TrabalhosGratuitos.com - Trabalhos, Monografias, Artigos, Exames, Resumos de livros, Dissertações
Pesquisar

Uma Breve Reflexão Sobre a Canção Religiosa

Por:   •  11/9/2018  •  Artigo  •  2.538 Palavras (11 Páginas)  •  231 Visualizações

Página 1 de 11

Uma breve reflexão sobre a canção religiosa

Theógenes Eugênio Figueiredo(*)

RESUMO:

Afirma-se que todas as culturas utilizam o canto em sua prática religiosa. Propõe-se que o objeto do canto nas culturas religiosas seja denominado de canção religiosa. Discorre-se sobre os conteúdos e as funções das canções em geral e da canção religiosa em particular. Afirma-se que as canções são o maior receptáculo teológico de uma comunidade religiosa e que os textos das canções são polissêmicos, por isso necessitam de interpretação. Constata-se que a canção religiosa extrapolou as fronteiras do seu contexto, configurando-se como um comportamento presente na “cultura gospel”. Discorre-se sobre o conceito “cultura gospel”.

Toda cultura tem associada à sua prática religiosa o uso da música, principalmente a música cantada. Pesquisas etnomusicológicas confirmam a utilização do canto em todos os rituais das diversas culturas religiosas.

O canto existente nos diversos rituais materializam-se em canções que se apresentam nas mais variadas formas e formatos. As canções, por suas peculiaridades e pela sua conexão com a linguagem, “dão liberdade para expressar pensamentos, ideias e comentários que não podem ser declarados diretamente em uma situação normal de comunicação”.[1] Uma canção é uma expressão que foi elaborada individual ou coletivamente com o propósito de comunicar algo às pessoas. Uma canção não pode ser considerada sem significação, por mais simples que possa parecer.

Na canção intencionalmente destinada a ser cantada pela sociedade de massa efetiva-se o encontro de um lugar ideal no qual o canto exerce seu domínio de tangenciar a fala. Esse tangenciamento da fala pelo canto tornou-se uma das principais características das canções populares e estas, além de serem utilizadas como mercadoria pelas gravadoras, foram usadas como veículo de comunicação por possuir uma oralidade básica e propiciarem um campo privilegiado para se “falar” dos problemas que afligem a sociedade.[2] Muitas ideias, talvez seja melhor dizer, todas as ideias são transmissíveis por seu intermédio.

Uma canção é considerada uma poesia cantada, carregando em si uma propriedade “inerente e efetiva da poesia” que é a “capacidade de reiteração, imediata ou retardada, a reificação de uma mensagem poética [e/ou religiosa] e de seus constituintes, [e] a conversão de uma mensagem em algo duradouro”[3].

Os termos mais utilizados para nomear a música cantada nos rituais é uma “festa de conceitos”[4]. Isto é, muitos nomes para nomeá-la, mas nenhum contempla os aspectos peculiares do texto (poema) musicado com finalidade litúrgica. Os termos utilizados são: cântico litúrgico, cantos litúrgicos, salmo, cântico bíblico, hino evangelístico ou canção evangelística, cânticos, corinho e, mais recentemente, louvor.

Nenhum desses nomes é tão abrangente que abarque a realidade existente no universo da música religiosa nos dias de hoje. Propõe-se que o objeto do canto comunitário eclesiástico seja chamado simplesmente de canção religiosa, conceituando-a como “uma composição musical [com texto religioso] planejada ou adaptada para o canto”[5].

Os estudiosos do assunto afirmam que os textos das canções são receptáculos de características das culturas religiosas e ao mesmo tempo emissores de sinais simbólicos da religiosidade de um grupo/comunidade. Em outras palavras, os textos das canções são descrições de informações características das religiosidades e ao mesmo tempo prescrições de tais características, configurando-se em uma fonte rica de dados sobre a cultura, e particularmente, sobre a cultura religiosa de um determinado grupo/comunidade.

No meio evangélico se considera que o “hinário é o mais eficiente manual de teologia da comunidade cristã e [...] a teologia que mais se imprime no coração do povo é a que se canta e não a que fica encerrada nos textos eruditos”[6]. As letras das canções religiosas são apontadas como um fator “muito mais importante que os discursos religioso, doutrinário, ou teológico”[7]. O sociólogo Antonio Gouvêa Mendonça afirma que “o melhor material para um levantamento da teologia [...] é a hinódia [...], que está inteiramente à nossa disposição”[8].

As canções são modos de expressão (falas) sobre a relação entre o indivíduo que as produz e a cultura religiosa. Isto acontece porque as canções são modos de expressão da relação entre as experiências religiosas individual e comunitária. Isto também acontece porque, como afirmou o antropólogo social e etnomusicólogo John Blacking, a “música é um produto do comportamento de grupos humanos, quer formal ou informal: a música é o som humanamente organizado”[9], ou, como afirmou o musicólogo Jean-Jacques Nattiez, “a ‘música’ é um fato sonoro construído, organizado, ou pensado por uma cultura.”[10] Portanto, a música “é uma síntese do processo cognitivo que está presente na cultura e no indivíduo: as formas que a música assume e os efeitos que ela tem sobre as pessoas, são gerados pelas experiências sociais dos indivíduos em diferentes contextos culturais. [... A música] expressa aspectos da experiência dos indivíduos na sociedade.”[11] Logo, os textos das canções de um grupo religioso devem conter em sua expressão direta (estrutura intencional de primeiro grau) ou metafórica (estrutura intencional de segundo grau) o modo de ser dessa comunidade.

Um exemplo de pesquisa realizada nos textos das canções foi a apresentada por Mendonça no livro O celeste porvir. Na pesquisa, Mendonça analisou os textos das canções do hinário Salmos e Hinos e constatou que os temas tratados distribuíam-se em quatro assuntos: pietismo, peregrinação, “guerra santa” e o milenarismo[12].

Outro exemplo de pesquisa nos textos das canções foi a realizada pelo antropólogo Eduardo Viveiros de Castro sobre o povo indígena Araweté da Amazônia oriental que buscou nas letras das “canções de guerra araweté” o apoio etnográfico imediato para entender o ritual do canibalismo praticado por aquele povo[13].

...

Baixar como (para membros premium)  txt (17.2 Kb)   pdf (191.7 Kb)   docx (20.5 Kb)  
Continuar por mais 10 páginas »
Disponível apenas no TrabalhosGratuitos.com