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Literatura

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Por:   •  1/10/2013  •  Seminário  •  3.126 Palavras (13 Páginas)  •  230 Visualizações

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CASTELLO, José Aderaldo. A perfeição buscada e alcançada. In: Realidade e ilusão em Machado de Assis. São Paulo: Nacional, 1969. p. 157-166. [181 p.]

[157] I

Machado de Assis reconheceu nas vicissitudes da trajetória do homem a presença atuante do poder conjugado da fatalidade e do mistério, isto é, do inexplicável. Não que ele acreditasse numa coisa ou noutra. Se assim procedeu foi antes em virtude da explicação insuficiente do que em contradição ao seu pensamento analítico. Podemos chegar a esclarecimentos sociais, morais, éticos, metafísicos. O que perdura, na compreensão comum e limitada, é a impressão vaga e indefinida do destino que pune e adverte o homem. Nem sempre se leva em conta o livre-arbítrio, ou seja, o direito de escolha da pessoa adequada ou não. As interrogações ou os protestos inconformados, por isso mesmo, são frequentes no mundo que abriga a concepção machadiana do amor. Admite-se, porém, o exemplar: erigido ao plano sugestivo das forças punitivas e expurgantes, visa ao destino comum. É como se a própria vida se autopurificasse no processo contínuo e vigiado da procura e da recomposição de uma linha substancial de harmonia e perfeição. E a sua meta final é assim incessantemente buscada, uma vez que a realidade gerada pelos contactos humanos, sempre insatisfeitos, continuamente a apaga. Nos termos propostos, devemos considerar a filiação da obra de Machado de Assis em impressões poderosas que lhe deixaram a leitura de trágicos gregos e de Shakespeare, mais as contingências exteriores da vida, submetidas, na sua transposição para o mundo da ficção, à demonstração sintética da veracidade. Ainda mais, deve ter pesado também de maneira considerável a necessidade religiosa, ou melhor, o sentimento evangélico, que leva [158] Machado de Assis a reconhecer a presença vigilante e a assistência reconfortadora de Deus ou o imponderável do próprio sentimento cristão.

A propósito de Helena, protagonista do romance de mesmo nome, o Autor, ainda na velhice, confessa manter a particular simpatia que sempre lhe dedicou. Tanto mais que, no desenrolar deste romance, ele evitou para si e para o leitor qualquer forma de julgamento direto da heroína: ao contrário, ela avulta banhada da simpatia e comoção dos que a rodeiam. É por sugestão. do romancista que o leitor a pressente fora do tempo e do espaço, embora vítima das fraquezas e concessões alheias em jogo com as grandezas humanas. Agora, em Esaú e Jacó (1904), verifica-se o. mesmo em relação a Flora, talvez mais desprendida da terra do que Helena. Lembremos a pungência, mas com o poder de nos resignar, que o. romancista empresta ao momento da morte de Helena, transcrito em parte anterior. Comparemo-lo com o quadro da morte de Flora, de transparente pureza, igualmente com o poder mágico da aceitação tranquilizadora:

A morte não tardou. Veio mais depressa do que se receava agora. Todas [as pessoas] e o pai acudiram a rodear o leito, onde os sinais da agonia se precipitavam. Flora acabou como uma dessas tardes rápidas,

não tanto que não façam ir doendo as saudades do dia; acabou tão serenamente que a expressão do rosto, quando lhe fecharam os olhos, era menos de defunta que de escultura. As janelas, escancaradas, deixavam entrar o sol e o céu.

Encontramos nos quadros referidos um profundo sentimento, sobretudo. de simpatia humana, que aproxima e une os dois romances. Em ambos, é evidente a concepção trágica da vida, presidindo o destino. das duas heroínas, mas sob a atmosfera moral e afetiva que as envolve como. manto protetor contra as fraquezas terrenas. Igualmente, podemos estabelecer uma correlação estreita entre a presença do Padre Melchior num romance e a do Conselheiro Aires no outro, em comunhão íntima com o próprio Autor, que, ao mesmo. tempo, lhes toma [159] e empresta reflexões ponderadas e justas. Mas, no sentido geral aqui proposto e que nos leva à aproximação dos dois livros, Esaú e Jacó é, sem dúvida alguma, romance de extraordinária densidade, enriquecido pela reflexão e análise, amadurecidas, da sua substância temática.

É frequente lermos na obra do romancista, às vezes com o grifo da ironia comum às crônicas, a meia aceitação da fatalidade e do mistério, Dissemos que chegou a irritar-se com o. espiritismo, gracejou com as formas primárias da crença ou da superstição. Seja ou não com ironia, demonstrando as manifestações iniciais da loucura de Rubião, ele indica, no espírito ingênuo deste personagem, a retomada de impressões

marcantes recebidas na infância, a saber, alusões populares à transmigração. Foi assunto que preocupou o cronista, sugerido por leituras. Transfere-o. daí para o romance. Procura, (neste caso, a ambientação, que lhe possa ser adequada como manifestação primária de conduta humana, com poderes no inconsciente coletivo. Na qualidade de cronista, preocupado. com o conceito de progresso e evolução, ao apreciar a difusão do. espiritismo em fins do. século passado, ele via na sua prática não só uma ameaça ao. equilíbrio. psíquico do homem, como uma revivescência de comportamento primário. E nas crônicas, como sabemos, tudo vem sublinhado pela ironia:

Entretanto, pergunto eu: não se dará o progresso, algumas vezes, na própria terra? Citarei um fato. Conheci há anos um velho, bastante alquebrado e assaz culto, que me afirmava estar na segunda encarnação. Antes disso, tinha existido no corpo de um soldado romano, e, como tal, havia assistido à morte de Cristo. Referia-me tudo, e até circunstâncias que não constam das escrituras. Esse bom velho não falava da terceira e próxima encarnação sem grande alegria, pela certeza que tinha de que lhe caberia um grande cargo. Pensava na coroa da Alemanha... E quem nos pode afirmar que o Guilherme II que aí está, não seja ele? Há, repetimos, coisas na vida que é mais acertado crer que desmentir; e quem não puder crer, que se cale.

Para o que pretendemos demonstrar, silenciemos o riso dos primeiros períodos, e retomemos o último como. o [160] reco|nhecimento da incerteza admissível. Não é de estranhar que contenha uma das sugestões inspiradoras dos componentes de Esaú e Jacó. E dizemos uma sugestão, porque ela só não bastaria a Machado de Assis, como aceitação do inevitável e inexplicável pelo mistério, seja considerado ou não somente quanto à sua aparência. Por isso, com aquela sugestão, se ajusta uma outra, que também encontramos em crônicas. Numa, datada de 29 de setembro de 1895, a propósito do artesanato de loucos, ele escrevia:

Não, devota amiga de minha alma, o asilo que buscarei, quando a vida for tão agitada como a

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