O Melodrama de Filipe Miguez

Melodrama

em dois atos, de Filipe Miguez

        

concebido para o espetáculo da Cia. dos Atores, sob a direção de Enrique Diaz

SOBE O PANO. ENTRAM NO PALCO O AMNÉSICO E O ÉBRIO. SE RECONHECEM POR UM INSTANTE E SE ATRACAM, NUM MOVIMENTO DE ATRAÇÃO E REPULSA.

RIO DE JANEIRO, ANOS 50. GOMIDE ENTRA EM SEU GABINETE, FALANDO AO TELEFONE. SENTA-SE EM SUA POLTRONA E LIGA A TELEVISÃO.

GOMIDE (ao telefone) - Fotofóbico, Altair. Indivíduo que tem aversão, horror à luz. (...) Exato. É o meu caso. (...) São excelentes artistas. (...) Coloca no oito, vai começar.

NA TV COMEÇA A CENA QUE VEMOS TAMBÉM AO VIVO NO FUNDO DO PALCO. MULHER ESTÁ SOZINHA E APREENSIVA. HOMEM ENTRA.

HOMEM - Marli?

MARLI - Ah... É você...

HOMEM - O Geraldo morreu.

MARLI - O quê?

HOMEM - O Geraldo. Morreu. Aqui embaixo. Tava atravessando a rua e um carro pegou.

MARLI - O Geraldo não pode ser! O Geraldo não!

HOMEM - Não sabia que você era tão ligada a ele...

MARLI (fingindo indiferença) - Coitadinho... né?

GOMIDE - Aí tem, Altair!

HOMEM - Fratura exposta no crânio.

MARLI - Pelo amor de Deus.

HOMEM - Perda de massa encefálica e tudo, Marli.

MARLI - Me poupa dos detalhes, eu te imploro!

HOMEM - Sabe o que ele falou antes de morrer?

MARLI - Eu não quero saber!

HOMEM - Sabe?

MARLI - Por favor!

HOMEM - Falou teu nome! Morreu na porta da nossa casa e chamando por você!

MARLI - Geraldo! Eu te amo!

HOMEM - Vagabunda!

MARLI - Sempre te amei e sempre vou te amar!

HOMEM - Biscate!

MARLI - Não disse antes mas digo agora, Geraldo! Sou tua! Me leva contigo! Sou tua!

GOMIDE - Muito forte para o horário, Altair! Tipo de programinha insuportável. Não acompanho mais.

GOMIDE LEVANTA-SE PARA DESLIGAR A TV E A CENA AO FUNDO SE DESMANCHA.

GOMIDE - Não me ponha palavras na boca, Altair/ Vá para o inferno você! (bate o telefone) Arre! A gente liga a televisão para se divertir e acaba em combustão!

EUNICE (entrando) - Com licença, meu bem, posso entrar?

GOMIDE - Encoste a porta, sim, Eunice? Esta fotofobia me mata.

EUNICE - Eu tenho um assunto delicado para tratar com você.

GOMIDE - Eunice, se é sobre a ligação de Maria Sílvia com este rapaz, não há nada mais a ser dito.

EUNICE VAI SAINDO, HESITA E VOLTA.

EUNICE (com dificuldade) - Eles estão no vestíbulo, Gomide. Maria Sílvia e Carlos Artur. É muito importante que você os receba, meu bem.

GOMIDE - Diga a Maria Sílvia que entre. Quanto a este rapaz, a porta da rua é serventia da casa.

ENTRAM MARIA SÍLVIA E CARLOS ARTUR, A TEMPO DE OUVIR A ÚLTIMA FALA.

MARIA SÍLVIA - Papai!

CARLOS ARTUR - Boa noite, Dr. Gomide.

MARIA SÍLVIA - Carlos Artur e eu queremos conversar com o senhor.

GOMIDE (comprimindo os olhos por causa da luz) - Eu já disse e repito, minha filha. Você nunca terá minha aprovação para este romance, está me compreendendo?

EUNICE - Seja razoável, Gomide. Você sempre foi tão justo! Carlos Artur é um ótimo rapaz... Eu não vejo porque tanta objeção!

CARLOS ARTUR - Eu amo Maria Sílvia, Dr. Gomide. Por ela seria capaz do gesto mais extremado. Por Silvinha eu mato e morro!

GOMIDE - Eu já disse e repito! Una-se a qualquer um. Entregue-se ao primeiro vagabundo. Mas não se ligue a Carlos Artur, Maria Sílvia. Nem em pensamento!

MARIA SÍLVIA - Papai! O senhor me ofende!

CARLOS ARTUR - Vamos embora daqui, Silvinha.

MARIA SÍLVIA - Não! Agora ele vai me ouvir. (t) Papai...

GOMIDE - Olha o tom, Maria Sílvia!

MARIA SÍLVIA - Eu vim até aqui para pedir sua aprovação, pois a última coisa que quero na vida é contrariá-lo. Mas o senhor a nega. Nada me afastará de Carlos Artur, está me ouvindo? Nada se interporá ao nosso amor!

GOMIDE - Fecha a porta, Eunice, não posso enxergar...

CARLOS ARTUR (indo fechar a porta) - Pode deixar, Dona Eunice.

MARIA SÍLVIA - Papai! Eu estou falando com o senhor... Papai!

GOMIDE - Nada do que você possa dizer vai mudar o que eu penso, tá compreendendo, minha filha! Que inferno!

MARIA SÍLVIA - Então... só me resta comunicar-lhe o nosso casamento!

FORTE REAÇÃO DE GOMIDE.

CARLOS ARTUR - Já estão correndo os proclamas, Dr. Gomide.

EUNICE - Dê sua bênção aos dois, meu bem. Não vê o quanto faz sofrer sua filhinha?

GOMIDE - Nunca!

MARIA SÍLVIA - Então o senhor quer que eu troque meu empenho em um entendimento por um simples adeus?

EUNICE - Por favor, minha filha...

MARIA SÍLVIA - A senhora não interfira, mamãe. Fui seguir esta sua idéia/...

EUNICE - Você não fale assim com sua mãe, Maria Sílvia!