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Desmilitarização Ou Unificação Das Polícias

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Por:   •  24/11/2013  •  1.847 Palavras (8 Páginas)  •  261 Visualizações

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A Polícia Militar brasileira é um modelo anacrônico de segurança pública que favorece abordagens policiais violentas, com desrespeito aos direitos fundamentais do cidadão

Por Túlio Vianna

Uma das heranças mais malditas que a ditadura militar nos deixou é a dificuldade que os brasileiros têm de distinguir entre as funções das nossas Forças de Segurança (polícias) e as das nossas Forças Armadas (exército, marinha, aeronáutica). A diferença é muito simples: as Forças de Segurança garantem a segurança interna do Estado, enquanto as Forças Armadas garantem a segurança externa. Polícias reprimem criminosos e forças armadas combatem exércitos estrangeiros nos casos de guerra.

Diante das desmensuradas diferenças de funções existentes entre as Forças de Segurança e as Forças Armadas, é natural que seus membros recebam treinamento completamente diferente. Os integrantes das Forças Armadas são treinados para enfrentar um inimigo externo em casos de guerra. Nessas circunstâncias, tudo que se espera dos militares é que matem os inimigos e protejam o território nacional. Na guerra, os prisioneiros são uma exceção e a morte é a regra.

As polícias, por outro lado, só deveriam matar nos casos extremos de legítima defesa própria ou de terceiro. Seu treinamento não é para combater um inimigo, mas para neutralizar ações criminosas praticadas por cidadãos brasileiros (ou por estrangeiros que estejam por aqui), que deverão ser julgados por um poder próprio da República: o Judiciário. Em suma: enquanto os exércitos são treinados para matar o inimigo, polícias são treinadas para prender cidadãos. Diferença nada sutil, mas que precisa sempre ser lembrada, pois muitas vezes é esquecida ou simplesmente ignorada, como na intervenção no Complexo do Alemão na cidade do Rio de Janeiro ou em tantas outras operações na qual o exército tem sido convocado para combater civis brasileiros.

O militarismo se justifica pelas circunstâncias extremas de uma guerra, quando a disciplina e a hierarquia militares são essenciais para manter a coesão da tropa. O foco do treinamento militar é centrado na obediência e na submissão, pois só com estas se convence um ser humano a enfrentar um exército inimigo, mesmo em circunstâncias adversas, sem abandonar o campo de batalha. Os recrutas são submetidos a constrangimentos e humilhações que acabam por destituí-los de seus próprios direitos fundamentais. E se o treinamento militar é capaz de convencer um soldado a se deixar tratar como um objeto na mão de seu comandante, é natural também que esse soldado trate seus inimigos como objetos cujas vidas podem ser sacrificadas impunemente em nome da sua bandeira.

A sociedade reclama do tratamento brutal da polícia, mas insiste em dar treinamento militar aos policiais, reforçando neles, a todo momento, os valores de disciplina e hierarquia, quando deveria ensiná-los a importância do respeito ao Direito e à cidadania. Se um policial militar foi condicionado a respeitar seus superiores sem contestá-los, como exigir dele que não prenda por “desacato à autoridade” um civil que “ousou” exigir seus direitos durante uma abordagem policial? Se queremos uma polícia que trate suspeitos e criminosos como cidadãos, é preciso que o policial também seja treinado e tratado como civil (que, ao pé da letra, significa justamente ser cidadão).

O treinamento militarizado da polícia brasileira se reflete em seu número de homicídios. A Polícia Militar de São Paulo mata quase nove vezes mais do que todas as polícias dos EUA, que são formadas exclusivamente por civis. Segundo levantamento do jornal Folha de S. Paulo divulgado em julho deste ano, “de 2006 a 2010, 2.262 pessoas foram mortas após supostos confrontos com PMs paulistas. Nos EUA, no mesmo período, conforme dados do FBI, foram 1.963 ‘homicídios justificados’, o equivalente às resistências seguidas de morte registradas no estado de São Paulo”.Neste estado, são 5,51 mortos pela polícia a cada 100 mil habitantes, enquanto o índice dos EUA é de 0,63 . Uma diferença bastante significativa, mas que, obviamente, não pode ser explicada exclusivamente pela militarização da nossa polícia. Não obstante outros fatores que precisam ser levados em conta, é certo, porém, que o treinamento e a filosofia militar da PM brasileira são responsáveis por boa parte desses homicídios.

Nossa Polícia Militar é uma distorção dos principais modelos de polícia do mundo. Muitos países europeus possuem gendarmarias, que são forças militares com funções de polícia no âmbito da população civil, como a Gendarmerie Nationale na França, os Carabinieri na Itália, a Guardia Civil na Espanha e a Guarda Nacional Republicana em Portugal. As gendarmarias, porém, são bem diferentes da nossa Polícia Militar, a começar pelo fato de serem nacionais, e não estaduais. Em geral, as atribuições de policiamento das gendarmarias europeias se restringem a áreas rurais, cabendo às polícias civis o policiamento, tanto ostensivo como investigativo, das áreas urbanas, o que restringe bastante o âmbito de atuação dos militares. As gendarmarias europeias também são polícias de ciclo completo, isto é, realizam não só o policiamento ostensivo, mas também são responsáveis pela investigação policial.

No Brasil, a Constituição da República estabeleceu no seu artigo 144 uma excêntrica divisão de tarefas, na qual cabe à Polícia Militar realizar o policiamento ostensivo, enquanto resta à Polícia Civil a investigação policial. Esta existência de duas polícias, por óbvio, não só aumenta em muito os custos para os cofres públicos que precisam manter uma dupla infraestrutura policial, mas também cria uma rivalidade desnecessária entre os colegas policiais que seguem duas carreiras completamente distintas. O jovem que deseja se tornar policial hoje precisa optar de antemão entre seguir a carreira de policial ostensivo (militar) ou investigativo (civil), criando um abismo entre cargos que seriam visivelmente de uma mesma carreira.

Nos EUA, na Inglaterra e em outros países que adotam o sistema anglo-saxão, as polícias são compostas exclusivamente por civis e são de ciclo completo, isto é, o policial ingressa na carreira para realizar funções de policiamento ostensivo e, com o passar do tempo, pode optar pela progressão para os setores de investigação na mesma polícia. Para que se tenha uma ideia de como esse sistema funciona, um policial no Departamento de Polícia de Nova York (NYPD) ingressa na carreira como agente policial (police officer) para exercer atividades de polícia ostensiva (uniformizado), tais como responder chamadas, patrulhar, perseguir criminosos etc.

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