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Ciências Sociais

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Por:   •  1/4/2014  •  8.026 Palavras (33 Páginas)  •  500 Visualizações

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Ciências Sociais

Apresenta ção.......................................................................................................................................................7

Introdução............................................................................................................................................................7

Unidade I

1 Introdução ao pensamento científico sobre o social....................................................13

1.1 As origens do pensamento científico sobre o social...............................................................13

1.2 A sociologia pré-científica.................................................................................................................16

1.2.1 Renascimento............................................................................................................................................16

1.2.2 O século das luzes....................................................................................................................................19

1.3 O pensamento científico sobre o social.......................................................................................23

1.3.1 Augusto Comte (1798-1857)..............................................................................................................23

2 Transformações sociais do século XVIII....................................................................................27

2.1 Revoluções burguesas.........................................................................................................................27

2.1.1 Revolução Francesa................................................................................................................................28

2.1.2 Revolução Industrial...............................................................................................................................30

3 As principais contribuições do pensamento sociológico clássico.......................38

3.1 Émile Durkheim e o pensamento positivista.............................................................................39

3.1.1 A relação indivíduo versus sociedade.............................................................................................. 41

3.1.2 Os fatos sociais e a consciência coletiva........................................................................................42

3.1.3 O crime.........................................................................................................................................................43

3.1.4 Solidariedade mecânica e orgânica..................................................................................................45

3.2 Karl Marx e o materialismo histórico e dialético.....................................................................47

3.2.1 Divisão do trabalho social....................................................................................................................49

3.2.2 Classes sociais............................................................................................................................................50

3.2.3 Salário, valor, lucro e mais-valia........................................................................................................ 51

3.2.4 Ideologia burguesa e alienação.........................................................................................................52

3.2.5 A amplitude da contribuição de Karl Marx...................................................................................53

3.3 Max Weber e a busca das conexões de sentido........................................................................54

3.3.1 Ação social e tipo ideal..........................................................................................................................54

3.3.2 A tarefa do cientista...............................................................................................................................55

3.3.3 A ética protestante e o espírito do capitalismo..........................................................................56

3.3.4 Teoria da burocracia e os tipos de dominação............................................................................58

4 A formação da sociedade capitalista no Brasil..................................................................60

4.1 Industrialização e formação da sociedade de classes............................................................ 61

4.2 O capitalismo dependente................................................................................................................. 61

Unidade II

5 a Globalização e suas consequências........................................................................................ 70

5.1 A globalização comercial e financeira..........................................................................................72

5.2 As novas tecnologias...........................................................................................................................73

5.3 A globalização cultural.......................................................................................................................74

6 Transformações No MUNDO DO Trabalho................................................................................75

6.1 Precarização das relações de trabalho..........................................................................................76

6.2 Desemprego estrutural e informalidade......................................................................................78

7 Política e relações de poder: participa ção política e direitos do cidadão......82

7.1 Política, poder e Estado......................................................................................................................82

7.1.1 Interesses particulares, grupais e gerais.........................................................................................83

7.2 Democracia e cidadania.....................................................................................................................83

7.3 Participação política.............................................................................................................................84

8 As Questões urbanas e os movimentos sociais.....................................................................86

8.1 A cidade e seus problemas................................................................................................................87

8.2 Violência urbana....................................................................................................................................87

8.3 Movimentos sociais..............................................................................................................................88

8.3.1 Características dos movimentos sociais: identidade, oposição e totalidade...................90

8.4 A sociedade em movimento.............................................................................................................92

8.4.1 O movimento feminista........................................................................................................................93

8.4.2 O movimento ambientalista................................................................................................................95

8.5 Movimentos da sociedade em rede...............................................................................................97

8.6 Os novos movimentos sociais........................................................................................................101

7

Apresentação

Caro aluno,

Partindo das premissas básicas que norteiam a missão da universidade de atuar para o progresso da

comunidade, para o fortalecimento da solidariedade entre os homens e para o desenvolvimento do país,

a disciplina Ciências Sociais visa contribuir com a compreensão da realidade global através do estudo da

formação da sociedade contemporânea.

Para isso, os objetivos da disciplina se focam numa compreensão construída sob a perspectiva

científica, a fim de permitir o entendimento dos principais problemas da sociedade capitalista a partir

do desenvolvimento das seguintes competências:

• Senso crítico e capacidade de contextualização;

• Pensamento estratégico;

• Visão sistêmica;

• Consciência ética e social.

Além disso, através das estratégias de trabalho e de avaliação, os alunos deverão ter a oportunidade

de também aprimorar:

• A comunicação e a expressão;

• O desenvolvimento pessoal;

• O trabalho em equipe.

De forma mais específica, o objetivo primeiro da disciplina Ciências Sociais é levar os estudantes a

compreender que o capitalismo é um modo de organização econômica e social construído historicamente

e refletir sobre os fundamentos teóricos desse modelo de sociedade.

Outro objetivo da disciplina tem a ver com o aprendizado dos diferentes princípios explicativos para

os fenômenos sociais. Esses princípios abarcam diferentes estilos de pensamento e distintas visões de

sociedade e de mundo.

Por fim, busca-se a formação de um profissional ético, competente e comprometido com a sociedade

em que vive e, principalmente, que reflita frente aos diferentes princípios explicativos sobre os problemas

latentes do mundo contemporâneo.

Introdução

O propósito deste texto é fornecer aos alunos material de apoio para o acompanhamento da

disciplina Ciências Sociais. A primeira questão que precisa ser colocada é: qual o sentido do aprendizado

das ciências sociais na formação universitária?

8

As ciências sociais se definem a partir da possibilidade de o homem contemporâneo entender a

realidade social em que vive sob uma perspectiva científica.

A sociologia como ciência é vista por Mills (1965, p. 11) como um “conhecimento capaz de conduzir

o homem comum a compreender os nexos que ligam sua vida individual com os processos sociais mais

gerais”. A percepção que o homem comum tem da realidade social é marcada pelo seu cenário mais

imediato, o do cotidiano, levando-o à formação de uma visão distorcida do todo. Segundo Mills (1965),

a superação dessa condição de alienação se dá com o desenvolvimento do que chama de “imaginação

sociológica”, que permite “usar a informação e desenvolver a razão”.

Ianni (1988) aponta que a realidade não se mostra em sua totalidade e que a compreensão abrangente

do mundo depende da ciência. O autor concebe a sociologia como a autoconsciência da sociedade, pela

sua capacidade de levar o ser humano a refletir sobre os rumos da vida social.

Ao refletir sobre o sentido da sociologia, Giddens (2001) atribui a essa ciência um papel central para a compreensão

das forças sociais que vêm transformando nossas vidas. Para ele, a vida social tornou-se episódica, fragmentária e

marcada por incertezas. Sendo assim, o pensamento sociológico deve contribuir para seu entendimento.

Todos nós vivemos em sociedade e, pela nossa condição humana, somos capazes de elaborar uma visão

sobre o mundo e formular hipóteses e opiniões sobre os eventos sociais. No entanto, isso ainda não é ciência.

O que vai caracterizar a reflexão científica sobre o social é a utilização de métodos adequados de análise

e formulação de teorias. Mesmo sem ter estudado uma ciência, todas as pessoas conhecem certos fatos

sociais. Os temas do nosso curso são familiares ao senso comum, porém, espera-se que vocês, estudantes,

superem esse senso comum para desenvolver uma reflexão mais elaborada sobre a sociedade em que

vivem. É importante salientar que o conhecimento científico é crítico, pois esforça-se por descobrir bases

sólidas e justificações claras e exatas, enquanto o senso comum limita-se ao conhecimento superficial.

Figura 01 – Homem e engrenagens girando

Por ser uma ciência que se preocupa com o entendimento das regras que organizam a vida social,

a sociologia desenvolveu métodos de análise que buscam tornar a ação social humana explicável por

meio de informações baseadas em conhecimentos precisos. O saber sociológico é organizado e isso se

evidencia no empenho pela construção de sistemas que formem conjuntos nos quais os elementos

estejam relacionados de maneira ordenada. Ainda, outra característica da sociologia é que seus

conhecimentos são gerais, ou seja, trata-se de um conjunto de fatos e situações e não apenas de um

estudo de determinadas circunstâncias isoladas.

9

Desse modo, o conhecimento científico sobre o mundo social não é produto de uma sequência de

acasos ou situações imprevisíveis. É preciso orientar a inteligência para certa noção de ordem social, pois

a realidade social é capaz de ser observada, entendida e explicada à luz da razão.

Ao explicar relações entre acontecimentos complexos e diferenciados, o conhecimento sociológico

permite ao ser humano transpor os limites de sua condição particular e perceber-se como parte de

uma totalidade mais ampla. Isso faz da sociologia um conhecimento indispensável num mundo que

diferencia e isola os homens e os grupos entre si.

Figura 02 – Livros

Mas, afinal, o que se estuda na disciplina Ciências Sociais?

Iniciamos nosso curso discutindo o processo de formação do pensamento científico sobre o mundo

social. Procuraremos conhecer a sociedade capitalista na qual estamos imersos sob a perspectiva

científica. Para tanto, será necessário refletir sobre os fundamentos desse modelo de organização social

que se desenvolveu na Europa a partir do século XV.

Num segundo momento, discutiremos rapidamente um conjunto de transformações sociais que

ocorreram na Europa no século XVIII e conduziram o sistema capitalista a se firmar como hegemônico

no mundo.

Em seguida, discutiremos sobre as principais contribuições de autores clássicos da sociologia. A

intenção dessa discussão é refletirmos conjuntamente sobre a pertinência das análises desses autores

no entendimento do mundo atual.

Não podemos deixar de discutir também a sociedade brasileira. Por isso, vamos abordar como se deu a

inserção do Brasil no sistema capitalista, sua industrialização, sua urbanização e procuraremos entender

de que maneira criamos um sistema econômico dependente de recursos e tecnologia externos.

De posse de referências mais consistentes sobre o sistema capitalista, nos voltaremos à compreensão

da sociedade atual. Discutiremos o que é globalização, o impacto das novas tecnologias e seguiremos

analisando as transformações no mundo do trabalho que têm conduzido aos processos de precarização

do trabalho, desemprego e informalidade.

10

No senso comum, é usual encontrarmos pessoas simples que atribuem todas as mazelas de sua

existência ao governo. Como queremos fugir do senso comum, vamos refletir: afinal, o que é política? O

que é poder? Qual é o papel do Estado? A participação política é importante?

Dedicaremos o final do nosso curso para analisar as questões urbanas. Sabemos hoje que a maior

parte da população brasileira vive em áreas urbanas, e essas são portadoras de inúmeros problemas,

como a questão ambiental e a violência, por exemplo. Assim, não podemos deixar de olhar esses assuntos

novamente sob uma perspectiva científica.

Por último, trataremos dos movimentos sociais, pois a vida em sociedade é extremamente dinâmica

e marcada por lutas constantes de grupos sociais que defendem interesses específicos.

Assim, espera-se que vocês, alunos, desenvolvam um olhar mais crítico sobre a sociedade, o que

certamente contribuirá para o seu aprimoramento profissional. A seguir, um texto complementar para

marcar o início do nosso trabalho.

Bons estudos!

Estratégias para o desenvolvimento da reflexão sociológica: o uso da produção cinematográfica

Figura 03 – Hollywood, em Los Angeles, Califórnia (EUA)

Os estudos sobre a utilização do cinema como recurso para o ensino da sociologia têm apontado

para a complementaridade que o filme pode exercer no despertar da reflexão crítica sobre a sociedade.

Mesmo filmes do circuito comercial, que são produzidos para um público amplo, tratam de temas

do cotidiano e, por isso, oferecem possibilidades para a análise de temas básicos da sociologia, já que o

cinema representa o imaginário social.

11

Ciências Sociais

Os filmes possibilitarão a percepção e discussão das realidades retratadas a partir de referenciais

teóricos a serem discutidos no decorrer do curso, o que ampliará e refinará a compreensão de conceitos

e teorias, além de auxiliar no processo de contextualização histórica.

O cinema pode provocar um tipo de pensamento que ultrapassa o âmbito do senso comum e gera

um novo olhar sobre o mundo, contribuindo, assim, para a formação de uma consciência da diversidade

e da pluralidade e para o entendimento sobre o nosso próprio comportamento social.

Desse modo, é necessário que haja adequação dos filmes selecionados ao conteúdo da disciplina

Ciências Sociais, já que o filme pode servir como forma de ilustrar conteúdos. Martins (1990), por

exemplo, enfatiza justamente que o desenvolvimento de um olhar sobre o filme possibilita a apreensão

de “comportamentos, visões de mundo, valores, identidades e ideologias de uma sociedade”.

A utilização de filmes pode contribuir para estimular a prática de estudos independentes e transversais

que ajudam a desenvolver o senso crítico e a capacidade de contextualização.

A partir dessas considerações iniciais, os filmes que serão indicados ao longo deste livro-texto

aprofundarão suas reflexões sobre os assuntos abordados durante o curso. É importante ler os textos

e, em seguida, assistir aos filmes indicados, tendo por premissa a análise dos detalhes das obras

cinematográficas em relação aos conceitos lidos e discutidos. Por fim, procure sempre elaborar os

seguintes questionamentos:

• Qual a relação entre a história do filme e a realidade em que vivemos?

• Em que época e local se passam os fatos narrados na obra?

• Qual a mensagem do filme?

• Após assistir ao filme, a qual conclusão pode-se chegar sobre ele?

Além disso, acreditamos também que o hábito de assistir a filmes acrescenta prazer ao processo de

aprendizado da sociologia.

Saiba mais

Para saber mais sobre o assunto, leia os textos indicados a seguir:

MARTINS, A. L. Cinema e ensino de sociologia: usos de filme em sala de

aula. XIII Congresso Brasileiro de Sociologia. UFPE, Recife, 2007. Disponível em

< http://bib.praxis.ufsc.br:8080/xmlui/bitstream/handle/praxis/60/Cinema%20e

%20Ensino%20de%20Sociologia.pdf?sequence=1>. Acesso em: 22 jun. 2011.

PAIVA JÚNIOR, Y. E. B. Viver e pensar o cotidiano. Revista Sociologia, São Paulo,

n. 32, 2010. Seção Reportagens. Disponível em <http://sociologiacienciaevida.

uol.com.br/ESSO/Edicoes/32/artigo194177-1.asp>. Acesso em: 13 fev. 2011.

13

Ciências Sociais

1 Introdução ao pensamento científico sobre o social

1.1 As origens do pensamento científico sobre o social

Desde que o ser humano desenvolveu a capacidade de pensar, está em busca de explicações para

os fenômenos que o circundam. A partir dessa preocupação básica, o homem se tornou produtor de

conhecimento sobre o mundo. Num primeiro momento, as explicações sobre o funcionamento da

natureza e da vida humana eram dadas a partir de mitos e explicações mágicas não pautadas em um

sistema lógico e coerente. Posteriormente, foram criadas outras formas de conhecer e explicar o mundo,

como as religiões, a filosofia e a ciência.

Nesta unidade, nosso propósito é identificar as diferentes formas de se pensar a vida social e delimitar

nosso campo de estudo científico.

O conhecimento mítico se manifesta através de um conjunto de histórias, lendas e

crenças. Os mitos carregam mensagens que traduzem os costumes de um povo e constituem

um discurso explicativo da vida social. O mito se explica pela fé, ou seja, não precisa de

comprovação.

Segundo Meksenas (1993, p. 39), “o mito fez com que o ser humano procurasse entender

o mundo através do sentimento e busca da ordem das coisas”. Na medida em que o homem

desenvolveu sua consciência, sentiu necessidade de descobrir as leis que regem o mundo e

procurou entendê-lo de um modo racional. Enquanto o mito contribuía para o homem aceitar o

mundo através de histórias, a filosofia atuou no sentido de permitir o entendimento das coisas

através da reflexão sobre elas.

O conhecimento filosófico é valorativo1, porém, se apoia na formulação de hipóteses, é pautado na

razão e tem como finalidade buscar uma representação coerente da realidade estudada. Como ilustram

Lakatos e Marconi (2009, p. 19), “o conhecimento filosófico é caracterizado pelo esforço da razão pura

para questionar os problemas humanos e poder discernir entre o certo e o errado, unicamente recorrendo

às luzes da razão humana”.

Unidade I

1 O termo valorativo é aqui empregado com o sentido de emitir juízo de valor.

14

Unidade I

Figura 04 – Adão e Eva provando o fruto da Árvore do conhecimento (Adán y Eva, de Vecellio di Gregorio Tiziano, 1628-1629)

De acordo com Sócrates (apud MEKSENAS, 1993, p. 41), “não existe no mundo conhecimento pronto,

acabado e que, se desejamos chegar à raiz do conhecimento, devemos – em primeiro lugar – criticar o

que já conhecemos”.

O conhecimento religioso também se baseia em doutrinas valorativas, mas suas verdades são

consideradas indiscutíveis. É um tipo de conhecimento que não se vale diretamente da razão e da

experimentação, mas sim da fé na revelação divina. Esse conhecimento se impôs como dominante no

mundo ocidental durante o período medieval e, assim, o cristianismo impediu o florescimento de outras

maneiras de conhecer a realidade e se constituiu um saber absoluto que justificava o poder de uma

instituição: a igreja Católica.

Quanto ao senso comum, ele é a nossa primeira forma de compreensão do mundo, resultante da

herança cultural dos grupos sociais onde estamos inseridos. É um conhecimento transmitido de geração

em geração por meio da educação informal e é baseado em imitações e experiências pessoais.

Todos os seres humanos possuem conhecimentos práticos de como agir e de como participar das

instituições. O senso comum é um saber que parte da prática do homem comum, do não especialista. É

um conhecimento que se volta à compreensão dos dados imediatos e não procura explicações profundas

dos eventos.

As transformações que ocorreram no mundo a partir do século XVI — como as grandes navegações e

a internacionalização do comércio — foram acompanhadas pela crítica ao poder eclesiástico de explicar

a realidade.

Com a desagregação do mundo feudal, foi conferida uma importância única ao conhecimento

científico. Surgiu uma necessidade histórica de formular um saber que permitisse estabelecer um critério

de verdade pautado na razão e na funcionalidade.

15

Ciências Sociais

A razão, ou capacidade racional do homem de conhecer a realidade, foi definida como elemento

essencial para confrontar o dogmatismo religioso e a autoridade eclesial. O desenvolvimento da razão

conduziu a uma nova atitude diante da possibilidade de explicar os fatos sociais de maneira lógica e

coerente (COSTA, 2005).

O conhecimento científico se pauta na realidade concreta e é baseado na experimentação

e não apenas na razão. É um saber que possui uma ordenação lógica e busca constantemente

se repensar. A característica elementar do pensamento científico é a procura pela verdade

através do desenvolvimento de métodos de análise e de uma linguagem objetiva que evite

ambiguidades.

Figura 05 – Pesquisa científica

Esse tipo de saber é produzido e transmitido através de treinamento apropriado nos institutos de

pesquisa e nas universidades. Trata-se de um conhecimento desenvolvido no mundo ocidental a partir

do século XVII.

Portanto, mito, religião, filosofia e ciência são formas de conhecimento produzidas pelo ser humano

e o sentido da busca pelo conhecimento é chegar à verdade.

Para refletir: qual a diferença entre conhecimento mítico, filosófico e científico? Por que a

universidade é o espaço do pensamento científico?

Cada forma de conhecer o mundo é representada por instituições próprias. O pensamento religioso é

amplamente difundido por instituições religiosas. O senso comum está disseminado por toda a sociedade

e encontra nos meios de comunicação de massa espaço para sua expressão. Mas, e o conhecimento

científico?

A universidade é concebida como centro de criação e difusão do conhecimento científico.

Materializa-se pela união de professores e alunos para o avanço do conhecimento. Seu compromisso

é com o desenvolvimento da ciência e da sociedade através da formação de profissionais

16

Unidade I

competentes e com sólida formação científica. Desse modo, nosso foco neste curso se volta para

a análise científica da sociedade, pois nosso compromisso institucional é com o desenvolvimento

da ciência.

Figura 06 – Homem estudando

Saiba mais

Para saber mais sobre a natureza da ciência social e o conhecimento do

mundo, consulte a obra a seguir:

GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas,

2008.

1.2 A sociologia pré-científica

1.2.1 Renascimento

Neste tópico, abordaremos a contribuição de alguns filósofos para a compreensão das transformações

sociais que culminaram no desenvolvimento do capitalismo.

Observação

O termo sociologia pré-científica foi desenvolvido pela professora

Cristina Costa e se refere ao pensamento social anterior ao desenvolvimento

da sociologia como ciência. Trata-se do pensamento filosófico que se

desenvolveu a partir do Renascimento e se estendeu até a Ilustração.

17

Ciências Sociais

No século XV, significativas mudanças ocorreram na Europa: iniciou-se uma nova era marcada

por inovações na organização do trabalho e por transformações no modo de o homem conceber o

conhecimento, a partir de então pautado na razão e na ciência.

Além de se preocupar com o desenvolvimento de explicações racionais sobre o funcionamento da

natureza, o homem renascentista passou a se preocupar com a questão de como utilizar melhor os

recursos naturais com o intuito de aumentar a produtividade e o lucro. Essa nova forma de conhecimento

da natureza e da sociedade se fundamentou em processos de experimentação e observação e foi

representada pelas obras de Galileu Galilei (1564-1642), Francis Bacon (1561-1626) e René Descartes

(1596-1650).

O pensamento social do Renascimento se expressou também na criação imaginária de mundos

ideais que mostrariam como a realidade deveria ser, sugerindo que tal sociedade seria construída pelos

homens através de sua ação e não pela crença ou pela fé.

Em A Utopia, Thomas Morus (1478-1535) defende a igualdade e a concórdia e concebe um modelo de

sociedade no qual todos têm as mesmas condições de vida e executam em rodízio os mesmos trabalhos.

Figura 08 – Thomas Morus

Em sua obra O Príncipe, Maquiavel afirma que o destino da sociedade depende da ação dos

governantes e explora as condições pelas quais um monarca absoluto é capaz de obter êxitos. Além disso,

o autor analisa as condições para se chegar a conquistas, reinar e manter o poder. Maquiavel acredita

que o poder depende das características pessoais do governante, de suas virtudes, das circunstâncias

históricas e de fatos que ocorrem independentemente de sua vontade.

18

Unidade I

A obra O Príncipe ainda disserta a respeito das relações que o monarca deve manter com a nobreza,

o clero e o povo:

[O Príncipe] mostra como deve agir o soberano para alcançar e preservar o

poder, como manipular a vontade popular e usufruir seus poderes e aliados.

Como conseguir exércitos fiéis, como castigar inimigos, como recompensar

aliados, como destruir na memória do povo a imagem dos antigos líderes

(COSTA, 2005, p. 34).

A importância dessa obra reside no tratamento dado ao poder, que passou a ser visto a partir da

razão e da habilidade do governante para nele se manter, separando, assim, a análise do exercício do

poder da ética.

Figura 09 – Príncipe César Bórgia e Nicolau Maquiavel

Segundo Costa (2005), as ideias de Thomas Morus e Maquiavel expressavam os valores de uma

sociedade em mudança, portadora de uma visão laica de si e do poder.

Com o Renascimento, novos valores sociais passaram a ser compartilhados entre os homens. Houve

uma crescente valorização da riqueza em detrimento da origem do indivíduo e a ordem social se voltou

para a competição por novos mercados e ampliação do consumo.

Com o desenvolvimento das atividades comerciais, uma nova classe social ganhou evidência: a

burguesia comercial, constituída por comerciantes que aspiravam lucros e tinham interesses de domínio

político.

Os valores sociais da sociedade moderna eram:

19

Ciências Sociais

• Antropocentrismo: o homem se coloca como centro de tudo;

• Laicidade: separação das questões transcendentais das preocupações imediatas do dia a dia;

• Individualismo: valorização da autonomia individual em detrimento da coletividade;

• Racionalismo: modo de pensar que atribui valor somente à razão;

• H edonismo: dedicação ao prazer como estilo de vida.

Saiba mais

O pensamento renascentista foi expresso em obras importantes, tais como:

ALIGHIERI, D. A Divina Comédia. Trad. Ítalo E. Mauro. São Paulo: 34, 2010.

MAQUIAVEL, N. O Príncipe. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

MORUS, T. A Utopia. Trad. Marcelo B. Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

SHAKESPEARE, W. Macbeth. Trad. M. Bandeira. São Paulo: Cosac Naify, 2009.

______. Romeu e Julieta. Trad. Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 1998.

Se houver dificuldade no acesso a essas obras, todas elas estão disponíveis

no diretório <http://www.dominiopublico.gov.br/>.

1.2.2 O século das luzes

A partir do século XVII, o capitalismo entrou em franca expansão pelo mundo. Os valores sociais

básicos burgueses se voltaram para o individualismo e para a busca pelo lucro. A expansão das atividades

comerciais conduziu a uma procura crescente pelo aumento da produtividade e esse aumento precisou

do desenvolvimento tecnológico e da racionalidade no planejamento da produção. Desse modo, recorreu-se

ao apoio na razão como fonte de conhecimento das atividades econômicas.

Com a Ilustração2, as ideias de racionalidade e liberdade se converteram em valores supremos. A

racionalidade aqui é compreendida como a capacidade humana de pensar e escolher.

2 Movimento filosófico do século XVIII que partia da convicção na razão como fonte de conhecimento.

20

Unidade I

Figura 10 – Estátua da Liberdade

Lembrete

A liberdade é concebida sob a perspectiva política. As relações entre os

homens devem ser pautadas na liberdade contratual, desse modo, todos os

homens são livres e iguais.

De acordo com Quintaneiro (2002):

A ideia de liberdade passou, então, a conotar emancipação do indivíduo

da autoridade social e religiosa, conquista de direitos e autonomia

frente às instituições. A burguesia europeia ilustrada acredita que a ação

racional traria ordem ao mundo, sendo a desordem um mero resultado

da ignorância. Educados, os seres humanos seriam bons e iguais

(QUINTANEIRO, 2002, p. 13).

É interessante observar que a concepção de liberdade e igualdade no período em questão ainda não

concebia a igualdade civil entre homens e mulheres, ou seja, as mulheres ainda possuíam um status

inferior ao dos homens.3

3 Quintaneiro (2002) ainda relata que Helvétius afirmou em 1758 que as diferenças entre os seres humanos não

se referiam à sua capacidade de conhecer, mas a fatores sociais, políticos ou morais. Propunha que a educação deveria ser

oferecida igualmente a homens e mulheres. Seu livro foi tão revolucionário para a época que foi condenado pelo Papa e

queimado no Parlamento de Paris e na Faculdade de Teologia.

21

Ciências Sociais

Os filósofos iluministas concebiam a política como uma coletividade organizada e contratual. O

poder surgiu como uma construção lógica e jurídica que independia de quem o ocupava e se fazia de

forma temporária ou representativa.

A sociedade passou a ser vista como portadora de diferentes instâncias como a política, a jurídica,

a social e a econômica, ou seja, surgiu a percepção de que o funcionamento da sociedade dependia da

relação entre as partes que a compunham (COSTA, 2005).

Em um contexto de luta contra o poder absolutista4 que atravancava o desenvolvimento do

comércio e a efetivação dos princípios de representatividade política, as massas foram conclamadas

a defender a democracia e a igualdade jurídica entre os homens na constituição de um regime

republicano.

A partir daí inicia-se o liberalismo, ideologia política que preconiza a liberdade da economia frente

ao poder. Desse modo, a economia deveria ser regida por leis próprias (a lei da oferta e da procura) e a

organização do Estado se voltaria para a defesa dos interesses burgueses.

Em sua obra O contrato social, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) afirma que a base da sociedade

estava no interesse comum pela vida social e no consentimento unânime dos homens em renunciar a

suas vontades em favor de toda a comunidade (COSTA, 2005).

Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força

comum a pessoa e os bens de cada associado e pela qual cada um, unindose

a todos, não obedeça, portanto, senão a si mesmo, e permaneça tão livre

como anteriormente. Tal é o problema fundamental cuja solução é dada

pelo contrato social.

(...) Todas essas cláusulas, bem entendido, se reduzem a uma única, a saber,

a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, em favor de

toda a comunidade; porque primeiramente, cada qual se entregando por

completo e sendo a condição igual para todos, a ninguém interessa torná-la

onerosa para outros (ROUSSEAU, 1978, p. 30).

Quanto à desigualdade social, Rousseau identificou na propriedade privada a fonte das injustiças

sociais e defendeu um modelo de sociedade pautada em princípios de igualdade. Sobre a desigualdade

entre os homens, Rousseau afirma:

Eu concebo na espécie humana duas espécies de desigualdades: uma,

que chamo de natural ou física, porque foi estabelecida pela natureza

e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças corporais e

4 O absolutismo foi um sistema político de governo em que os dirigentes assumiam poderes absolutos, sem

limitações ou restrições, passando a exercer de fato e de direito todos os atributos da soberania. Esse sistema político

perdurou na Europa entre os séculos XV e XVIII.

22

Unidade I

das qualidades do espírito ou da alma; outra, a que se pode chamar de

desigualdade moral ou política, pois depende de uma espécie de convenção

e foi estabelecida, ou ao menos autorizada, pelo consentimento dos homens.

Consiste esta nos diferentes privilégios desfrutados por alguns em prejuízo

dos demais, como o de serem mais ricos, mais respeitados, mais poderosos

que estes, ou mesmo mais obedecidos (ROUSSEAU, 1978, p. 143).

Em relação à identificação da propriedade privada como fonte das desigualdades e da injustiça

social, Rousseau coloca que:

O primeiro que, cercando um terreno, se lembrou de dizer: isto é meu, e

encontrou pessoas bastantes simples para o acreditar, foi o verdadeiro

fundador da sociedade civil.

Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não teria poupado

ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos,

tivesse gritado aos seus semelhantes: “Livrai-vos de escutar esse impostor;

estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de

ninguém!” (ROUSSEAU, 1978, p. 175).

A partir das ideias expostas, Rousseau se tornou partidário de uma sociedade que defendesse

princípios igualitários e preservasse uma base livre e contratual.

Assim como Rousseau, John Locke (1632-1704) era partidário da ideia de que a sociedade é

resultante da livre associação entre indivíduos dotados de razão e vontade, porém, diferentemente

daquele, Locke reconhecia a diferença entre os direitos individuais e o respeito à propriedade

e defendia que os princípios de organização social fossem codificados em torno de uma

Constituição.

John Locke concebia a propriedade privada como um direito natural do ser humano. Todo indivíduo

teria o direito de usá-la em seu proveito para sobrevivência ou para ampliar seus bens e aumentar sua

riqueza.

Segundo Lucien Goldamnn (1913-1979), os valores fundamentais defendidos pelos filósofos

iluministas, como igualdade jurídica, liberdade contratual e respeito à propriedade privada, foram

apropriados pela burguesia como os fundamentos da atividade comercial. Basta pensarmos em

como operam as relações comerciais até os dias de hoje: são relações que, independentemente das

desigualdades sociais, são marcadas pelo princípio da igualdade jurídica. Esse princípio prevalece mesmo

na relação entre desiguais economicamente. A defesa da propriedade privada confere a seu proprietário

o poder de usar e dispor livremente daquilo que lhe pertence.

Concluímos, portanto, que a sociologia pré-científica foi caracterizada por estudos sobre a vida social

que não tinham como preocupação central conhecer a realidade como ela era, mas sim propor formas

ideais de organização social. O pensamento filosófico de então já concebia diferenças entre indivíduo e

23

Ciências Sociais

coletividade e, como afirma Costa (2005, p. 49), “(...) presos ainda ao princípio da individualidade, esses

filósofos entendiam a vida coletiva como a fusão de sujeitos, possibilitada pela manifestação explícita

das suas vontades”.

Saiba mais

Para um estudo mais aprofundado sobre o assunto aqui abordado,

consulte as obras listadas a seguir:

DESCARTES, R. O Discurso do Método. São Paulo: Nova Cultural, 1987.

HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Nova Cultural, 1988.

HUBERMAN, L. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: LTC, 2010.

LOCKE, J. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

ROUSSEAU, J.-J. O contrato social e outros escritos. São Paulo: Cultrix,

1978.

VOLTAIRE. Dicionário filosófico. São Paulo: Nova Cultural, 1988.

1.3 O pensamento científico sobre o social

Até aqui, percebemos que a inquietação em conhecer e explicar os fenômenos sociais sempre

foi uma preocupação da humanidade. Porém, a explicação com base científica é fruto da sociedade

moderna, industrial e capitalista. A formação da sociologia no século XIX significou que o pensamento

sobre o social se desvinculou das tradições morais e religiosas. Como afirma Costa (2005):

Tornava-se necessário entender as bases da vida social humana e da

organização da sociedade por meio de um pensamento que permitisse

a observação, o controle e a formulação de explicações plausíveis, e que

tivessem credibilidade num mundo pautado pelo racionalismo (COSTA,

2005, p. 18).

1.3.1 Augusto Comte (1798-1857)

Augusto Comte nasceu em Montpellier, na França, em 1798. Aos 16 anos, ingressou na Escola

Politécnica de Paris, fato que exerceu grande influência na orientação de seu pensamento. Em carta

de 1842 à John Stuart Mill (1806-1873), Comte fala da Politécnica como a primeira comunidade

verdadeiramente científica que deveria servir como modelo de toda educação superior. Contudo, dois

anos depois, ele foi expulso da instituição por insubordinação e rebelião.

24

Unidade I

Amigo e secretario de Saint-Simon — que colaborou imensamente em sua formação intelectual —,

Comte desenvolveu um curso de filosofia positiva ministrado em sua casa e obteve reconhecimento.

Em 1831, foi convidado a trabalhar como professor na própria Escola Politécnica, onde se dedicou ao

magistério e à elaboração de seus livros. Comte morreu em Paris em 1857 e é considerado o fundador

da sociologia.

Saiba mais

Infelizmente, a maior parte das obras de Augusto Comte não foi traduzida

para o português. Suas principais obras editadas em português são:

Reorganizar a Sociedade. São Paulo: Escala, 2009.

Discurso sobre o espírito positivo. São Paulo: Escala, 2009.

Comte foi o autor que desenvolveu pela primeira vez reflexões acerca do mundo social sob bases

científicas. Influenciado pelo cientificismo5 e o organicismo6, o teórico compreendia a sociedade como

um grande organismo no qual cada parte possuía uma função específica, assim, o bom funcionamento

do corpo social dependia da atuação de cada órgão.

Figura 11 – O corpo humano

Observação

Referências ao funcionamento do corpo humano e à teoria da evolução

geral das espécies de Darwin foram utilizadas como parâmetros para o

estudo da sociedade.

5 Crença no poder absoluto da razão para explicar todas as coisas.

6 O organicismo concebe a sociedade como um grande corpo humano constituído de partes coesas e integradas

que funcionam harmonicamente (COSTA, 2005).

25

Ciências Sociais

De acordo com Comte, a sociedade teria passado por três fases ao longo da história: a teológica, a

metafísica e a científica. O autor concebia a fase teológica como aquela em que os homens recorriam à

vontade de Deus para explicar os fenômenos da natureza. Na fase metafísica, o homem já seria capaz de

utilizar conceitos abstratos, entretanto, é somente na fase científica, que corresponde à sociedade industrial,

que o conhecimento passou a se pautar na descoberta de leis objetivas para determinar os fenômenos.

Comte procurou estudar o que já havia sido acumulado em termos de conhecimentos e métodos por

outras ciências, como a matemática, a biologia e a física, para saber quais deles poderiam ser utilizados

na sociologia. O teórico buscava garantir assim um estatuto científico à sociologia, como indica Costa

(2005):

Foi ele o primeiro a definir precisamente o objeto, a estabelecer conceitos e

uma metodologia de investigação e, além disso, a definir a especificidade do

estudo científico da sociedade (COSTA, 2005, p. 70).

Preocupado com os problemas sociais de sua época, Comte concebia que o papel da sociologia

como ciência seria o de conhecer as leis que regem a vida social para poder prever os fenômenos e agir

racionalmente, sempre respeitando os princípios gerais que regem o mundo, a manutenção da ordem e

o caminho para o progresso.

Para o autor, todas as sociedades possuíam movimentos vitais de evolução e de ajustamento.

Identificado com o progresso, o primeiro movimento conduziria as sociedades a sistemas mais complexos

de existência. É como se houvesse um movimento inexorável que conduziria todas as sociedades para o

progresso. Identificado com a ordem, o segundo movimento, por sua vez, seria responsável pela adaptação

dos indivíduos ao meio social, ajustando os indivíduos às condições estabelecidas. Esse movimento seria

o responsável pela preservação dos elementos permanentes de toda organização social, como a família

e a religião, por exemplo. Desse modo, todas as sociedades teriam um duplo movimento: caminhariam

para o progresso e preservariam, ao mesmo tempo, a ordem social.

Observe como os movimentos identificados por Comte se relacionam com a bandeira brasileira:

Figura 12 – Bandeira do Brasil

Analise a bandeira nacional e reflita: Nossa bandeira tem alguma relação com o pensamento de

Augusto Comte? O Brasil é um país que se orienta pelos princípios de ordem e progresso?

26

Unidade I

Comte foi um dos principais expoentes do positivismo, uma corrente de pensamento filosófico que

aceitava os problemas advindos da industrialização e da urbanização como um dado da realidade. O

termo surgiu em oposição aos grupos intelectuais que defendiam a volta ao passado agrário e feudal.

O estudioso foi um crítico das ideias de Rousseau, pois, para ele, o homem é um animal gregário por

natureza e o indivíduo só pode ser explicado pela sociedade. Além disso, Comte concebe a família como

a verdadeira célula social.

Para o autor, a propagação das ideias iluministas que preconizavam a liberdade e a igualdade entre

os homens conduziu estes à discórdia. O restabelecimento da coesão social só seria possível com a

constituição de uma nova ordem de ideias e conhecimentos representados pelo positivismo (MARTINS,

1990).

Como afirma o sociólogo Carlos Benedito Martins (1990):

O advento da sociologia representava para Comte o coroamento da evolução

do conhecimento científico, já constituído em várias áreas do saber (...).

Ela deveria utilizar em suas investigações os mesmos procedimentos das

ciências naturais, tais como a observação, a experimentação, a comparação

etc. (MARTINS, 1990, p. 44).

O conhecimento sociológico permite ao homem transpor os limites de sua condição particular para

percebê-la como parte de uma totalidade mais ampla, que é o todo social. Isso faz da sociologia um

conhecimento indispensável num mundo que, à medida que cresce, mais diferencia e isola os homens

e os grupos entre si.

Saiba mais

O texto indicado abaixo permite um aprofundamento sobre o conceito

de positivismo:

GIANNOTTI, J. A. A primeira vítima do positivismo. CulturaBrasil. s. d.

Disponível em <http://www.culturabrasil.pro.br/clotilde.htm>. Acesso em:

03 mar. 2011.

Os filmes sugeridos a seguir apresentam um panorama do período

histórico sobre o qual discorremos até aqui:

EM NOME de Deus. Dir. Stealin Heaven. Estados Unidos. 1988. 108 min.

JOANA D’Arc. Dir. Luc Besson. França. 1999. 158 min.

27

Ciências Sociais

O NOME da Rosa. Dir. Jean-Jacques Annaud. Estados Unidos. 1986. 131 min.

ROMEU e Julieta. Dir. Baz Luhrmann. Estados Unidos. 1996. 120 min.

SHAKESPEARE Apaixonado. Dir. John Madden. Estados Unidos/Inglaterra.

1998. 122 min.

1492 – A conquista do Paraíso. Dir. Ridley Scott. Espanha/França/

Inglaterra. 1992. 150 min.

2 Transformações sociais do século XVIII

2.1 Revoluções burguesas

O intuito deste tópico é analisar o contexto em que o capitalismo se impôs como modo de organização

econômica, social e política predominante na sociedade moderna.

Figura 13 – Patrick Henry Rothermel: a luta da burguesia americana contra a Lei do Selo (1765)

Lembrete

Por revoluções burguesas entende-se um conjunto de movimentos que

ocorreram no século XVIII na Europa e nos Estados Unidos.

As revoluções burguesas foram: a Revolução Gloriosa (1680), na Inglaterra, a Revolução Francesa

(1789), a Independência Americana (1776) e a Revolução Industrial inglesa a partir de 1750. Neste

curso, somente as revoluções Francesa e Industrial serão nosso foco, pois ambas constituem as duas

faces de um mesmo processo: a consolidação do regime capitalista moderno.

28

Unidade I

O que caracterizou esses movimentos revolucionários foi sua capacidade de suplantar as formas

feudais de organização social. Sua importância está no estímulo dado ao desenvolvimento do capitalismo,

pois essas revoluções colocaram um fim às monarquias absolutistas e contribuíram para a eliminação de

barreiras que impediam o livre desenvolvimento econômico.

2.1.1 Revolução Francesa

As ideias iluministas exerceram profunda influência sobre a sociedade francesa ao longo do século

XVIII. A crescente crítica racional da vida em sociedade propiciou ao povo questionar as instituições

políticas absolutistas e de base feudal presentes na França.

Figura 14 – O juramento do jogo da Péla, em Versailles (1789), durante a Revolução Francesa

Segundo Martins (1990):

O conflito entre as novas forças sociais ascendentes chocava-se com uma

típica monarquia absolutista, que assegurava consideráveis privilégios a

aproximadamente 500 mil pessoas, isso num país que possuía ao final do século

XVIII uma população de 3 milhões de indivíduos. (MARTINS, 1990, p. 23).

Sobre os privilégios concedidos pelo rei à nobreza e ao clero, que não pagavam impostos e cobravam

tributos e dízimos do povo, Huberman (2010) cita em sua obra a resolução do parlamento francês para

a manutenção desses privilégios:

29

Ciências Sociais

A monarquia francesa, pela sua constituição, é formada por vários Estados

distintos. O serviço pessoal do clero é atender às funções relacionadas

com a instrução e o culto. Os nobres consagram seu sangue à defesa do

Estado e ajudam o soberano com seus conselhos. A classe mais baixa da

nação, que não pode prestar ao rei serviços tão destacados, contribui

com seus tributos, sua indústria e seu serviço corporal (HUBERMAN,

2010, p. 116).

A partir das considerações anteriores, é possível compreender as razões que levaram as massas

populares a ir às ruas lutar contra a monarquia, numa revolução marcada por posturas radicais. O povo

não aguentava mais pagar as altas taxas de impostos para manutenção de um grupo social que nada

produzia.

Como nos relata Martins (1990), além de não pagar impostos, a nobreza possuía o privilégio de

cobrar tributos feudais e investir contra o desenvolvimento das forças capitalistas, coibindo assim a

abertura de empresas e o desenvolvimento da agricultura.

A monarquia francesa procurava garantir os privilégios da nobreza em um contexto no qual crescia

a miserabilidade do povo. A burguesia também se opunha ao regime monárquico, pois este não permitia

a livre constituição de empresas e a impossibilitava de realizar seus interesses econômicos.

Quanto aos interesses burgueses na derrubada no regime absolutista, Huberman (2010) pontua que:

A burguesia desejava que seu poder político correspondesse ao poder econômico

que já tinha. Era dona de propriedades – queria agora os privilégios. Queria ter

certeza de que sua propriedade estaria livre das restrições aborrecidas a que

estivera sujeita na decadente sociedade feudal. Queria ter certeza de que os

empréstimos feitos ao governo seriam pagos. Para isso, tinha de conquistar

não somente uma voz, mas a voz do governo. Sua oportunidade chegou – e

ela soube aproveitá-la (HUBERMAN, 2010, p. 119).

Em 1789, com a mobilização das massas em torno da defesa da igualdade e da liberdade, a burguesia

tomou o poder e passou a atuar para a desestruturação do sistema feudal que ainda era predominante

na Europa.

Como informa Martins (1990), entre as medidas tomadas pelo governo após a Revolução Francesa,

merece destaque a legislação que limitava os poderes patriarcais na família, reprimindo os abusos da

autoridade do pai. Além disso, os bens da igreja foram confiscados e as funções de educação foram

transferidas para o Estado.

A burguesia defendia a organização de um Estado independente do poder religioso e promoveu

profundas inovações na área econômica ao criar medidas para favorecer o desenvolvimento de empresas

capitalistas.

30

Unidade I

Contudo, as massas que participaram da Revolução logo foram surpreendidas por outras medidas burguesas,

como a proibição das manifestações populares e a repressão violenta dos movimentos contestatórios.

O significado histórico da Revolução Francesa é descrito por Huberman como:

O privilégio de nascimento foi realmente derrubado, mas o privilégio do

dinheiro tomou seu lugar. “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” foi uma frase

popular gritada por todos os revolucionários, mas coube principalmente à

burguesia desfrutá-la (HUBERMAN, 2010, p. 120).

Observação

A Revolução Francesa pôs fim ao sistema feudal não só na França, mas

em todos os territórios conquistados por Napoleão Bonaparte.

Saiba mais

Para complementar sua leitura, consulte os textos a seguir:

A DECLARAÇÃO dos Direitos do Homem e do Cidadão. AmbaFrance. s.

d. Disponível em <http://www.ambafrance-br.org/spip.php?article425>.

Acesso em: 08 mar. 2011.

HOBSBAWM, E. A era das revoluções: 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra, 2009.

VOVELLE, M. A Revolução Francesa e seu eco. Estudos Avançados, São

Paulo, v. 3, n. 6, maio/ago., 1989. Disponível em <http://www.scielo.br/

scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141989000200003&lng=en&

nrm=iso>. Acesso em 08 mar. 2011.

2.1.2 Revolução Industrial

A Revolução Industrial eclodiu na Inglaterra na segunda metade do século XVIII. Ela foi fruto de um

conjunto de inovações que possibilitou um aumento sem precedentes na produção de mercadorias.

Chamamos de Primeira Revolução Industrial o período de 1760 a 1820, quando o sistema industrial

efetivamente suplantou o sistema feudal. Em sua primeira fase, a introdução de teares mecânicos

possibilitou ao setor têxtil ampliar extraordinariamente sua produtividade.

A Revolução Industrial significou mais do que a introdução da máquina a vapor e o aperfeiçoamento

dos métodos produtivos, ela nasceu sob a égide da liberdade ao permitir aos empresários industriais que

desenvolvessem e criassem novas formas de produzir e enriquecer (MARTINS, 1990).

31

Ciências Sociais

Quadro 01 - Origem e consequências da Revolução Industrial

Aparecimento da máquina a vapor

Aumento da produção

Melhoria nos transportes

Crescimento das cidades

Os antecedentes históricos da Revolução Industrial remontam ao acúmulo de capital oriundo da

intensificação do comércio internacional mercantilista. A utilização de mão de obra escrava na América

possibilitou um grande aumento de riquezas que precisavam ser investidas na produção.

Para que houvesse desenvolvimento econômico, era necessário exportar mercadorias e importar

apenas o necessário7. Para isso, era primordial o estímulo à indústria, pois os produtos industriais possuem

mais valor que os artigos do setor primário (agricultura e extrativismo). Como afirma Huberman:

Era também importante ter indústria produzindo as coisas de que o povo

precisava e isso equivalia a não ser necessário comprá-las no estrangeiro.

Era um passo na direção da balança de comércio favorável, bem como no

sentido de tornar o país autossuficiente, independente de outros países

(HUBERMAN, 2010, p. 96).

A Revolução Industrial desencadeou uma maciça migração do campo para cidade. Esse processo

de migração teve início no século XVI, com a expulsão de camponeses de suas plantações. Sem

ter para onde ir, os camponeses seguiram para as estradas, onde se tornaram pedintes. No século

XVIII, houve um novo fechamento de terras e, como afirma Huberman (2010, p. 130): “dessa

forma, o exército de infelizes sem terra, que tinham de vender sua força de trabalho em troca

de salário, aumentou tremendamente”. Desse modo, o fechamento das terras com a expulsão dos

camponeses sem título de propriedade foi uma das principais formas de obter mão de obra para

a indústria.

Um dos efeitos dessa revolução na área rural foi a aceleração da produtividade agrícola a partir da

introdução de técnicas que permitiam a intensificação da utilização do solo. Assim, a atividade agrícola

se voltou para o mercado e teve sua produção orientada para o lucro.

Somado à expulsão dos camponeses de suas áreas de produção, o aumento da produtividade agrícola

é um elemento fundamental para compreender como se formou a classe operária. A falta de trabalho no

campo forçou os camponeses a buscar trabalho nas áreas urbanas.

O grande fluxo migratório tornou as áreas urbanas palco de grandes transformações sociais.

Formaram-se multidões que revelavam nas ruas uma nova face do desenvolvimento do capitalismo: a

miserabilidade.

7 Sistema vigente até hoje no mercado mundial.

32

Unidade I

O sistema de trabalho na indústria se diferenciava de outras formas de organização existentes na

época. Dias (2004) cita entre as principais modificações a crescente divisão do trabalho, a necessidade

de coordenação e também as mudanças culturais ocorridas dentro da questão do labor.

O desenvolvimento de técnicas levou os empresários a incrementar o processo produtivo e aumentar

as taxas de lucro. Isso permitiu que eles se interessassem cada vez mais pelo aperfeiçoamento das

técnicas de produção, visando produzir mais com menos gente.

Para refletir: o trabalho sempre foi uma fonte de riquezas?

A divisão do trabalho foi implementada como técnica no interior da fábrica para o aumento da

produtividade, como nos relata Huberman:

Quando se emprega um grande número de pessoas para fazer certo

produto, podemos dividir o trabalho entre elas. Cada trabalhador tem uma

tarefa particular a fazer. Executa-a repetidamente e, em consequência, se

torna perito nela. Isso poupa tempo e acelera a produção (HUBERMAN,

2010, p. 86).

A divisão do trabalho imposta pela grande indústria conduziu os operários a um crescente

processo de especialização que, por sua vez, reduziu drasticamente o conhecimento desses

operários, agora realizadores de tarefas repetitivas e rotineiras que dispensavam formas de

conhecimento mais sofisticado.8 Analisando as consequências dessa intensa divisão do trabalho,

Dias esclarece que:

(...) há um empobrecimento intelectual do operário, por realizar tarefas

cada vez mais repetitivas e altamente especializadas. O que, por outro lado,

facilita a introdução no trabalho industrial de mulheres e crianças (DIAS,

2004, p. 18).

Assim, a atividade produtiva se voltou para as grandes unidades fabris e a relação de classes

que passou a existir entre a burguesia e os trabalhadores foi orientada pelo contrato – isso

permite inferir que existia a liberdade econômica e a democracia política, pois tínhamos o

trabalhador livre para escolher um emprego qualquer e o empresário livre para empregar quem

desejasse (MEKSENAS, 1991) –, o que significou uma profunda transformação na maneira de os

homens se relacionarem.

Eis o que constata Huberman sobre as características do trabalho industrial:

8 Dias (2004) remete a discussão sobre a divisão do trabalho à obra A Riqueza das Nações (1776), de Adam Smith,

que compara a produção de alfinetes entre operários em uma linha de produção com a capacidade de produzir de um

operário isolado.

33

Ciências Sociais

Produção para um mercado cada vez maior e oscilante, realizada fora de

casa, nos edifícios do empregador e sob rigorosa supervisão. Os trabalhadores

perderam complemente sua independência. Não possuíam a matéria-prima,

como ocorria no sistema das corporações, nem os instrumentos, tal como no

sistema doméstico. A habilidade deixou de ser tão importante como antes,

devido ao maior uso da máquina. O capital tornou-se mais necessário do

que nunca. Do século XIX até hoje (HUBERMAN, 2010, p. 89).

A relação de interdependência entre empresários e operários é um elemento fundamental na nova ordem

social capitalista. A configuração do mercado de trabalho conduz os operários a vender sua força de trabalho

como uma mercadoria. As indústrias se converteram na única possibilidade de trabalho para este trabalhador que

perdeu conhecimento do processo produtivo e só possui a força física, vendida como força de trabalho. Quanto

aos empresários, há o reconhecimento da necessidade de mão de obra para a movimentação das indústrias.

Aspectos importantes da Revolução Industrial

• A produção passa a ser organizada em grandes unidades fabris, onde predomina uma intensa

divisão do trabalho;

• Aumento sem precedentes na produção de mercadorias;

• Concentração da produção industrial em centros urbanos;

• Surgimento de um novo tipo de trabalhador: o operário.

Figura 15 – Indústria e tecnologia

Sobre a organização do sistema fabril e seus reflexos na sociedade inglesa, Hubermann descreve:

O sistema fabril, com sua organização eficiente em grande escala e sua divisão

de trabalho, representou um aumento tremendo na produção. As mercadorias

saíam das fábricas num ritmo intenso. Esse aumento da produção foi em parte

provocado pelo capital, abrindo caminho na direção dos lucros. Foi, em parte,

uma resposta ao aumento da procura. A abertura de mercados das terras

recém-descobertas foi uma causa importante desse aumento. Houve outra.

34

Unidade I

As mercadorias produzidas nas fábricas encontravam também um mercado

interno simultâneo ao mercado externo. Isso devido ao crescimento da

população da própria Inglaterra (HUBERMANN, 2010, p. 138).

No interior das fábricas, as condições de trabalho eram ruins. As fábricas não possuíam ventilação ou

iluminação e os trabalhadores eram submetidos a jornadas de trabalho de até 16 horas por dia. Como

ilustra Huberman:

Os fiandeiros de uma fábrica próxima de Manchester trabalhavam 14 horas

por dia numa temperatura de 26 a 29ºC, sem terem permissão de mandar

buscar água para beber (...) Quando os trabalhadores conquistaram o direito

de trabalhar em dois turnos de 12 horas, consideraram isto uma “benção”

(HUBERMAN, 2010, p. 143).

A cultura que os operários levavam para o ambiente industrial era a apreendida no meio rural. Isso conduzia

os empresários a perceber que a gestão dos recursos humanos constituía um problema a ser solucionado.

Dessa forma, um rígido sistema disciplinar acompanhado de constante supervisão dos empresários foi

introduzido nas indústrias para garantir a produtividade com eficiência. Como informa Dias (2004, p. 19): “o

fator disciplina assume um papel fundamental na nova forma de organizar a empresa, não só pelo aspecto

cultural – com a necessidade de desenvolvimento de novos hábitos”. Os operários tinham grande dificuldade

de adaptação ao sistema disciplinar, que não era pautado na liberdade e igualdade dos indivíduos.

Era usual nas fábricas a presença de mulheres e crianças a partir de cinco anos atuando na linha de

produção com salários inferiores aos dos homens. Quanto aos homens, naquela época estes já sofriam

com os efeitos do desemprego.

A princípio, os donos de fábricas compravam o trabalho das crianças pobres nos

orfanatos; mais tarde, como os salários do pai operário e da mãe operária não

eram suficientes para manter a família, também as crianças que tinham casa

foram obrigadas a trabalhar nas fábricas e minas (HUBERMAN, 2010, p. 144).

A seguir, a maneira como Engels (2010) descreve o trabalho infantil sob a ótica de um empresário:

Visitei várias fábricas em Manchester e em seus arredores e jamais vi crianças

maltratadas, submetidas a castigos corporais ou mesmo que estivessem de mau

humor. Pareciam todas alegres e espertas, tendo prazer em empregar seus músculos

sem fadiga e dando livre vazão à vivacidade própria da infância. O espetáculo do

trabalho na fábrica, longe de despertar-me pensamentos tristes, foi, para mim,

sempre reconfortante. Era delicioso observar a agilidade com que reuniam os

fios rompidos em cada recuo do carreto da mula e vê-las, depois de segundos

de atividades com seus dedinhos delicados, divertirem-se muito a descansar nas

posições que lhes davam prazer, até que a atividade recomeçasse. O trabalho

desses elfos velozes parecia um jogo, que executavam com a encantadora destreza

que um longo treinamento lhes conferira. Conscientes de sua própria habilidade,

35

Ciências Sociais

compraziam-se em mostrá-la a qualquer visitante. Nenhum sinal de cansaço: à

saída da fábrica, imediatamente se punham a brincar num espaço livre vizinho

com o mesmo ardor de crianças que saem da escola (ENGELS, 2010, p. 204).9

Alem disso, as condições de moradia eram altamente precárias nos bairros periféricos. As doenças eram

epidêmicas. Nassau Sênior (apud HUBERMAN, 2010) ilustra a situação na cidade de Manchester em 1837:

Essas cidades, pois pela extensão e número de habitantes são cidades, foram

construídas sem qualquer consideração pelo que não fosse a vantagem imediata do

construtor especulador... Num lugar encontramos toda uma rua seguindo o curso

de um canal porque dessa forma era possível conseguir porões mais profundos, sem

o custo de escavações, porões destinados não ao armazenamento de mercadorias

ou lixo, mas à residência de seres humanos. Nenhuma das casas dessa rua esteve

isenta de cólera. Em geral, as ruas desses subúrbios não têm pavimentação, e pelo

meio corre uma vala ou há um monturo; os fundos das casas quase se encont

...

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