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Ciência judaica?

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Por:   •  3/5/2014  •  Tese  •  5.219 Palavras (21 Páginas)  •  184 Visualizações

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Ciência judaica?

Pode-se afirmar que após o encontro decisivo com Jung nos anos iniciais do século XX, quando este se engajou decididamente no movimento psicanalítico e se inscreveu nos cânones teóricos do discurso psicanalítico, Freud decerto ficou bastante aliviado. A indagação que se impõe aqui, antes de mais nada, é a razão pela qual Freud ficou aliviado, de maneira que o dito encontro tenha sido decisivo e crucial na história da psicanálise.

Contudo, a resposta a esta questão não pode ser linear, nem tampouco simplista, mas deve articular, em contrapartida, diversos eixos e dimensões teóricas, para conferir a esta afirmação a sua devida complexidade e densidade. Com efeito, na resposta efetiva a esta questão crucial conjugam-se linhas de força oriundas de diferentes registros teóricos, sejam estes de ordem epistemológica, étnica e política, que se articulam de maneira específica. O dito alívio de Freud, enfim, deve ser interpretado como a resultante desta condensação particular de registros.

Assim, com este encontro crucial com Jung, Freud supunha que a psicanálise poderia sair não apenas de seu isolamento científico em Viena e estabelecer laços sociais importantes com a poderosa tradição psiquiátrica da Suíça, comandada por Bleuler e concentrada no hospital Burghölzli, mas principalmente deslocar-se de modo definitivo do gueto judaico a que estava até então restrita. Se desta maneira específica a psicanálise poderia ser transformada num movimento internacional de fato, é preciso compreender devidamente o que isso significa de forma específica, e não genérica (FREUD & ABRAHAM, 1969; FREUD & JUNG, 1975), neste contexto histórico e social.

Com efeito, pela internacionalização da psicanálise como saber e do movimento psicanalítico como sua contrapartida clínica e institucional, Freud supunha então que a psicanálise sairia definitivamente do gueto judaico, e que como discurso teórico não seria mais identificada como uma ciência judaica (idem, idem). Era como tal que a psicanálise tinha sido reconhecida desde a sua emergência histórica, na passagem do século XIX para o XX. Portanto, seria em decorrência disso que a dupla abertura do movimento psicanalítico, em direção à psiquiatria suíça e orientada para um país de tradição religiosa protestante, era decisiva para Freud.

Dessa maneira, para Freud, a psicanálise não poderia ser efetivamente reconhecida como uma ciência de fato e de direito - para retomar a expressão cunhada por Kant (1971) -, se não pudesse aceder a um reconhecimento sem fronteiras, isto é, pelo qual não seria inscrita nem nos registros da nacionalidade, nem tampouco no da etnia e no da religião. Isso implica dizer que a psicanálise, para ser reconhecida como a ciência do inconsciente (FREUD, 1900/1976), deveria se desembaraçar de tudo e de qualquer particularismo, seja este de ordem política, nacional, religiosa e étnica. Seria esta, enfim, a condição concreta de possibilidade para que a psicanálise pudesse ser reconhecida na sua universalidade, como ocorreria, aliás, com os demais discursos científicos.

Seria justamente em decorrência disso que a psicanálise poderia ainda surpreender e até mesmo subverter os espíritos, na medida em que não seria restrita nem tampouco aprisionada por qualquer particularismo. Não sabemos se Freud de fato disse a Jung, na chegada aos Estados Unidos para proferir as célebres conferências na Universidade de Clark (FREUD, 1910/1975), que a psicanálise traria a "peste" aos norte-americanos e não o relaxamento emotivo para uma vida moral feliz, em oposição às expectativas de Jung e à esperança daqueles cidadãos (idem).

Contudo, se tal formulação foi ou não verdadeira, este enunciado cortante de Freud permaneceu nos arquivos históricos da psicanálise e no imaginário do movimento analítico internacional como a proposição fundamental da ética da psicanálise. Com efeito, a "peste" seria o significante maior para designar o que existiria de real no inconsciente e nos desdobramentos inquietantes da sexualidade para o sujeito.

No entanto, se nós não podemos asseverar efetivamente a veracidade histórica desta formulação de Freud a Jung, podemos decerto afirmar, em contrapartida, que a ruptura definitiva entre os dois homens se forjou em torno desta problemática específica. Assim, segundo a leitura de Freud e do movimento psicanalítico de então, Jung não teria sido fiel aos pressupostos teóricos e éticos da psicanálise, delineados em torno do que existiria de real na sexualidade e no inconsciente, ao enunciar a pertinência teórica deste registro psíquico na exterioridade do sexual (idem). Com efeito, isso apareceu quando Jung realizou diversas conferências nos Estados Unidos, as quais foram publicadas em seguida como livro, em 1912 (JUNG, 1974).

A ruptura teórica e institucional entre Freud e Jung foi assim estabelecida de forma definitiva. Este acontecimento marcou, desde então a história da psicanálise de maneira imediata e mediata, já que Jung tinha sido escolhido por Freud como seu sucessor na direção do movimento psicanalítico internacional. Um remanejamento crucial nesse campo ocorreu neste momento, marcando de modo indelével as linhas de força do movimento analítico (JONES, 1970).

Ruptura com o gueto judaico?

Freud não teve qualquer medo de empreender a ruptura com Jung, não obstante a importância estratégica que atribuíra a ele no campo do movimento psicanalítico internacional, quando certos pressupostos básicos da psicanálise, teóricos e éticos foram por este colocados em questão. Em Contribuição à história do movimento psicanalítico (FREUD, 1914/1975), ensaio publicado em 1914 no qual fazia um balanço crítico da difusão internacional da psicanálise desde a sua emergência histórica, Freud dissera diretamente e sem qualquer equívoco que quem não aceitasse a existência da transferência e da resistência jamais poderia se inscrever no campo psicanalítico. Isso porque seria através destas, com efeito, que os registros do inconsciente e da sexualidade seriam enunciados de modo efetivo no campo da experiência analítica.

Pode-se evocar muitas coisas sobre este momento decisivo na história do movimento analítico, que funcionou como um real divisor de águas, pois decerto o relançou para outras direções e perspectivas. Antes de mais nada, ficou claro que o dito 'movimento analítico' não estava mais restrito ao gueto judaico, como ocorria no começo do século, se nos valermos das informações difundidas por Freud no ensaio supracitado. Neste novo panorama,

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