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A SOMBRA DA MANGUEIRA

Por:   •  10/5/2017  •  Dissertação  •  2.444 Palavras (10 Páginas)  •  324 Visualizações

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A SOMBRA DA MANGUEIRA

    Ontem à tarde, quando eu já havia terminado os afazeres de uma dona de casa aposentada, sentei-me debaixo da linda mangueira que há no meu quintal, cujos frutos são tão doces quanto mel. Mas não foram os frutos suculentos que me levaram a descansar à sombra da árvore e sim o barulho tranquilizador da pequena queda d’água que fica perto da minha casa. Não sou uma grande conhecedora das histórias que envolvem todas as civilizações e os seus povos, mas sei que praticamente todas surgiram nos arredores de majestosos rios. Em minha cadeira de balanço, cadeira feita pelas mãos talentosas de meu pai que foi um grande carpinteiro e pagou os meus estudos exercendo essa profissão, refleti como o rio de nossa cidade foi importante para o seu florescer.

    Por volta da década de 20 Bertolo Malacarne, – conhecido como Alberto por muitos devido à dificuldade da pronúncia de seu nome – acompanhado de mais quatro pessoas, começou a medir as terras onde hoje se encontra a nossa cidade. Eu fico a imaginar os 5 senhores distintos enviados pelo Governo do Estado desbravando as matas onde hoje moramos. Imagino o que eles devem ter passado nos dias em que estiveram dentro da mata. Não é qualquer um que se lança em meio a um lugar cheio de animais selvagens que poderiam atacar sem aviso prévio, mas não somente os perigos feitos de pelos, garras e presas e talvez a “saudade”, o animal mais perigoso de todos. Esses homens deixaram suas esposas, filhos e o conforto de suas casas para andar por vários dias e criar uma terra com história e cultura própria e sou imensamente grata pela coragem deles.

    Esforcei mais um pouco a mente já fatigada e ainda sentada debaixo da mangueira imaginei os homens, depois de passarem pelas sucuris e onças, chegando à margem do rio – em um dia de domingo precisamente o que deu origem ao nome da cidade –, e após uma análise mais detalhada do terreno Bertolo e seus companheiros de comitiva devem ter pensado como todos os outros colonizadores de grandes povos que ali seria o lugar certo para começar uma pequena vila, a inicial e modesta vila de São Domingos e que eles nem imaginavam que se tornaria um dos municípios mais prósperas do Norte do Espírito Santo naquela época.

    Com o chapéu em mãos penso que Bertolo espantou os insetos e mosquitos que zuniam em seus ouvidos para longe, às margens do rio, ele deve ter pensado.

    “Parece ser um bom lugar para começar.”

    E com o polegar talvez apontou para onde poderiam furar o poço e nele colheriam a água para matar a sede dos trabalhadores que construiriam as primeiras casas do vilarejo, e do outro lado um pouco mais acima poderiam construir uma pequena fazenda com um curral bem próximo para criar as vascas que forneceriam o leite e a carne, além de um galinheiro, ali poderiam criar alguns animais pequenos para suprir a necessidade de alimentação e produzir ovos para as senhoras prepararem deliciosos bolos e pães.

    Acredito que isso foi só o começo de uma luta árdua contra a dúvida, a incerteza de que a terra prosperaria e de que daria bons frutos assim como a minha fiel mangueira. Naquela época a maioria do trabalho era realizado braçalmente, os homens e mulheres arregaçavam as mangas e trabalhavam enfrentando o que fosse. E o que seria das grandes civilizações sem o seu povo trabalhador? O que seria do Egito sem seu povo capaz de criar enormes pirâmides no meio do deserto quase sem vida? O que seria da Roma Antiga sem os seus grandes pensadores idealizando sobre a vida e sua existência? E a Arte Grega sem seus escultores habilidosos, homens de grande sensibilidade e talento? Muitas pessoas podem pensar que sou presunçosa e até mesmo você, que a modéstia me falha, mas amo a terra que me acolheu assim como todos os moradores das grandes nações e imagino que o meu pensamento não esteja de todo equivocado, mas sou uma apenas uma simples professora aposentada.

    Os primeiros moradores da nossa cidade, sobretudo descendentes de italianos e alemães, devem ter chegado aqui em uma manhã ensolarada com o mesmo afinco dos povos das grandes civilizações, quando os pássaros ainda animados ecoavam cantos por toda parte. Imagino as mulheres trajadas em longos e largos vestidos com mangas afofadas, tiaras coloridas no alto da cabeça e serpenteando entre suas pernas iam as crianças catando músicas de roda, os seus pais, por outro lado, cortando caminho para todos vestidos em seus paletós e chapéus pontudos na cabeça.

    – Lá naquela terra plana me parece ser um bom lugar para a produção de cacau, aquela terra mais na frente pode produzir cana-de-açúcar de boa qualidade e nas encostas podemos iniciar a plantação de café – deve ter tido um deles animado com as terras a perder de vistas que observou quando chegou no lugar em que iria morar. Levaria tempo até acertar tudo, mas todos tinham certeza de que conseguiriam formar um lar para os seus filhos.

    Quando haviam escolhido o local para viver os primeiros moradores construíram suas casas e estabelecimentos, as pequenas vendas que venderiam arroz e feijão para saciar a fome do povo. Mas as pessoas também precisavam de um lugar para se reunirem e depositarem sua fé, alimentando a alma. A primeira igrejinha – uma modesta capela penso eu – deve ter sido bem pequena com bancos de gabiru bem envernizados e de bom acabamento, uma cruz de ferro no alto do telhado para espantar o mal agouro e uma imagem de cristo bem acima do altar. Também nenhum lugar prosperou sem sua fé e a nossa terra também não poderia.

     Enquanto as pessoas iam chegando e colonizando todo o vale do rio a cidade ia se desenvolvendo, crescendo e adquirindo forma. Imagino que o primeiro carro – automóvel trazido por um dos imigrantes que vieram para a cidade– deve ter aguçado a curiosidade das crianças que nasceram na vila, pois era uma realidade bastante diferente do que elas viam ali. Mas calculo que nada deve ter superado a chegado do primeiro telefone, com ele os homens que chefiavam o lugar poderiam entrar em contato com as pessoas da cidade vizinha e assim estabelecer uma aliança com outras pessoas.

     Eu cheguei aqui por volta de 1950. Depois de mais ou menos uns 8 anos e muito trabalho, quando as pessoas já batiam no peito e se declaravam dominguenses, finalmente a vila passou a ser cidade. Para as pessoas que moravam aqui foi um grande acontecimento, pois isso mudava tudo, os recursos começariam a chegar para que São Domingos começasse a andar com as próprias pernas e mostrar porque merecia esse voto de confiança, mas a alegria durou pouco porque o prefeito de Colatina – cidade na qual morei muitos anos antes de São Domingos – entrou na justiça e reverteu o processo. Uma batalha perdida, mas não a guerra.

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