos, como forma de resolver o problema da produção – isto é, a alocação de tarefas. Muito do processo atual de seleção de empregados na nossa sociedade tem forte influência da tradição. Conhecemos famílias em que os herdeiros mantêm a profissão ou o negócio dos pais. Em escala um pouco maior, a tradição também colabora para que não queiramos determinados empregos. Filhos de famílias norte-americanas de classe média, por exemplo, não costumam procurar trabalho em fábricas, ainda que esse tipo de emprego possa pagar melhor que o encontrado em escritórios; isso se dá porque ser operário de fábrica não pertence à tradição da classe média. Mesmo em nossa sociedade, que sem dúvida não é “tradicional”, os costumes constituem um mecanismo importante de solução do problema econômico. Temos, entretanto, que observar uma conseqüência importante do mecanismo da tradição. É estática a solução que a tradição oferece aos problemas da produção e da distribuição. Uma sociedade que segue o caminho da tradição na regulação dos assuntos econômicos age assim à custa de mudanças econômicas e sociais rápidas e em grande escala. A economia de uma tribo de beduínos, então, ou de um vilarejo na Birmânia, é sob muitos aspectos igual ao que era há cem ou mil anos. A maior parte das pessoas que vivem em sociedades arraigadas às tradições repete, nos padrões diários de vida econômica, 5 Elizabeth Marshall Thomas, The Harmless People (New York: Knopf, 1959), 49-50. _Heilbroner_Book.indb 28 Heilbroner_Book.indb 28 31.01.08 16:26:06 1.01.08 16:26:06 CAPÍTULO 1  O PROBLEMA ECONÔMICO 29 muito da rotina que caracterizou essas sociedades no passado distante. São sociedades que podem ter um auge e sofrer um declínio, fortalecerem-se e enfraquecerem; porém, acontecimentos externos – guerras, clima, aventuras e desventuras políticas – são os principais responsáveis pela mudança de sua sorte. Mudança econômica interna, gerada na própria sociedade, constitui fator menor na história da maioria dos Estados presos às tradições. A tradição soluciona o problema econômico à custa do progresso econômico. Comando Uma segunda forma de solucionar o problema da continuidade econômica também pode ser reportada à ancestralidade. É o método da autoridade imposta, do comando econômico. Essa solução fundamenta-se menos na perpetuação de um sistema viável, através da reprodução imutável de suas formas, e mais na organização de um sistema em conformidade com as ordens de um comandante-em-chefe da economia. Não raro, encontramos esse método autoritário de controle econômico sobreposto a uma base social tradicional. Os faraós do Egito, por exemplo, exerciam sua ditadura econômica sobre o ciclo interminável de práticas agrícolas tradicionais em que se baseava a economia egípcia. Através de ordens, os governantes supremos do Egito faziam acontecer o imenso esforço econômico que construiu as pirâmides, os templos, as estradas. Heródoto, o historiador grego, contou-nos como o faraó Quéops organizou a tarefa. Ordenou a todos os egípcios que trabalhassem para ele. Alguns, assim, foram escolhidos para arrastarem as pedras desde as pedreiras das montanhas árabes até o Nilo; a outros ordenou a recepção das pedras transportadas em embarcações pelo rio. E trabalharam até centenas de milhares de homens de uma só vez, cada turma por três meses. O período em que as pessoas foram assim atormentadas com trabalho extenuante durou dez anos na estrada que construíram e através da qual arrastaram as pedras; em minha opinião, um trabalho não muito inferior ao da Pirâmide.6 O modo de organização econômica autoritária não se limitou, de forma alguma, ao antigo Egito. Pode ser encontrada nos despotismos da China medieval e clássica, que produziram, entre outras coisas, a colossal Grande Muralha, ou na mão-de-obra escrava com que muitos trabalhos governamentais importantes da Grécia antiga foram feitos; isso se deu em qualquer economia escravocrata, inclusive naquela imediatamente anterior à Guerra Civil norte-americana. Apenas há poucos anos descobrimos essa modalidade nas ditaduras das autoridades econômicas soviéticas. De forma menos drástica, é ainda encontrada em nossa própria sociedade, por exemplo, sob a forma de impostos – isto é, na apropriação de parte de nossos salários pelas autoridades governamentais com fins públicos. O comando econômico, tal como a tradição, oferece soluções aos problemas inseparáveis da produção e da distribuição. Em períodos de crise, como guerras ou escassez, pode ser a única maneira pela qual uma sociedade é capaz de organizar seus trabalhadores ou distribuir seus bens de forma efetiva. Mesmo nos Estados Unidos, é comum ser declarada lei marcial quando uma área é devastada por algum grande desastre natural. Em ocasiões assim, podemos obrigar as pessoas a trabalhar, requisitar suas casas, impor limites em relação ao uso de propriedade privada, como automóveis, ou até mesmo limitar a quantidade de bens de consumo das famílias. Bastante próxima de sua utilidade óbvia no gerenciamento de emergências, o comando tem mais uma utilidade na solução de problemas econômicos. Diferente da tra- 6 Cary, trans. History (Freeport, NY: Books for Libraries Press, 1972),II, 124. _Heilbroner_Book.indb 29 Heilbroner_Book.indb 29 31.01.08 16:26:06 1.01.08 16:26:06 30 A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE ECONÔMICA dição, o exercício de comando não possui qualquer efeito inerente de desacelerar a mudança econômica. Na verdade, o exercício de autoridade é o instrumento mais poderoso de uma sociedade para impor mudanças econômicas. A autoridade na China e Rússia comunistas, por exemplo, ocasionou mudanças radicais em seus sistemas de produção e distribuição. Uma vez mais, mesmo na nossa sociedade, é necessário, às vezes, que a autoridade econômica intervenha no fluxo normal da vida econômica para acelerar ou fazer ocorrer mudanças. O governo pode, por exemplo, usar as receitas advindas dos impostos para construir uma rede de estradas que coloque uma comunidade isolada no fluxo da vida econômica ativa. Pode criar um sistema de irrigação que mude, de forma significativa, a vida econômica de uma vasta região. Pode, deliberadamente, alterar a distribuição de ganhos entre as classes sociais. O impacto do comando Sem dúvida, o comando econômico exercido numa estrutura de processo político democrático é bastante diferente daquele encontrado numa ditadura. Existe uma enorme distância social entre um sistema de impostos controlado pelo Congresso e a expropria- ção direta ou a obrigação do trabalho expressa por um soberano supremo e absoluto. No entanto, ainda que os meios possam ser mais suaves, o mecanismo é o mesmo. Nos dois casos, o comando direciona esforços econômicos na direção de metas escolhidas por uma autoridade superior. Nos dois casos, o comando interfere no ordenamento existente de produção e distribuição para criar um novo ordenamento vindo “de cima”. Por si só, o exercício do comando não se presta a elogios ou a condenação. A nova ordem imposta pelas autoridades pode ofender ou agradar nosso senso de justiça social, da mesma forma que pode melhorar ou reduzir a eficiência econômica da sociedade. Não há dúvidas de que o comando pode ser um instrumento de uma vontade democrática ou totalitária. Não há julgamento moral implícito a ser atribuído a esse segundo grande mecanismo de controle econômico. Em vez disso, é importante observar que nenhuma sociedade – com certeza nenhuma sociedade moderna – carece de elementos de comando, da mesma forma que nenhuma deixou de ser influenciada pela tradição. Se a tradição constitui um grande freio de mudanças sociais e econômicas, o comando econômico pode ser um grande propulsor de mudanças. Como mecanismos que garantem a solu- ção bem-sucedida do problema econômico, ambos atendem a suas finalidades, têm seus usos e desvantagens. Entre eles, tradição e comando respondem pela maior parte da longa história das tentativas econômicas da humanidade de enfrentar o ambiente e a si mesma. O fato de a sociedade humana ter sobrevivido testemunha sua eficácia. O mercado Há, no entanto, uma terceira solução ao problema econômico, uma terceira via de manutenção de padrões socialmente viáveis de produção e distribuição. Trata-se da organização de mercado da sociedade – uma organização que, de forma realmente notável, permite à sociedade garantir seu próprio provisionamento, com um mínimo de auxílio da tradição ou do comando. Como vivemos numa sociedade regida pelo mercado, tendemos a ter como certa a natureza confusa – de fato, quase paradoxal – da solução de mercado para o problema econômico. Vamos supor, entretanto, por um momento, que somos capazes de agir como conselheiros econômicos para uma sociedade que ainda não tenha decidido a forma de organização econômica. Suponhamos, por exemplo, que fomos convocados a atuar como consultores para um país que surge de uma história de organização atrelada à tradição. _Heilbroner_Book.indb 30 Heilbroner_Book.indb 30 31.01.08 16:26:06 1.01.08 16:26:06 CAPÍTULO 1  O PROBLEMA ECONÔMICO 31 Podemos imaginar os líderes desse país dizendo: “Conhecemos desde sempre uma forma de vida altamente associada à tradição. Nossos homens caçam e nossas mulheres colhem frutas, tal como ensinados pelo exemplo e pela orientação dos mais velhos. Conhecemos alguma coisa capaz de ser feita por comando econômico. Estamos preparados, se necessário, para a assinatura de um decreto que obrigue muitos de nossos homens a trabalharem em projetos comunitários para o desenvolvimento coletivo. Digam, existe outra maneira de organização de nossa sociedade para que ela funcione com sucesso – ou, ainda melhor, com mais sucesso?”. Suponha que a resposta seja: “Bem, há outra maneira. Uma sociedade pode ser organizada conforme as diretrizes de uma economia de mercado”. “Sei”, dizem os líderes. “O que então diremos para as pessoas fazerem? De que forma cada um receberá suas diferentes tarefas?”. “É exatamente esse o ponto”, respondemos. “Numa economia de mercado, ninguém tem uma tarefa específica. Na verdade, a idéia principal de uma sociedade de mercado é a de que cada pessoa pode decidir por si mesma o que fazer”. Espanto entre os líderes. “Quer dizer, ausência de delegação de alguns homens para o plantio e de outros para o trabalho de mineração? De forma alguma dar a certas mulheres a colheita e a outras a tecelagem? As pessoas é que decidem por si mesmas? O que acontece, no entanto, se não decidirem corretamente? O que ocorrerá se ninguém se oferecer para trabalhar nas minas ou dirigir um ônibus?” “Tranqüilizem-se”, dizemos a eles, “nada disso acontecerá. Numa sociedade de mercado todas as posições de trabalho serão preenchidas porque é vantajoso para as pessoas.” Os líderes aceitam isso com expressões de incerteza. “Veja bem”, um deles diz, finalmente, “suponhamos que aceitemos seus conselhos e demos permissão às pessoas para fazerem o que quiserem. Tomemos algo específico, como a produção de roupas. Como, exatamente, estabeleceremos o nível certo de produção de roupas nessa sua ‘sociedade de mercado’?” “Não se faz isso” respondemos. “Não! Como então saber que haverá produção suficiente de roupas?” “Isso ocorrerá. O mercado dará um jeito nisso.” “Como, então, saber que não haverá produção demasiada de roupas?”, ele pergunta exultante. “Ah, o mercado também providenciará isso!” “Mas que mercado é esse que fará essas coisas maravilhosas? Quem o controla?” “Ninguém”, respondemos. “Ele se auto-regula. Na verdade, não há essa coisa chamada ‘mercado’. É apenas uma palavra que usamos para descrever a forma como se comportam as pessoas.” “Achei que as pessoas se comportassem como queriam!” “E é assim”, respondemos. “Jamais tenham medo, entretanto. Elas desejarão se comportar conforme a vontade de vocês.” “Receio”, diz o chefe da delegação, “que estejamos perdendo tempo. Achamos que vocês pretendiam oferecer uma proposta séria. O que sugerem é inconcebível. Tenham um bom dia!” Poderíamos, na verdade, sugerir a uma nação emergente como essa que confiasse numa solução de mercado para o problema econômico? Essa é uma pergunta a que retornaremos. A perplexidade, porém, que a idéia de mercado despertaria na mente de alguém não acostumado com ela pode funcionar para aumentar nossa própria admiração em relação ao mais sofisticado e interessante de todos os mecanismos econômicos. De que forma o sistema de mercado garante-nos que nossas minas encontrarão mineiros e _Heilbroner_Book.indb 31 Heilbroner_Book.indb 31 31.01.08 16:26:07 1.01.08 16:26:07 32 A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE ECONÔMICA nossas fábricas, operários? Como ele dá conta da produção de roupas? Como, num país regido pelo mercado, cada pessoa consegue, de fato, fazer o que quer e ainda satisfazer às necessidades apresentadas pela sociedade como um todo? Economia e o sistema de mercado A economia, como costumamos entendê-la e como a estudaremos na maior parte deste livro, preocupa-se, basicamente, com esses problemas. As sociedades que confiam, principalmente, na tradição para resolver seus problemas econômicos são menos interessantes ao economista profissional que ao antropólogo cultural ou ao sociólogo. As sociedades que solucionam seus problemas econômicos basicamente pelo exercício do comando apresentam questões econômicas interessantes; aqui, no entanto, o estudo da economia está mais a serviço do estudo da política e do exercício do poder. É uma sociedade organizada pelo processo de mercado a que tem interesse especial para o economista. Muitos (embora nem todos) dos problemas encontrados hoje nos Estados Unidos têm a ver com o produtivo e o improdutivo do sistema de mercado, e exatamente porque nossos atuais problemas costumam surgir das operações mercadológicas é que estudamos a própria economia. Diferente do caso da tradição e do comando, em que captamos logo a natureza dos mecanismos de produção e distribuição da sociedade, numa sociedade de mercado estamos perdidos se não temos conhecimentos de economia. Isso porque, numa sociedade de mercado, não é claro se mesmo os mais simples problemas de produção e distribuição serão solucionados pela livre interação de indivíduos; também não fica claro como e em que extensão o mecanismo de mercado deve ser responsabilizado pelas mazelas de uma sociedade – afinal, podemos encontrar pobreza, alocação errada e poluição também nas economias que não são de mercado! Nas demais partes desse livro, analisaremos essas perguntas perturbadoras com mais detalhe, mas a tarefa de nossa primeira investigação precisa estar esclarecida a esta altura. Tal como na entrevista imaginária com os líderes de um país emergente sugere, a solução de mercado parece muito estranha a alguém que cresceu junto à tradição e ao comando. Daí as perguntas: como surgiu a solução de mercado em si? Teria sido imposta, já pronta, à nossa sociedade algum tempo atrás? Ou surgiu de forma espontânea e sem ter sido deliberada? Esse será o foco da história econômica a que nos dedicaremos agora, à medida que recriarmos a evolução de nosso próprio sistema de mercado, diferente das antigas sociedades dominadas pela tradição e pela autoridade. Conceitos e termos importantes Desejo de provisionamento 1. Economia é o estudo de como a humanidade garante sua suficiência material, isto é, a forma como as sociedades organizam seu provisionamento material. Escassez 2. Os problemas econômicos surgem porque os desejos da maioria das sociedades ultrapassam as dotações naturais, originando a condição geral a que chamamos escassez. 3. A escassez, por sua vez (tenha ela origem nos limites da natureza ou nos apetites pessoais), impõe duas tarefas severas à sociedade: Produção • A sociedade precisa mobilizar suas energias para a produção – produzindo não somente os bens suficientes, mas os bens certos; e Distribuição • A sociedade precisa resolver o problema da distribuição, organizando uma solução satisfatória para o problema de Quem Consegue o Quê? _Heilbroner_Book.indb 32 Heilbroner_Book.indb 32 31.01.08 16:26:07 1.01.08 16:26:07 CAPÍTULO 1  O PROBLEMA ECONÔMICO 33 Divisão do trabalho 4. Esses problemas existem em todas as sociedades, mas são de resolução especialmente difícil nas mais avançadas, em que há uma divisão do trabalho de longo alcance. Nas sociedades ricas, as pessoas têm uma interdependência social muito maior que aquela das sociedades simples. 5. No curso da história, surgiram três tipos de soluções para os dois maiores problemas econômicos. São a tradição, o comando e o sistema de mercado. Tradição 6. A tradição resolve os problemas da produção e da distribuição obrigando à continuidade do status e das recompensas, por meio de instituições sociais como o sistema de parentesco. Normalmente, a solução econômica imposta pela tradição é estática, em que ocorre pouca mudança durante longos períodos de tempo. Comando 7. O comando soluciona o problema econômico através da imposi- ção de alocação de esforços ou recompensas por meio de uma autoridade governamental. O comando pode ser uma forma de alcançar mudanças econômicas rápidas e de longo alcance. Pode assumir a forma extrema de um totalitarismo ou a forma moderada de uma democracia. Mercado 8. O sistema de mercado é uma forma complexa de organização da sociedade em que ordem e eficiência surgem “de maneira espontânea”, a partir de uma sociedade aparentemente sem controle. Investigaremos detalhadamente o sistema de mercado nos próximos capítulos. Perguntas 1. Se todo o alimento de que necessitamos pudesse ser produzido em nosso quintal, e a tecnologia estivesse tão avançada que pudéssemos fazer tudo que quiséssemos no porão de nossas casas, existiria um “problema econômico”? 2. Suponha que todos fossem completamente versáteis – capazes de realizar o trabalho de todos e o seu próprio. Seria ainda socialmente útil uma divisão do trabalho? Por quê? 3. A sociedade econômica moderna é às vezes descrita como dependente de “burocratas” que permitem que suas vidas sejam dirigidas pelas grandes corporações ou agências governamentais para as quais trabalham. Acreditando que essa descrição tenha um pouco de verdade, em sua opinião a sociedade moderna deveria ser descrita como ligada à tradi- ção, ao comando ou ao mercado? 4. Como os seus próprios planos para o futuro coincidem com a profissão de seus pais ou diferem delas? Em sua opinião, a assim chamada distância entre gerações é observável em todas as sociedades modernas? 5. A economia costuma ser chamada de ciência da escassez. Como esse rótulo pode ser aplicado a uma sociedade de riqueza considerável como a nossa? 6. Que elementos da tradição e do comando são, em sua opinião, indispensáveis numa sociedade industrial moderna? Você acredita que a sociedade moderna existiria sem alguma dependência da tradição ou algum exercício de comando? 7. Grande parte da produção e da distribuição envolve a criação ou o manuseio de coisas. Por que a produção e a distribuição são mais problemas sociais que problemas de fabricação ou físicos? 8. Você vê os desejos da humanidade como insaciáveis? Isso implicaria que escassez deve sempre existir? 9. Analisemos alguns problemas principais que nos preocupam atualmente nos Estados Unidos: negligência, pobreza, inflação, poluição, discriminação racial. Até que ponto, em sua opinião, esses problemas são encontrados em sociedades regidas por tradição e por comando? Quais são suas idéias a respeito da responsabilidade que o sistema de mercado tem em relação a esses problemas em nosso país? _Heilbroner_Book.indb 33 Heilbroner_Book.indb 33 31.01.08 16:26:07 1.01.08 16:26:07 34 A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE ECONÔMICA A ECONOMIA VISTA DE CIMA A maioria dos livros termina um capítulo com uma parte dedicada a revisões das idéias centrais e palavras importantes nele apresentadas. Numa edição anterior deste livro, lançamos como primeiro conceito importante de economia o seguinte: a economia é o estudo de como a humanidade garante sua suficiência material, isto é, a forma como as sociedades organizam seu provisionamento material. Encontramos apenas um problema nesse enunciado totalmente verdadeiro: é pouco provável que ele o leve a pensar sobre o que acaba de aprender, portanto, oferecemos outra forma de você analisar o enunciado. Suponhamos que, como membros de uma enorme espaçonave, tenhamos visitado um novo planeta e descoberto que sua cobertura abundante, semelhante a um gramado, é deliciosa e nutritiva. Na verdade, os suprimentos alimentares diários são colhidos com facilidade por apenas metade da tripulação. Não surpreende o nome dado a esse planeta: Plenitude. Infelizmente, nosso capitão não é alvo de grande simpatia, por ter reservado uma parte suculenta da terra somente para os oficiais. Além disso, há uma discussão acalorada entre os tripulantes de ambos os sexos sobre quando voltar para casa. Um dia na tela de comunicação lemos que todos os membros da tripulação precisam responder e assinar o seguinte questionário: Há algum problema econômico em Plenitude? Há problemas políticos? Problemas sociais? Sua resposta imediata é importante. Eis o que você deve analisar: o ato do capitão é econômico ou político? A discussão acalorada sobre a data de volta para casa é uma briga social ou política? Imagine que as mulheres se recusaram a colher alimento a menos que a espaçonave voltasse antes da data desejada pelos homens. Isso seria uma briga política ou social? Poderia haver conseqüências econômicas? Eis o que deve ser analisado: o que torna um problema político, econômico ou social? Não existe uma resposta certa para essa pergunta aparentemente simples. No entanto, é por aqui que realmente se começa a pensar a economia.

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