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Por:   •  8/10/2014  •  9.536 Palavras (39 Páginas)  •  223 Visualizações

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RESUMO

DUARTE, Jessemine Carvalho. Dogmática e paradigmas jurídicos face à globalização.

A globalização, fenômeno inicialmente econômico que integra nações e povos em nome de uma economia mundial proporciona avanços tecnológicos, carece e impõe rapidez nas comunicações, necessita de regulamentações como forma de balizar e determinar os rumos das relações multinacionais. Tal regulamentação altera o panorama político e social dos Estados, à medida em que interfere direta ou indiretamente nas políticas internas e externas das nações. Neste sentido, adotam-se a ideologia neoliberal de atuação do Estado, mudando o vértice do Estado de bem-estar social para um outro que reduz seus gastos na área social, retira-se ao máximo da intervenção econômica e prima pelo pagamento das dívidas externa e interna, valorizando o aspecto econômico das relações internacionais. Estas, por sua vez, diante do aparecimento das empresas transnacionais, torna o cenário mundial complexo, à medida em que uma Nação pode interferir em outra usando-se de sua transnacional. Baseado neste contexto, a autora faz uma análise da Ciência do Direito, seu método de estudo, objeto e função enquanto dogmática jurídica que estabelece paradigmas, desde o pensamento Jusnaturalista até os tempos do Normativismo. Em seguida é analisada (superficialmente) a relação do Direito com os Estados nacionais, desde o século XIX até nossos tempos, como forma de mostrar a mudança do eixo estabelecido entre estes. Posteriormente, são feitas reflexões sobre o modo como a globalização, o neoliberalismo e as empresas transnacionais interferem no ordenamento jurídico brasileiro, visando demostrar como tal ideologia planetarizada influencia nos dogmas e paradigmas estabelecidos. Diante de tal mudança são apresentadas considerações sobre o que deve ser o ensino jurídico e qual deve ser o perfil do operador jurídico contemporâneo. A presente monografia visa transmitir o paradoxo vivido por um acadêmico do Direito em seu início de curso face `a globalização: de um lado os códigos e teorias perfeitamente completos e capazes de solucionar quase tudo, garantidores de Direitos e Garantias Individuais e coletivas e de outro lado a realidade dos tribunais supranacionais e os desrespeitos aos Direitos Humanos impostos por uma nova política mundial.

CAPÍTULO I

INTRODUÇÃO

A idéia de elaboração do presente trabalho surgiu da necessidade de se analisar alguns paradoxos que se colocam ao acadêmico do Direito quando ingressa na faculdade.

De um lado aprende-se que a Ciência (?) do Direito é o resultado da evolução histórica das regulamentações impostas ao homem dentro de suas relações sociais. Desde o Direito Consuetudinário dos povos ágrafos, ao Canônico de Moisés, ou ao jusnaturalismo ou até ao positivismo jurídico de Kelsen, o homem sempre necessitou de “regras” que balizassem e “ordenassem” seu convívio e restabelecesse a ordem diante de conflitos.

Neste sentido, a “evolução” do Direito buscou lugar dentro das Ciências humanas, apesar de até hoje haver quem afirme não se tratar de uma Ciência (mas este é assunto para um outro trabalho).

Assim, a Ciência do Direito é constituída de enunciados (as constatações) verdadeiros. O conjunto desses enunciados formam um corpo sistemático de enunciados seguramente verdadeiros (as leis), dotados de constatações passadas, presentes e de previsibilidade futura.

Estas leis são auferidas através de uma metodologia de conhecimento específico e adequado à Ciência em questão, com vistas à consecução de enunciados certamente verdadeiros.

Como o método trabalha sobre fenômenos humanos, diversamente do que ocorre com as Ciências naturais, há a necessidade do cientista compreender os acontecimentos, dar-lhes um sentido, valorando-os.

Estas leis, verdadeiras e aceitas formam então a dogmática jurídica.

Esta é a Ciência do Direito que é apresentada ao aluno na cadeira de Introdução ao Estudo do Direito. Dotada de uma dogmática jurídica (resultado do conhecimento auferido por pesquisas científicas ou historicamente sedimentado), de paradigmas estabelecidos, dentro de um ordenamento jurídico hierarquicamente posto, que age interdisciplinarmente com a economia, sociologia, filosofia, etc.

Este Direito posto ordenadamente dentro do Estado, opera-se neste como seu monopólio, tanto de sua produção quanto de sua aplicação de forma coercitiva, visando um equilíbrio social e uma garantia da soberania nacional.

Miguel Reale em 1984 afirmou seu reconhecimento ao surgimento de organismos supranacionais face ao Estado, o que lhe roubaria este monopólio legal de produção e aplicação do Direito. Sua visão era de reconhecimento do surgimento de uma normatividade extra estatal, porém sua visão à época era de que estes organismos não sucumbiriam o Estado neste papel. Desde sua publicação, muito se modificou no mundo globalizado.

“Cresce, porém, dia a dia a importância de entidades supranacionais, que dispõem de recursos eficazes para lograr a obediência de seus preceitos. Instituições como o Mercado Comum Europeu, cada vez mais se convertem em unidades jurídico-econômicas integradas, marcando, sem dúvida uma segunda fase no processo objetivo de atualização das sanções. Seria, todavia exagero concluir, à luz desses exemplos, pela evanescência do Estado, ou seu progressivo desaparecimento, quando, na realidade, o poder estatal cresce, concomitantemente, como aqueles organismos internacionais.”

Em contrapartida, a televisão noticia que, por solicitação internacional, mesmo contrariando a norma constitucional Chilena, Pinochet será julgado na Espanha pelos crimes cometidos dentro de seu país quando lá presidia.

Pergunta-se: onde o poder constituinte de que o povo detém foi remetido, à medida em que a norma constitucional Chilena foi desrespeitada.

O fenômeno da globalização requer para si uma legitimidade supranacional, a ser exercida por seus organismos. Seriam eles superiores ao poder constituinte (uma das bases da Teoria constitucionalista) do povo de uma nação ? Parece que no caso específico do Pinochet assim o foi.

O surgimento dos tribunais supranacionais irão regular o que ? Como poderemos dispor de nossa soberania frente a eles e até que ponto ?

Conquistas humanas históricas (como a recepção da Declaração dos Direitos Humanos – que completou 50 anos – pelo texto constitucional brasileiro de 1988 ) tomadas como dogmas indiscutíveis dentro do ordenamento brasileiro estão sendo questionados, para não dizermos desrespeitados pelos Estados, face às circunstâncias econômicas impostas aos governos e empresas pelo mercado internacional. O neoliberalismo, a flexibilização e desregulamentação das relações de trabalho representam, neste sentido, um retrocesso ao século XIX, à exploração do homem pelo capital. Isso sem falarmos na grande massa de desempregados jogados nas ruas todos os dias em conseqüência de um avanço tecnológico desmedido (é a substituição do homem pela máquina) e a condições econômicas que trocam o capital produtivo pelo especulativo. Aliado a isso, a saída do Estado de setores vitais para a garantia de Direitos mínimos e da dignidade humanos acontece em função de uma busca da redução de dívidas internas e externa: é o neoliberalismo.

A rapidez com que os acontecimentos nacionais e internacionais produzem-se chamam a si a necessidade de um sistema jurídico pragmático, capaz de fornecer as respostas também em tempo ágil. Porém, aprendemos que, como romanistas, nosso sistema judiciário é lento, preso a procedimentos e formalidades, que demonstra claramente que a demanda de litigiosidades que buscam no Poder Judiciário uma resposta aos seus conflitos depara-se com um organismo congestionado, sem recursos (físicos e humanos) e condições de oferecer tais respostas no tempo que se necessita. Surgem então os “Estados” dentro do Estado, onde muitos buscam a justiça pelas próprias mãos (como acontece nos morros do Rio de Janeiro, dominado pelos traficantes os quais impõe uma legislação onde vivem).

A necessidade de tornar a Justiça brasileira pragmática requer a mudança do paradigma romanista. O fato que se coloca é que o positivismo kelseniano não oferece as respostas às questões presentes. Mas, que novas teorias jurídicas poderão adequar um pluralismo jurídico ao mundo globalizado ? Digo pluralismo jurídico, porque o Estado, diversamente do que se aprende, começa a perder o monopólio legislativo, à medida em que grupos plurinacionais estabelecem regulamentos a serem seguidos por quem com eles interagir, os quais, ao fim e ao cabo, são verdadeiras legislações de cunho internacional. Isso sem falar nos blocos econômicos aos moldes da ALCA, MERCOSUL e COMUNIDADE EUROPÉIA que buscam para si a legitimidade de legislarem e julgarem. Parece que os governos absolutistas do passado estão retornando com novos nomes e sob novas formas.

Diante desses paradoxos, busca-se no transcurso do presente trabalho falar inicialmente dobre a Ciência do Direito, sua dogmática e seus paradigmas, analisando sua evolução dentro de várias teorias .

O terceiro capítulo, faz uma retrospectiva (ainda que superficial) da relação entre o Direito e o Estado, desde o século XIX até nossos tempos, buscando mostrar como tal relação alterou-se face ao fenômeno da globalização.

O quarto capítulo discorre sobre a globalização, o neoliberalismo e as empresas transnacionais e a interferência destes nos dogmas jurídicos e paradigmas estabelecidos, para o quinto capítulo relatar sobre a necessidade de adaptação do ensino jurídico à realidade, à busca de novas teorias jurídicas, bem como a necessidade de se preparar o operador jurídico a um novo perfil a que o mercado exige.

Aqui fica traduzida a perplexidade da autora diante da distância teoria X realidade, a qual poderá ser a de outros acadêmicos também.

CAPÍTULO II

DIREITO COMO CIÊNCIA – UM PARADIGMA

Partir-se-á da concepção de que o Direito é uma Ciência, visto que no presente estudo a discussão sobre o assunto foge ao objetivo.

A Ciência do Direito é parte das Ciências Sociais e como tal deve mutar-se para adequar-se às mutações das relações sociais.

Obedecendo limites morais e éticos de que se ocuparam grandes filósofos da história, através do Estado exerce coerção sobre o homem visando delimitar e orientar suas relações com destino à harmonia social. “Todas as ações do Estado se fundam em normas jurídicas que as legitimam.”

O detentor do monopólio da produção e aplicação do Direito é o Estado, com quem interage e evolui. Assim, no transcurso da história observamos que o Direito mudou, à medida em que o Estado mudou (ou vice-versa) Este, por sua vez utiliza-se da norma posta como garantidora de sua soberania frente aos demais Estado internacionais.

Fruto do Poder Constituinte popular, o ordenamento jurídico de uma democracia estabelece-se hierarquicamente. Estas normas são resultado de estudo dos doutrinadores (do qual advém a dogmática jurídica), dos hábitos e costumes sedimentados, dos princípios gerais do Direito, etc.

“ O Direito é considerado uma Ciência dogmática, não por se basear em verdades indiscutíveis, mas sim porque a doutrina jurídica se desenvolve a partir das normas vigentes, isto é, do Direito positivo: etmologicamente dogma significa aquilo que é posto ou estabelecido por quem tenha autoridade para fazê-lo.”

Apesar de não ser imutável, esta dogmática representa as verdades aceitas por um povo, formando paradigmas jurídicos.

O Poder Judiciário é o legítimo aplicador da norma e no caso brasileiro, o faz seguindo raízes romanistas, ou seja, seguindo procedimentos e técnicas estabelecidos metodicamente.

Em resumo, este é o Direito que conhecemos na cadeira de Introdução ao Estudo do Direito. A seguir estudar-se-á mais detalhadamente a Ciência do Direito, sua metodologia, dogmática e função social, para posteriormente fazer-se uma breve historiografia das suas teorias.

2.1 – A CIÊNCIA DO DIREITO

Para Miguel Reale,

“a Ciência do Direito é uma forma de conhecimento positivo da realidade social segundo normas tornadas objetivas, no decurso do processo histórico.”

Para Pontes de Miranda,

“é a sistematização dos conhecimentos positivos das relações sociais, como função do desenvolvimento geral das investigações científicas em todos os ramos do saber. É pois, a cúpula da Ciência.”

Paulo Dourado Gusmão a define como sendo

“a parte da Ciência social que, com espírito objetivo, trata das normas jurídicas, não só no seu aspecto formal, como também de seu conteúdo e de suas raízes históricas e sociais”

Portanto, dependendo da corrente a que esteja ligado o autor, sua definição sobre o que vem a ser a Ciência do Direito poderá ser diferente. Entretanto, todos concordam que ela é um ramo das Ciências Sociais e como tal, as relações sociais (em constante mutação) afetam diretamente sua produção científica, à medida em que deve conformar-se com o meio no qual está inserido. Por ser Ciência, possui um método e um objeto de estudo visando a um fim determinado.

Tércio Sampaio Ferraz Jr. afirma que a

“Ciência do Direito não apenas se debate entre ser compreensivo descritiva ou axiologicamente neutra, mas também, para além disso, uma Ciência normativo descritiva que conhece e/ou estabelece normas para comportamento".

Neste sentido a Ciência do Direito está inserida na dinâmica social de onde capta o seu objeto, o qual deve estar em consonância com as necessidades da época, sendo resultado de experiências passadas e adequadamente presentes para prever o futuro.

Portanto, o Direito é um produto humano e social e o homem é tomado como ser ambíguo que atua na sociedade de modo a criar, modificar e transformar as estruturas das quais participa como elemento. “O homem é ator e autor, sujeito e objeto da ação”. No dizer de Miguel Reale, “é a ordenação bilateral atributiva das relações sociais, na medida do bem comum.”

É uma ordenação porque, de forma coercitivamente imposta pelo Estado, estabelecem-se condutas de maneira bilateral, ou seja, todos os sujeitos da relação estão subordinados a ela. É atributiva porque opera-se segundo uma proporção objetiva, visando o bem comum da sociedade, de modo a delimitar a ação humana com vistas a não prejudicar o bem jurídico alheio.

No campo jurídico, o homem como fonte da constituição do conhecimento correspondeu no século XIX ao positivismo jurídico que radicalmente reduziu o Direito à lei. No Direito contemporâneo entretanto o alcance da positivação abarca a noção de decisão legislativa e judiciária .

“ A principal característica do Direito positivado é que ele se liberta de parâmetros imutáveis ou longamente duradouros, de premissas materialmente invariáveis e, por assim dizer, institucionaliza a mudança e a adaptação mediante procedimentos complexos e altamente móveis”.

Pode-se inferir portanto, que o Direito é flexível, sensível às mutações externas e adaptável a elas. Sendo o homem a origem de toda a dinâmica social e sendo o Direito uma Ciência que percebe a realidade social e suas necessidades, o positivismo contemporâneo foi forçado a ter o homem como objeto central da Ciência do Direito, que tem como seu problema fundamental a questão da decidibilidade.

Toda investigação científica objetiva obter enunciados independentes da situação em que se encontra, à medida em que aspiram uma validade universal (erga omnes).

Sendo o enunciado científico basicamente descritivo, ele pretende transmitir informação precisa sobre a realidade a que se refere. Quanto maior o conteúdo informativo, maior a possibilidade do enunciado ser refutado. Desta forma, todo enunciado científico (apesar de poder ser refutado) tem validade universal, mas não absoluto: são os dogmas.

A positivação do Direito do século XX refutou tal assertiva, à medida em que captou o Direito não apenas como resultado da criação legislativa (relação de causalidade entre a vontade do legislador e Direito como norma posta), mas como resultado da imputação da validade do Direito a certas decisões (legislativas, judiciárias, administrativas). Portanto,

“o Direito prescinde de uma referência genética aos fatos que o produziram (um ato de uma vontade historicamente determinada) e sua positividade passa a decorrer da experiência atual e corrente, que se modifica a todo instante e determina a quem se devam endereçar sanções, obrigações, etc.”

A Ciência do Direito, diversamente das demais que se ocupam com o que pode ser (relação causal), preocupa-se com o que deve ser Direito (relação de imputação); sua relação é portanto uma questão de decidibilidade e como tal manifesta-se como pensamento tecnológico, que possui algumas características do pensamento científico stricto sensu.

“Os seus problemas tem uma relevância prática (possibilitar decisões: legislativas, judiciárias, administrativas, contratuais, etc) que exige interrupção na possibilidade de indagação das Ciências em geral, no sentido de que a tecnologia dogmatiza os pontos de partida e problematiza apenas sua aplicabilidade na solução de conflitos.”

Envolvendo sempre a questão da decidibilidade de conflitos, a Ciência do Direito toma o homem como seu ponto central, como alguém que entra em conflito, cria normas para solucioná-los, decide-o, regenera suas decisões em um círculo infinito.

Vários modelos foram criados conforme o modo de encarar o problema da decidibilidade. Cada qual apresenta uma concepção do ser do homem como centro articulador do pensamento jurídico.

Segundo Tércio Sampaio Ferraz, os modelos formalista, hermenêutico e empírico tratam o homem respectivamente como:

a- ser dotado de necessidades que se revelam em interesses, os quais dentro da sociedade podem incompatibilizarem-se com os demais – a Ciência do Direito aparece como sistematização de regras para obtenção de decisões possíveis.

b- ser cujo agir tem significado; seus sucessos e fracassos têm sentido que lhe dá unidade – a Ciência do Direito assume atividade interpretativa dentro de um sistema compreensivo do comportamento humano;

c- ser dotado de funções, que se adapta e continuamente, em virtude de sua evolução e transformação, as exigências do ambiente – a Ciência do Direito adota postura de investigação das normas de convivência, apresentando-se como procedimento decisório e explicativo do comportamento humano.

Estes modelos ( formalista, hermenêutico e empírico) resultaram nas teorias da norma, da interpretação e da decisão jurídica como formas de exercício da Ciência do Direito enquanto pensamento tecnológico.

Por fugir ao objetivo do presente trabalho, não serão analisadas detalhadamente cada uma das teorias. O que importa é observar que, qualquer que seja a teoria na qual esteja inserida, o objeto da Ciência do Direito é o homem enquanto ser social dotado de necessidades, que se relaciona com os outros homens e com o meio dentro de uma dinâmica social por vezes conflitiva, que carece de regulações impositivas para que a conflituosidade cesse, ou seja, o Direito enquanto regulador social.

Este Direito, por ser imutável, apresentou-se sob diversas formas e teorias no curso da história.

2.2 – AS TEORIAS JURÍDICAS – FUNDAMENTAÇÕES DOUTRINÁRIAS DA CIÊNCIA DO DIREITO

2.2.1-O Jusnaturalismo

Desde os primórdios da humanidade, o homem busca um Direito justo segundo sua natureza. Foi com os sofistas gregos que a tradição teórica do jusnaturalismo surgiu. Defendendo uma moral baseada na natureza humana, desta derivaria-se um Direito natural.

Durante a Idade Média, o fundamento do Direito Natural baseava-se no divino (Jusnaturalismo de conteúdo teológico), após o que, a ideologia evoluiu em Hugo Grotius para uma fundamentação racional.

Grotius, Descartes, Hobbes dedicaram-se ao estudo deste Direito natural e racional que objetivava a justiça.

“Enquanto a atitude científica no campo do Direito é aquela que pretende enfrentá-lo como ele é, encarando o Direito positivo como fenômeno histórico, social, humano, o jusnaturalismo duplifica essa realidade para conceber, nos puros termos do que Kant chamaria de ilusão transcendental, uma esfera jurídica ideal, a do Direito justo que, padrão estimativo do Direito positivo, dar-lhe-ia os fundamentos, não somente da validez como da própria existência, já que para o jusnaturalismo o Direito injusto não é Direito nem vale como tal.”

Neste sentido, só seria Direito se fosse justo, o que não foi tomado como justificação para o reconhecimento do Direito como Ciência, visto que, nesta época, a concepção de neutralidade axiológica do processo do conhecimento era pensamento predominante entre os cientistas. Por objetivar o justo, o Jusnaturalismo foi refutado como justificativa à Ciência do Direito.

A evolução do Jusnaturalismo deveu-se aos acontecimentos marcantes do século XIX: Revolução Francesa, Revolução Industrial, etc.

Desejando-se conter os arbítrios cometidos pela nobreza e clero, buscou-se garantir Direitos à burguesia, aos trabalhadores e em ultima análise ao homem enquanto cidadão.

“Até mesmo enquanto a burguesia esteve aliada ao monarca absoluto, a este entregou a guarda dos princípios eternos do Direito natural. Quando os interesses, até então concordantes, do monarca e da classe urbana dos comerciantes e industriais modernos começaram a se distanciar, então a burguesia entregou à vontade geral a guarda do Direito natural. A partir daí, levando o lema Liberdade, Igualdade e Fraternidade a burguesia pôde dominar o Rei e assumiu o comendo da sociedade moderna, que organizou em bases novas e democráticas.”

A necessidade de garantir a ascensão conquistada refletiu-se no mundo jurídico em um racionalismo e formalismo exacerbados. Assim, limitaram-se as interpretações legais ao texto normativo, o qual era tomado como completo e detentor de toda a verdade. Surgiu então a Escola da Exegese.

2.2.2-O Exegetismo

A publicação do Código Civil de Napoleão em 1804 representou um marco para a moderna Ciência do Direito, uma vez que a codificação dessas leis não havia na história encontrado semelhante trunfo.

Os juristas entenderam que a tarefa do cientista do Direito era a de interpretar (proceder à exegese) do texto legal, sem contudo criar ou negar-lhe.

Surge então a Escola da Exegese, que se propunha ser Estatal, avalorativa e legalista.

Defendia-se o mais reto positivismo legal (onde as sentenças deveriam basear-se), relegando a exegese para análise e descoberta da intenção psicológica do legislador.

Tomando a lei como plena e detentora de todo o Direito, a única interpretação feita pelos juristas era a gramatical ou literal. O método hermenêutico lógico era utilizado somente em casos de lacunas legais ou de expressões legais obscuras.

O positivismo exacerbado serviria como garantidor do jusnaturalismo favorável à classe dominante: a burguesia.

Paralelamente, essa concepção legalista garantia também Direitos sociais dos trabalhadores, os quais foram reivindicados durante a Revolução Industrial.

Entretanto o rigor normativo não era totalmente seguido na prática, ou seja, os juristas aceitavam além da norma, o costume, a jurisprudência, a doutrina, os princípios gerais do Direito e a equidade como fontes do Direito.

No refluxo da Revolução Francesa, veio a contra-revolução de Marx e Lenine que propunha-se ao tradicionalismo político, artístico, cultural, o que no mundo refletiu-se na Escola Histórica.

2.2.3-O Historicismo

Baseada no tradicionalismo, exaltava-se o nacionalismo. Conservadores no plano jurídico, valorizavam o costume. Racionais, viam nos costumes e não em Deus a fonte primeira do Direito, onde iam buscar na História o fato gerador da lei.

Seus principais defensores foram Gustavo Hugo e seu discípulo Savigny. Este último, ressaltando a necessidade da codificação do Direito Civil alemão, refutou o Código napoleônico, afirmando que o legalismo exegético fossilizava o Direito, o qual é “resultado da livre consciência popular, sob forma de costume”.

Empírico, era resultado das experiências históricas. Dotado de causalidade e determinismo, uma vez que não era produzido, mas criado livremente em virtude da necessidade, segundo a qual o posterior está ligado ao anterior que o determina. Irracional e relativo, visto que, como corpo vivo, está sujeito a mudanças constantes que nada respeitam, senão o curso da história.

Seu desfecho foi um racionalismo dogmático, o que interrompeu a linha teórica da Escola Historicista.

A valorização da Jurisprudência como Ciência dos objetos reais, fez com que evoluíssem para o Sociologismo Jurídico.

2.2.4-O Sociologismo

O surgimento da Sociologia no século XIX repercutiu tanto no mundo da cultura quanto no mundo jurídico. Comte afirmou que a Sociologia era a única Ciência Social (uma Ciência geral), da qual partiriam as demais (Educação, Direito, Filosofia, História, etc).

Neste sentido, Léon Duguit esforçou-se no sentido de demonstrar que a Ciência do Direito baseia-se na observação de fatos sociais. Partindo de Durkein, Duguit fundamentou o Direito no puro fato social do sentimento de solidariedade e de justiça.

“Distinguiu três espécies de normas sociais, todas surgidas de necessidades da vida humana em sociedade: as normas econômicas, as normas morais, e as normas jurídicas. A passagem das normas econômicas para as normas jurídicas decorre da convicção nascida no seio da sociedade de que o não cumprimento de tais normas afeta os sentimentos de solidariedade e de justiça.”

Mesmo não querendo, Duguit estava criando a Sociologia Jurídica como é conhecida hoje. Entretanto, à sua época tal corrente repercutiu como uma verdadeira torre de babel epistemológica no plano da Ciência jurídica. Tal instabilidade carecia de uma corrente firme que voltasse a delimitar a Ciência do Direito. Surgiu então Hans Kelsen e sua Teoria Pura do Direito.

2.2.5-O Normativismo

O surgimento da Sociologia, que reivindicava para si o Direito como sendo um de seus ramos, ameaçou o status científico do Direito. Em virtude disso, Hans Kelsen desenvolveu uma Teoria Pura do Direito, objetivando comprovar a cientificidade da disciplina.

Considerando-se que à época, os cientistas tomavam o método de conhecimento científico de forma avalorativa, Kelsen procurou refutar em sua teoria todos os juízos de valos para chegar ao seu objeto: a norma.

“Tendo estabelecido que a Ciência do Direito é uma Ciência normativa e não uma Ciência da natureza, vamos tentar definir qual é seu objeto particular. Revelemos imediatamente que ela estuda o Direito sob seu duplo aspecto estático e dinâmico, pois ele pode ser considerado ora em Estado de repouso, como um sistema estabelecido, ora em seu movimento, na série de atos pelos quais é criado e depois aplicado.”

O Direito foi reduzido à norma coativa. Esta foi definida como uma proposição hipotética de comportamento. Diante de um fato (F), deveria-se prestar a prestação (P); não havendo a conduta (P), deveria-se aplicar a sanção (S).

Resumindo:

Se F, então P.

Dado não P, deve ser S.

Em sua teoria, Kelsen buscava unificar os dualismos, tornando a Ciência do Direito monista:

- Direito objetivo e Direito subjetivo – reduz os dois ao Direito objetivo;

pessoa natural e pessoa jurídica – afirma que também a pessoa natural é uma pessoa jurídica;

- Direito público e Direito privado – tanto a manifestação pública quanto a privada são continuação do processo de formação da vontade estatal;

- Estado e Direito - o Estado somente pode se apresentar como uma ordem jurídica que estabelece órgãos especializados para a criação e aplicação das normas que o constituem. Portanto, onde houver Estado, haverá Direito. Todo Estado é Estado de Direito.

Após reduzir o Direito ao monismo, parte para a hierarquização das normas, afirmando que estas dispõe-se tal qual uma pirâmide, onde as normas inferiores buscam nas superiores seu requisito de validade. No topo da pirâmide e acima dela estaria a norma fundamental, de onde partiriam todas as demais.

O formalismo rígido da Teoria Pura do Direito buscava ressaltar o pensamento jurídico em oposição ao Jusnaturalismo e Sociologismo, dando caráter racional ao poder democrático formal, o qual opunha-se aos antidemocráticos (fascistas, nacionalistas e comunistas).

“Se o jusnaturalismo racionalista foi a expressão do mundo burguês ascendente, o historicismo a expressão da contra-revolução, o legalismo exegético e o positivismo sociológico as ideologias jurídicas do mundo burguês dominante, o relativismo da teoria pura será o pensamento jurídico solidário com o período de transição e de decadência do mundo burguês em que vivemos.”

Muitas teorias e críticas sobrevieram a Hans Kelsen, mas ainda hoje predomina o seu normativismo, mesmo que de forma um pouco modificada, visto que, atualmente a questão de justiça e outros valores como a dignidade humana fazem parte do dia a dia do Direito.

Atualmente questiona-se sobre o monopólio Estatal sobre a produção e aplicação do Direito, uma vez que entidades supranacionais aparecem e tomam seu lugar neste aspecto. Paralelamente, o surgimento de novos sujeitos coletivos de Direito carecem de reconhecimento dentro do mundo jurídico, formando um verdadeiro pluralismo jurídico. Em resumo, os acontecimentos do mundo globalizado mudaram as realidades sociais, o papel do Estado e em última análise da própria norma e daquilo que ela representa.

No próximo capítulo verificaremos como o Direito relacionou-se com os Estados nacionais desde o século XIX até nossos tempos.

Tal análise (ainda que superficial) visa demostrar como a relação Direito/Estado sofreu radical mutação, a qual questiona o sentido de ser do Direito e em última análise do próprio Estado, face à globalização econômica.

CAPÍTULO III

DIREITO E SUA INFLUÊNCIA NOS ESTADOS NACIONAIS

Sendo o objetivo analisar os efeitos da globalização no sistema jurídico, partir-se-á da historiografia do Estado absolutista até nosso tempo, relacionando-o ao papel desempenhado pelo Direito.

3.1 - HISTORIOGRAFIA

Antes do século XIX o Direito era conseqüência dos princípios ditados pela tradição (o que era, deveria ser sempre). As mudanças não eram bem vistas e a sociedade vivia em ambiente relativamente estável, com valores estáveis capazes de controlar a pequena complexidade social.

A partir do séc. XIX o Direito passou a ser marcado pelo fenômeno da positivação, que priorizava a norma escrita em relação à costumeira, aparecendo os códigos, ressaltando a validade das normas quando postas por decisão de autoridade competente, bem como sua mutação.

Surgido como forma de conter as arbitrariedades cometidas pelo absolutismo dos primeiros tempos do Estado Moderno, como conseqüência das revoluções burguesas (sec XVIII), inglesa (séc. XVII), norte americana (séc. XVIII) e francesa (séc. XVIII), o constitucionalismo e a teorização jurídico normativista consolidou a idéia de Estado Democrático de Direito, que tinha como características a regulação do Executivo face a divisão dos poderes, a participação democrática, a nítida separação entre público e privado, político e econômico, interesses individuais e coletivos, entre outros.

O aumento da complexidade social resultante das crises fizeram com que as formas difusas de controle anteriormente praticados cedessem lugar a instrumentos de atuação rápido e efetivo: a lei. O Direito positivo difundiu-se à medida em que era instrumento ágil e mutável conforme as necessidades se apresentassem. “O Direito positivo institucionaliza a mudança que passa a ser entendida como superior à permanência”.

Neste momento o princípio da legalidade surge como mecanismo de conter os arbítrios, dando base aos sistemas jurídicos dos Estados modernos de modo a assegurar um mínimo de segurança e certeza numa situação em que a mutação predominava.

Os pressupostos do Estado Democrático de Direito eram manter o equilíbrio constitucional entre o Estado e a liberdade dos cidadãos, entre o poder do Estado e os poderes locais e entre os poderes internos do Estado (Executivo, Legislativo, Judiciário).

A legalidade era sinônimo de constitucionalidade. As constituições deveriam ser dotadas de mecanismos restabelecedores dos equilíbrio desfeitos.

Com a crescente industrialização e o aumento das possibilidades de ação individual conseqüentes do desenvolvimento técnico, os antigos equilíbrios romperam-se em série de crises, tomando forma global.

O equilíbrio almejado pela divisão dos três poderes começou a ruir com o advento das lutas sindicais e seu colapso deu-se devido a crise estrutural do sistema financeiro na década de 20 deste século.

O Executivo passou a assumir gradualmente as funções do Legislativo e Judiciário, frente à necessidade de se fornecer respostas rápidas (ainda não regulamentadas) às questões que se colocavam face à rápida mutação econômica.

“Ele passou de provedor de serviços básicos a atuar como produtor direto de bens e serviços”

O Estado liberal passou ao Estado providência que deveria promover o crescimento econômico e social, protegendo os cidadãos desfavorecidos. Seu sistema jurídico foi concebido como “técnica de gestão e regulação da sociedade”.

Deixando de ser ente orientador dotado do uso da coação e interventor do campo social e econômico, o Estado passou a ser ente regulador o que o caracterizou como Estado Social de Direito, atingindo seu apogeu nas décadas de 50 e 60 e seu início de declínio na década de 70, quando surgiu o fenômeno da globalização.

A crise do petróleo da década de 70 trouxe como conseqüência recessão nos países desenvolvidos, o que provocou evolução tecnológica no sentido de se encontrar alternativas para redução do custo da energia e do trabalho no preço final dos bens e serviços.

Diante de inéditas e aceleradas questões técnicas, o Executivo viu-se forçado a editar inúmeras normas de comportamento, organização e programáticas, o que resultou em um sistema jurídico repleto de micro sistemas entrecruzados.

A nítida separação entre público e privado foi prejudicada, à medida em que, em certos aspectos eram conflitantes.

Segundo José Eduardo Faria,

“condicionado por dois princípios conflitantes, o da legalidade (típico do Estado-liberal clássico) e o da eficiência das políticas públicas nos campos social e econômico (típico do Estado-Providência), o Estado contemporâneo, por meio do seu Executivo passou a agir de modo paradoxal gerando, em nome da estabilização monetária, do equilíbrio das finanças públicas, da retomada do crescimento e da abertura comercial e financeira, uma corrosiva inflação jurídica”

3.2 – O MUNDO GLOBALIZADO E O ESTADO

Essa inflação jurídica representada pela edição de inúmeras leis, códigos e medidas trouxe como conseqüência o esvaziamento do Judiciário, à medida em que foi impedido de exercer eficientemente suas funções controladores e reguladoras da conflituosidade.

Esta inflação legal, ao provocar a desvalorização do instrumento jurídico disponível ao Poder Executivo, agravava as tensões entre a “estrutura do processo de negociações coletivas e o conflito distributivo aguçado pela globalização, pelo crescimento do grau de inefetividade do poder de regulação, intervenção do Estado-nação.”

A deterioração do sistema Judiciário, do constitucionalismo (como tradicionalmente concebido) e o desequilíbrio entre os três poderes, o rompimento das fronteiras geográficas, o esvaziamento da função do Estado (face a corrente predominante de privatizações), o surgimento de blocos multinacionais (NAFTA, MERCOSUL), a flexibilização das relações contratuais de trabalho, a expansão de um Direito paralelo ao dos Estados de natureza mercatória (lex mercatória) trouxeram como conseqüência um esvaziamento da soberania e autonomia dos Estados nacionais. “Por um lado, o Estado não pode mais almejar regular a sociedade civil nacional por meio de seus instrumentos jurídicos tradicionais, dada a crescente redução de seu poder de intervenção, controle, direção e indução.”

A promulgação de leis pelos Estados deve observar a realidade econômica e financeira internacional para saber o que pode regular e o que será respeitado, à medida em que regras privadas (oriundas de organizações empresariais e econômicas) tomam caráter internacional, substituindo o Estado-nação como fonte de positivação normativa.

A incapacidade de assegurar a regulação social, conter os conflitos pluridimensionais, deter o esvaziamento do ordenamento normativo gerado pelo pluralismo jurídico levam a uma crise de identidade dos Estados nacionais.

Em resumo, a noção de Estado nação, dotado de poderes equilibradamente separados, reconhecido e respeitado em sua soberania frente aos demais Estados, emanador de normatividade nacional e internacionalmente reconhecida; que percebe e regula as conflituosidades internas; dotado de sistema Judiciário legitimador e aplicador deste sistema normativo; que não sofre ingerências externas cede lugar a um Estado-nação que de depara com organismos econômicos auto reguladores e multinacionalmente instalados os quais estabelecem suas normas internas e externas, de modo a atender seus interesses e demandas imediatos, os quais influenciam os ordenamentos jurídicos nos espaços onde se travam suas conflituosidades, que são solucionadas de modo muitas vezes diverso da norma local ou até mesmo de encontro a ela.

Este novo cenário globalizado, além de questionar o próprio ser do Estado-nação, ingere e influencia no ser do ordenamento jurídico, à medida em que coloca em xeque sua função principal: regulação social.

Neste sentido, Tércio Sampaio Ferras Jr questiona o papel da dogmática jurídica, à medida em que a crise que se coloca não tem na dogmática os parâmetros de controle dos conflitos (sua função social).

“Estará a dogmática em condições de se adequar ao desenvolvimento da complexidade social ? Ou tratar-se-á de um pensamento destinado a se superar por outras formas de racionalidade ?”

No próximo capítulo analisaremos como o neoliberalismo influencia na atuação dos Estados e surgimento dos tribunais supranacionais e suas relações com os ordenamentos jurídicos Estatais, buscando verificar como tal relacionamento afeta o sistema jurídico e a própria Ciência do Direito.

CAPÍTULO IV

NEOLIBERALISMO, EMPRESAS PLURINACIONAIS, GLOBALIZAÇÃO, DIREITO E A MUDANÇA DE PARADIGMAS

O objetivo do presente estudo não é discutir aspectos políticos ou econômicos da globalização, mas como as formas mundializadas inicialmente e basicamente econômicas interferem em muitas áreas de uma nação, no transcurso do presente capítulo será abordado o tema, com vistas a analisá-lo sob aspecto jurídico, bem como explicar a mudança de paradigma da norma face aos movimentos planetarizados.

Globalização, mundialização, planetarização são sinônimos de um novo ciclo de expansão, prioritariamente econômico, que tem reflexos em inúmeras áreas de uma nação.

Desde os campos tecnológicos, econômicos, culturais até os políticos, jurídicos, sociais, a globalização traz conseqüências, por vezes positivas (como a evolução tecnológica, integração dos povos face à acelerada comunicação, etc) mas em sua grande maioria negativas (endividamento dos Estados, desemprego, ausência de políticas estatais no campo social) e a um custo social muito elevado.

A globalização busca unificar as diferenças à medida em que força uma postura homogênea em diversas áreas (econômica, social, jurídica, política), sob pena do país ou setor deste ser excluído do processo. Assim, a indústria é forçada a inovar-se se não quiser ter seus produtos rechaçados pelos consumidores que buscam melhores preços ou maior qualidade. Da mesma forma os Estados são levados a tomarem atitudes e implantarem políticas para permanecerem no mundo global, marcado pela ausência do Estado em setores sociais e econômicos, antes por ele monopolizado: é o neoliberalismo.

Segundo Salete Maria Polita Macalóz , neoliberalismo em linhas gerais seria um novo liberalismo aos moldes daquele do século XIX, marcado pela ausência do Estado na economia e nas relações de trabalho e ausência de leis e regras a disciplinarem as relações sociais.

O liberalismo referia-se à liberdade de exploração do capital X trabalho e o neoliberalismo visa à total ausência normativa destinada a disciplinar tal relação.

Instrumento do neoliberalismo é a flexibilização e desregulamentação do Direito que significam respectivamente a presença mínima do Estado como garantidor de Direitos mínimos aos trabalhadores e sua total ausência nesta relação capital X trabalho.

A redução do papel do Estado (característica da influência globalizada, conforme citado acima), o surgimento de blocos econômicos plurinacionais, a queda das fronteiras nacionais são aspectos que diretamente atingem o Direito, à medida em que seus paradigmas estão sendo questionados, e em última análise, a própria dogmática jurídica.

4.1 – NEOLIBERALISMO

4.1.1 - Um breve histórico

Surgido logo após a 2ª Guerra Mundial, o neoliberalismo foi uma reação contra o Estado de Bem Estar Social (intervencionista). Sua maior expressão deu-se através de Friedrich Hayek que almejava à liberdade econômica restringida pela intervenção estatal. Seu objetivo era o alcance de uma social democracia.

A crise do petróleo na década de 70 trouxe como conseqüência profunda recessão econômica no mundo capitalista, baixas taxas de crescimento e altas taxas de inflação. Esta crise era o campo ideal para a implantação de uma nova teoria: o neoliberalismo.

Objetivando retomar o crescimento econômico, os fatores da crise deveriam ser combatidos e estes, segundo Hayek e outros eram:

- “poder excessivo e nefasto dos sindicatos;

- movimento operário que havia corroído as bases de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre salários e benefícios;

- pressão operária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais”.

Este combate deveria dar-se através da manutenção de um Estado forte em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas contido em todos os gastos públicos nos campos sociais e nas intervenções econômicas.

Deveria-se estabilizar a moeda através de uma disciplina orçamentária com contenção dos gastos com o bem-estar social, ao mesmo tempo deveria-se criar uma massa de desempregados para forçar a queda dos salários e reduzir a força dos sindicatos. Paralelamente, as reformas fiscais deveriam reduzir os impostos sobre os rendimentos mais altos e sobre as rendas como forma de estímulo aos agentes econômicos.

Segundo previa Hayek, os desempregados retirariam a força sindical para reivindicar salários e benefícios, o que forçaria os gastos da produção para baixo, ao mesmo tempo em que a ausência da intervenção Estatal deixaria que as forças do livre mercado atuassem e as reduções fiscais estimulariam a produção econômica futura, o que geraria novos empregos em patamares mais baixos de salários, garantias e benefícios. A economia voltaria a crescer.

Na década de 80, após vários países aderirem à ideologia neoliberal de que foi a precursora a Inglaterra, observou-se que:

- no geral a taxa de inflação havia caído;

- a taxa de lucro das indústrias havia aumentado;

- o movimento sindical havia enfraquecido e as greves reduzidas;

- os salários haviam tido contenção;

- o desemprego havia aumentado;

- a desigualdade social havia aumentado e a concentração de renda também;

- o volume de negócios nas bolsas de valores havia aumentado.

Neste sentido, a primeira parte da teoria neoliberal havia concretizado-se, o que no entanto não aconteceu com a segunda etapa, em que se esperava que as economias voltassem a crescer. Tal resultado operou-se em virtude do deslocamento da aplicação do capital nos mercados financeiros e não nos mercados produtivos.

4.1.2 - A América Latina

O neoliberalismo na América Latina é fruto da crise fiscal do Estado, devido ao seu esgotamento em manter uma política de bem-estar social.

Cada país buscou sua versão neoliberal, conforme suas heranças passadas, objetivando sair da crise em que se encontravam.

O Brasil, em virtude de seu crescimento econômico (déc. 70/80) baseado em empréstimos externos a juros flutuantes entrou em crise financeira. Seu processo neoliberal iniciou-se com o Presidente Sarney, quando vivemos um processo de quase hiperinflação.

A hiperinflação era o que deveria preceder a implantação da ideologia, era o terreno fértil de que precisava. A população, desejosa do fim do fantasma inflacionário, via nos planos econômicos a solução para seu fim e a palavra neoliberalismo era o que se propunha a organizar e retomar o crescimento. Desta forma, o apoio populacional foi irrestrito, mesmo que não se soubesse muito bem do que se tratava tal ideologia.

O governo Collor, por sua vez, iniciou o processo neoliberal. Abriram-se as fronteiras para a indústria estrangeira (em sua conseqüência a indústria nacional reduziu sua produção e demitiu), iniciou-se o processo de redução de gastos estatais na área social, os processos de privatização refletiam a saída gradual da intervenção governamental.

Entretanto, o impeachment do ex-presidente Fernando Collor foi uma forma de resistência social ao que se propunha ser o neoliberalismo, que retomou sua força no Governo Itamar. Este iniciou o processo ao combater passo a passo a inflação, quando Fernando Henrique implantou o plano real. Aí estava o projeto neoliberal sendo posto em prática. A letalidade do processo é evidente. Semelhante à mais dura ditadura, enquanto o plano econômico floresce o social padece.

Aqui, a implantação da ideologia não se deu pela força (aos moldes do Chile – Pinochet) em virtude da resistência do movimento social e político de esquerda e de uma forte burguesia industrial protegida pelo Estado.

Firmou-se em virtude de um controle inflacionário (em parte provocado pela dinâmica especulativa das elites), o que criou efeitos ideológicos e políticos que o apoiassem. Paralelamente também o fez em virtude da fraqueza da esquerda e da sua incapacidade de oferecer formas hegemônicas alternativas para solucionar a crise.

4.1.3 - As conseqüências do Neoliberalismo

A abertura, que caracteriza o modelo , torna os acontecimentos das grandes bolsas de valores mundiais (principalmente a de Nova York) fatores relevantes para a vida do país.

A tendência diante do desmantelamento do nosso parque industrial é a de retornarmos à condição de exportadores de matérias primas, o que causaria aumento do nível de desemprego e das diferenças sociais.

O retorno ao passado é fato para futuro próximo, se o Estado não propuser-se a intervir.

A análise de Luiz Fernandes sobre os pilares do processo neoliberal opera-se em três níveis:

a) na privatização de empresas nacionalizadas no pós-guerra que rompe com estratégias industriais que viam as empresas públicas como fundamentais para crescimento econômico;

b) na desregulamentação das atividades econômicas e sociais pelo Estado que depositam no mercado uma credibilidade de eficiência;

c) na revisão de padrões históricos e universais de proteção social, emergidos no pós guerra e materializados pelo Estado de bem-estar social;

As conseqüências sociais (desigualdades sociais, concentração de renda, exclusão, etc) e as conseqüências econômicas (desvio de recursos para especulação, incapacidade de absorção de mão-de-obra e de sustentar crescimento, etc) aliam-se a duas tendências:

a) o processo neoliberal vem acompanhado de sentido antidemocrático, expresso por medidas restritivas da democracia representativa e do pluralismo democrático;

Exemplificativamente poderíamos citar o recuo do sistema de representação proporcional italiano para o distrital misto. No Brasil, setores mais afinados com o projeto vem pressionando para o abandono do sistema de representação proporcional através de cláusulas de barreiras que dificultem o acesso de partidos no Parlamento.

“ Trata-se de movimento para cassar e revogar avanços democráticos conquistados na revolução de 1930”

As insatisfações populares diante do custo social estabelecido pelo processo estariam impedidas de ter reflexo no legislativo;

b) A adoção do processo reflete-se na capacidade soberana do brasil em desenvolver-se. Ele implica no desmonte de instrumentos fundamentais de defesa da soberania nacional, apresentando-se como seu inimigo.

Exemplo disso é o abandono da direita da bandeira de defesa nacional e sua adoção pela esquerda. Seu reflexo opera-se diretamente nas forças armadas que não encontram respaldo político para seu projeto de conversão do Brasil em potência mundial.

4.1.4 - A sociedade civil depois do Neoliberalismo

“Do segundo pós-guerra até a crise do petróleo, as economias latino-americanas cresceram a uma média anual superior a 5,5% e um vigoroso processo de industrialização transformou radicalmente as nossas sociedades. O impulso das lutas populares fez com que o Estado intervencionista adotasse políticas que redistribuíram moderadamente a renda e riquezas, integraram politicamente as camadas e classes populares e lhes proveio com certos bens e serviços – saúde, educação moradia, água potável, transportes, uma legislação social, etc – aos quais provavelmente jamais teriam acesso de houvessem tido que esperar os benefícios do mercado....

No tenso clima de embriaguez neoliberal e em detrimento da coletividade, amputaram-se desnecessariamente funções legítimas de fiscalização e controle (por exemplo, na indústria farmacêutica, de bebidas ou de alimentação) que o Estado desempenhava com razoável eficácia há meio século. Reduziu-se o déficit público, mais privando o Estado de recursos mais elementares para prover bens públicos e intervir com eficácia na vida econômica e social, ao mesmo tempo que, com seus misérrimos salários, afugentava seus mais honestos e leais servidores.”

Um dos resultados desta onda foi o enfraquecimento do Estado diante dos interesses de classes dominantes e do capital internacional (FMI, BANCO MUNDIAL, BID, ETC) de modo a renunciar a altos graus de sua soberania.

Em conseqüência, os capitalistas locais a) tiveram predomínio econômico reforçado, reduzindo drasticamente o controle público sobre recursos nacionais e facilitando a atuação do setor privado; b) garantiram o pagamento da dívida externa com recursos advindos de setores sociais e de propriedades públicas antes tidas como intocáveis; c) mudaram a seu favor a correlação de forças Estado X mercado.

“Pois bem: é evidente que, diante da magnitude do desafio que coloca a rápida propagação da pobreza em todo continente, o Estado deverá desenhar um conjunto de leis sociais que neutralizem e corrijam os desequilibradores efeitos das “falhas” do mercado, que na América Latina demostraram uma colossal inaptidão para resolver os problemas da educação, da moradia, da saúde, da seguridade social, do meio ambiente e do crescimento econômico, para citar apenas os exemplos mais correntes. O custo de não fazer nada – pagando tributo ao dogma neoliberal – será imenso, não apenas em termos de sofrimento humano mas também de desempenho econômico a médio e longo prazo e de estabilidade democrática.”

A previsão futura, se continuarmos no ritmo atual, poderá ser a de uma sociedade drasticamente desigual, onde de um lado permanecem cada vez mais pobres os sem educação, saúde, trabalho, moradia e marginalizados e de outro lado os opulentos, educados, saudáveis.

Entretanto, não é com uma política excludente e avassaladora, com uma mão de obra faminta, cada vez menos educada, carente de uma adequada atenção sanitária, mal vestida e pior alojada que nosso país poderá inserir-se na economia internacional.

O empobrecimento crescente da população opera-se com cancelamento da cidadania e mina a base do governo democrático que é a de garantir constitucionalmente os históricos Direitos individuais, coletivos e sociais, transformando-os em letra morta.

Aliado ao futuro cenário apocalíptico da maioria da sociedade, o Estado encontra-se quebrado e, contrariamente ao que ocorre na Europa, destina cada vez menos recursos para área social, ao mesmo tempo em que concentra seus esforços para manter o déficit público e o pagamento da dívida externa.

Não há dúvida de que o Estado necessita de um equilíbrio nas contas públicas, mas é incorreto pensar que os gastos públicos são o único fator causal da crise em que se encontra.

O ajuste fiscal deve voltar-se predominantemente para a tributação do grande capital, inversamente ao que ocorre hoje, quando o grosso da receita fiscal provem de tributação ao consumo, trabalho, comércio.

Nos países industrializados a tributação sobre o ganho de capital gira em torno de 2/3 e na América Latina de 1/3. A reforma fiscal deveria voltar-se a uma legislação tributária para os lucros e as manifestações de riqueza.

Enquanto isso, percebe-se uma Estado incapaz de derrotar o veto contributivo dos grandes capitalistas e a sonegação fiscal.

A reconstrução do Estado de bem-estar carece de uma reformulação fiscal aos moldes do que foi mencionado como forma de distribuir renda, estimular produção, gerar empregos...

Como herança, o neoliberalismo deixará uma sociedade desintegrada com profundas diferenças entre classes e uma grande massa de excluídos. Tal situação, nem mesmo no período escravocrata brasileiro foi observado. Nesta época, as classes, apesar de distintas, compunham uma mesma sociedade e hoje, os excluídos vivem abaixo da linha da pobreza e suas realidades social, econômica, cultural, etc são totalmente diferentes da realidade dos incluídos.

O enfraquecimento dos sindicatos e a tendência à livre negociação laboral remete ao plano privado a luta (desigual) entre grandes empresas e cidadão (se é que se pode chamá-lo assim).

Segundo Atílio Borón,

“o aumento da violência e da criminalidade, a decomposição social e a anomia, a crise e a fragmentação dos partidos políticos, a prepotência burocrática do Executivo, a capitulação do Congresso, a passividade da Justiça, a corrupção do aparato estatal e da sociedade civil, a ineficácia do Estado, o isolamento da classe política, a impunidade para os grandes criminosos e a mão dura para os pequenos delinqüentes, o ressentimento e a frustração das massas constituem a síndrome dessa perigosa decadência institucional de uma democracia reduzida a uma fria gramática do poder, expurgada de seus conteúdos éticos.”

As perspectivas futuras deste cenário não são tão claras pelo menos a curto prazo. De um lado o Estado não deseja contratar funcionários para não aumentar seu custo. Neste sentido, a contratação de mão de obra no judiciário tende a ser inferior à demanda. Paralelamente, a multiplicação dos cursos jurídicos relegaram o ensino à mediocridade e aquelas que buscam uma boa qualidade, o fazem de modo distante da realidade, uma vez que os códigos do início do século estão tornando-se obsoletos.

Muito daquilo que os acadêmicos aprendem refere-se ao passado. A teoria constitucionalista é totalmente relegada às páginas dos livros. A Constituição, positivação do poder constituinte popular, é dotada de mecanismos que deveriam garantir a dignidade humana em suas várias formas. A realidade entretanto é de desrespeitos humanos, cegueira institucional, quebra da soberania nacional.

A história mostra-nos que a elasticidade da tolerância é limitada. Não se está predizendo uma revolução, mas o povo terá um limite que só o futuro irá mostrar-nos.

4.2 - A EMPRESA TRANSNACIONAL

4.2.1- Conceito

Segundo economistas, são “um complexo de empresas nacionais interligadas entre si, subordinadas a um controle central unificado e obedecendo a uma estratégica global.”

Por serem um complexo de empresas nacionais, cada uma sedia-se em um país e desta forma sob sistemas jurídicos diferentes. Entretanto, sua interligação significa que, apesar de estarem sediadas em territórios distintos, buscam um mesmo objetivo global, geralmente determinado por uma matriz (central unificadora - a empresa mãe).

Ao seguirem políticas e orientações centralizadas, por vezes operam no mundo extralegal, uma vez que a coordenação elaborada pela sede real da empresa opera-se segundo o ordenamento jurídico daquele país. Como os ordenamentos jurídicos Estatais são fruto de evolução de cada nação, pode ocorrer que a meta traçada pela empresa mãe confronte-se com a norma legal do território sediador de uma subsidiária.

Neste caso, a prática tem mostrado que a norma nacional torna-se inócua diante dos interesses econômicos transnacionais, visto que além da força econômica que detêm, os representantes da subsidiária não são tidos como os responsáveis pela empresa. Estes não passam de funcionários obedientes às ordens da matriz e esta, por se encontrar em país diverso, opera-se sob influência de normas também diversas.

Este seria um caso para ser tratado pelo Direito Internacional Privado, de modo a estabelecer as responsabilidades e as regras de operação e interação dentro do país, mas longe disso, os países calam-se.

4.2.2 - Ação e conseqüência

Dotada de uma grande capacidade de centralização operacional, a empresa transnacional objetiva reduzir custos e ampliar mercados. Para tanto, transfere tecnologia para suas subsidiárias, o que é bem recebido pelos Estados. Entretanto, esta transferência de tecnologia opera-se segundo seus interesses e coloca os Estados dependentes, tanto de sua tecnologia quanto de seus produtos.

Por terem uma visão centralizadora no que se refere aos objetivos a serem atingidos, predomina a cultura de que os mercados nacionais são menos importantes que o mundial. Ao estabelecer as coordenadas a serem seguidas pelo grupo, a empresa mãe não o faz de modo a respeitar as particularidades (social, normativa, cultural) dos países sediadores de suas subsidiárias.

Quanto aos países que sediam as matrizes, em alguns aspectos as empresas cedem seu espaço para que o Governo interfira no país subsidiário através de sua filial. Lógico que isto opera-se em troca de “favores”, mas predomina a cultura de que a empresa transnacional é apátrida e sem fronteiras, ou melhor, é formada por capital de diversos países captados em bolsas de valores e seu corpo funcional é formado por indivíduos das mais diferentes nacionalidades.

Assim, tanto a companhia mãe, quanto as demais podem permanecer à margem da jurisdição de qualquer governo, “sentindo-se como um poder face aos Estados”

“ A empresa transnacional ... procura assentar sua legalidade, não no Direito interno de um Estado, mas sim na aspiração de um Direito internacional, de que cada governo deve dar às pessoas e empresas estrangeiras o mesmo tratamento de que dá às nacionais....

Quanto à responsabilidade... nenhum acionista para assumi-la, mas só empregados... obedientes aos ditames da direção geral.”

Quanto às prerrogativas, as transnacionais buscam para si o mesmo tratamento dirigido às empresas nacionais, mas quanto às responsabilidades esquiva-se de modo singular através de uma estrutura complexa. A responsabilidade neste caso opera-se somente regionalmente ou seja, dentro do território nacional, via de regra, o sistema normativo opera-se, mas no que diz respeito ao grupo como um todo, o ordenamento jurídico torna-se inoperante. Assim, um desastre ecológico com vítimas não terá responsáveis, pelo menos a nível global para serem imputados.

A empresa nacional sediada em um território sob jurisdição Estatal busca seguir as coordenadas de uma outra, sediada em outra nação. O fluxo de influência é somente neste sentido, à medida em que o Estado não pode de modo inverso influenciar na coordenação de metas e objetivos da empresa subsidiária ou da empresa mãe.

Este relacionamento unidirecional culmina em conflitos entre Estados, devido a ausência de um ordenamento jurídico internacional capaz de limitar e delimitar ações.

4.2.3 - As tensões

Diferentemente do conceito fordista de atuação, as empresas transnacionais (originárias em sua maioria nos EUA) não buscam o bem comum e o desenvolvimento de uma sociedade específica. O que se almeja é o seu interesse econômico global.

Tendo em vista que cada país hospedeiro de uma subsidiária tem sistemas jurídicos, políticos, sociais, culturais,... diferentes, e quase sempre conflitantes, ao sofrerem o impacto das diretrizes nacionais traçadas pelos Estados nacionais, as empresas transnacionais tornam-se por assim dizer uma frente de resistência ao próprio governo.

Por serem majoritariamente norte-americanas, buscam influenciar os Estados hospedeiros de modo a implantar-lhes a filosofia de seu país sede (EUA) de presença mínima do Estado em questões sociais e econômicas (neoliberalismo), em questões trabalhistas (flexibilização e desregulamentação), em questões econômicas (livre mercado e queda de barreiras).

Entretanto, a história tem provado que a mudança de hábitos de um povo não se opera (a curto prazo) por imposições. Da mesma forma, cada mudança é resultado de evoluções intrínsecas e gradativas, o que produz características peculiares a cada povo. Assim, aquilo que foi resultado de uma evolução em uma determinada nação e que é tida como verdade positiva, pode não ser em outro povo de outra nação. Em resumo, as mudanças não são concebidas com a aquisição de pacotes prontos e importados. Ao contrário, elas são construídas internamente, obedecendo um processo de percepção da realidade e busca de progresso dentro de uma dinâmica social fática.

Deve-se admitir, entretanto, que o Estado interfere nas transnacionais, à medida em que estabelece normas a serem seguidas por empresas de qualquer tipo dentro do seu território, o que as afeta.

Isso pode levar um Estado a atingir o outro por via indireta, o que pode fazer com que o Estado ferido busque uma retaliação, não pelo mundo jurídico, o qual foge-lhe o domínio, mas no campo econômico.

Cada Estado procura exercer um controle sobre a transnacional que sedia, objetivando manter sua soberania. Ao mesmo tempo, o governo sediador da empresa mãe tenta estender seu poder além fronteiras através do controle exercido pela empresa mãe sobre as subsidiárias.

“Cada país hospedeiro crê que a manutenção da sua independência nacional, soberania e capacidade de conduzir uma política nacional exigem que ele veja as subsidiárias estrangeiras como existindo dentro de sua jurisdição.

Por seu lado, às empresas não interessa existir sem um lar nacional, ainda que devam sofrer algumas intromissões do governo. É que elas têm necessidade de proteção diplomática, ou outra no caso de dificuldades no exterior. “

Estabelece-se uma dicotomia: ao mesmo tempo em que buscam autonomia de ação, independentemente do ordenamento jurídico ao qual estão submetidas, aceitam interferência estatal em troca de uma segurança ou apoio.

As tensões não se limitam à empresa X Estado, mas também entre Estados, uma vez que o país sede da empresa mão tem maiores possibilidades de interferir em um outro Estado através da sua subsidiária.

Quando o governo não pode diretamente exercer uma políti

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